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domingo, 30 de setembro de 2018

Fernando Haddad e sua teoria do parto



O deve refletir sobre o preço de ir para o segundo turno sem qualquer autocrítica 

Num encontro com artistas em São Paulo, Fernando Haddad disse o seguinte:
"Não tem como se desenvolver do ponto de vista institucional sem passar por alguns partos. (...) As nações que chegaram ao desenvolvimento passaram por momentos tão dramáticos quanto o que nós estamos passando agora".

E acrescentou:
"Se a gente vencer essa etapa, nós vamos olhar para trás e, ao invés de acusar aqueles que querem votar no Bolsonaro e tudo o mais, vamos compreender que é uma parte de um sentimento que se expressou dessa maneira, como uma febre alta, mas que foi importante em determinado momento para a gente pensar que tem uma coisa errada com esse organismo aqui e vamos cuidar dele porque é muito importante para nós".

Trata-se de uma construção na qual a candidatura de Jair Bolsonaro seria uma febre alta, depois da qual nasceria um novo tempo, mas tudo gira em torno de seis palavras: “Se a gente vencer essa etapa”. E se não vencer? Teria faltado combinar com Bolsonaro.
O comissariado deve refletir sobre o preço de ir para o segundo turno sem qualquer autocrítica.   Afinal, no mesmo encontro, Haddad disse que "não quero repassar os erros de todos os envolvidos, porque são muitos".

Ele não quer, mas o eleitor que tem medo do que chama de “a volta do PT”, gostaria que quisesse. Os comissários devem pesar os riscos da teoria do parto. Ela embute a ideia de que o PT irá para o segundo turno nos seus termos e, quem quiser, que o siga. Milhões de pessoas votariam em Átila mas não votam em Bolsonaro. O que não se sabe é o tamanho do eleitorado que é capaz de votar até em Bolsonaro, para evitar o retorno do PT ao Planalto nos termos do comissariado. Em Minas Gerais e em São Paulo boa parte do eleitorado tucano migrou para Bolsonaro. Querer levar o centro para o programa do PT e para a retórica de Haddad ameaça sua candidatura e contamina o governo que pode advir de sua vitória.

Em 1984 Tancredo Neves construiu a primeira conciliação da História saída da oposição. Se ele tivesse adotado a estratégia dos comissários de 2018, Paulo Maluf poderia ter sido eleito presidente.

(...)

Fim de feira
O crepúsculo do governo de Michel Temer transformou-se numa xepa. A turma da privataria quer apressar o leilão de 12 terminais de aeroportos. Temem que o novo governo paralise a transação. Deveriam temer o contrário.  Na área das agências reguladoras a liquidação adquiriu seu pior aspecto. Nomearam-se diretores com mandatos que se estenderão pela maior parte do governo do próximo presidente.
Isso seria, no mínimo, falta de educação.

Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, detonou-se o que havia de racionalidade na sua direção, e o presidente foi-se embora para a Organização Pan-Americana da Saúde. Para o lugar foi nomeado um diretor que, apesar de ser médico, celebrizou-se como deputado e prefeito de São Bernardo.

Na diretoria da Anvisa ficam agora um sobrinho do senador Eunício de Oliveira, um indicado por Romero Jucá, mais uma sumidade trazida por Paulo Maluf e, finalmente, um sábio que acumula parentescos, pois é primo do marqueteiro Elsinho Mouco e do ministro das Cidades, Alexandre Baldy.
Luís XV celebrizou-se por ter dito que depois dele viria o dilúvio. Temer quer ser o próprio aguaceiro.

Registro
Para a crônica da eleição de 2018:
Geraldo Alckmin encontrou-se com um marqueteiro que tentou convencê-lo a mudar a maneira de falar, usando um vocabulário mais direto.
O candidato concordou com tudo, levou-o à porta e despediu-se:
"Recomende-me aos seus".

MATÉRIA COMPLETA, Elio Gaspari, jornalista, em O Globo
 

sexta-feira, 25 de maio de 2018

O governo piscou

O governo piscou ao, pela boca do próprio presidente Michel Temer, pedir “uma trégua” aos grevistas. E a Petrobras piscou também ao aceitar reduzir em 10% o preço do diesel e congelá-lo por 15 dias. As greves de caminhoneiros são freqüentes num país que depende de sua malha rodoviária, cada vez em situação mais precária, para o abastecimento das cidades.

Mas, mesmo as que demoraram mais tempo, não provocaram tantos estragos quanto a atual. O governo está nas mãos dos caminhoneiros, sem capacidade de reação. Não é razoável imaginar que não tivesse informações sobre a movimentação dos grevistas, o mais provável é que tenha menosprezado a capacidade de mobilização da classe. Esquecendo-se de que em diversos governos, anteriores, como o de JK, e mais recentemente, desde Fernando Henrique, passando por Lula e Dilma, houve paralisações como essas, em menor escala graças à ação firme e a capacidade de negociação dos governos naqueles momentos. “O governo tomou a decisão de manter a livre circulação das estradas e, se preciso, com o uso da força militar”, dizia comunicado divulgado do Palácio do Planalto na greve de 1999. Bastaram três dias da paralisação para a greve terminar. Mas os grevistas tiveram ganhos expressivos: congelamento do preço do diesel e das tarifas de pedágio e desativação das balanças que multavam quem estivesse acima do limite de carga.

Ninguém faz um movimento desses, de caráter nacional, sem que lideranças do movimento grevista se reúnam e mantenham contatos entre si. Além do mais o governo perdeu o controle do Congresso, o episódio da aprovação do fim do PIS/Confins não é trágico, apenas é risível, porque dá para consertar no Senado, mas o presidente da Câmara, o pré-candidato à presidência Rodrigo Maia, na ânsia de distanciar-se do governo e agradar aos grevistas, cometeu alegadamente um erro de cálculo de nada menos que R$ 9 bilhões.  O senador Eunício de Oliveira, presidente do Senado, teve que voltar às pressas de Fortaleza para apagar esse incêndio, mas a decisão de se ausentar de Brasília num momento como esse dá bem a mostra de como as principais lideranças políticas do país estão desconectadas da realidade.

Uma prova também de que o governo Temer perdeu o poder de negociação, que gastou para se livrar das duas tentativas da Procuradoria-Geral da República de processá-lo. Na reta final da eleição, um governo impopular, cuja economia não respondeu às expectativas, tende a ver uma debandada de seguidores, especialmente daqueles que se candidatarão em outubro. Cada vez mais se assemelha ao final do governo Sarney em 1989, quando ser da oposição era um trunfo.

Como em outras greves do tipo, os caminhoneiros também têm reivindicações políticas. Mas desta vez se superaram. A União Nacional dos Transportadores Rodoviários e Autônomos de Carga colocou como primeira reivindicação “cumprimento integral da lei do voto impresso em urnas eletrônicas ou adoção do voto impresso em urnas de lona, com apuração a cargo das Forças Armadas”. E arremataram pateticamente: “em caso de descumprimento, nos somaremos ao clamor popular por intervenção militar”.

Na verdade, o clamor popular será atendido quando as Forças Armadas forem utilizadas não para apurar votos, mas para desbloquear as estradas do país e permitir não apenas o direito de ir e vir dos cidadãos, mas garantir o abastecimento das cidades, que já estão sofrendo com quatro dias de paralisações. Nem mesmo o pré-candidato Jair Bolsonaro apoiou a reivindicação, que parecia cair como uma luva para sua campanha. Disse que apoiava a greve, mas não o bloqueio das estradas. E calou-se sobre a intervenção militar.

Merval Pereira - O Globo