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sexta-feira, 26 de maio de 2023

Pecadores vingativos - Augusto Nunes

 Revista Oeste

O Sistema não se contenta com o fim da Lava Jato. Quer castigar quem cumpriu a lei

Sergio Moro | Foto: Marcelo Chello/Shutterstock
 
Em 22 de abril de 2021, durante o julgamento no Supremo Tribunal Federal que transformou Luiz Inácio Lula da Silva em vítima da parcialidade do juiz Sergio Moro, o ministro Luiz Roberto Barroso desenhou a metodologia utilizada para desmontar ofensivas judiciais contra delinquentes condenados à perpétua impunidade. “Quem acompanhou o que aconteceu na Itália conhece o filme da reação dos corruptos”, disse Barroso. Era uma alusão à Operação Mãos Limpas, abatida por um contra-ataque distribuído por três frentes. “Primeira: mudanças na legislação ou na jurisprudência”, prosseguiu Barroso. “A segunda é a demonização de procuradores e juízes. Terceira: sequestro da narrativa e cooptação da imprensa para mudar os fatos e recontar a história.” Assim que a Operação Lava Jato se aproximou de territórios jamais devassados por homens da lei, a estratégia que dera certo no país europeu foi reprisada no Brasil, com idêntico sucesso, pela confederação dos gatunos intocáveis.

Registradas as semelhanças, Barroso apontou uma diferença que não melhora a imagem do Brasil. Na Itália, os corruptos vitoriosos se contentaram com a restauração do direito de delinquir em paz. “Aqui a corrupção quer também vingança”, constatou. “Quer ir atrás dos procuradores e dos juízes que ousaram enfrentá-la, para que ninguém nunca mais tenha a coragem de fazê-lo. No Brasil de hoje, temos os que não querem ser punidos, o que é um sentimento humano e compreensível. Mas temos um lote muito pior. É o formado pelos que não querem ficar honestos nem daqui para a frente. Esses gostariam que tudo continuasse como sempre foi.” Amparado nesse diagnóstico, Barroso juntou-se à minoria contrária à ideia de colar em Sergio Moro, principal juiz da Lava Jato, o estigma da “suspeição”. O bloco vencedor achava que, com a desqualificação do magistrado, a soltura do réu Luiz Inácio Lula da Silva seria engolida sem engasgos até por quem aplaudia o desempenho da maior e mais eficaz operação anticorrupção de todos os tempos.publicidade


Em junho de 2020, numa entrevista ao programa Roda Viva, o ministro rejeitou enfaticamente a tese de que a operação “foi comprometida pela criminalização da política”. Na resposta, usou a expressão “foi crime mesmo” para definir o que aconteceu na Petrobras, na Eletrobras, na Caixa Econômica Federal, no crédito consignado e nos fundos de pensão. “A gente não deve criminalizar a política nem politizar o crime”, foi em frente. “Desvio de dinheiro, gerente devolvendo 150, 180 milhões, não é possível alguém achar isso natural. Isso não é política, isso é bandidagem. A corrupção no Brasil foi uma criminalidade estrutural, institucionalizada e sistêmica. A Lava Jato ajudou a mudar a cultura de impunidade no país.” Para o entrevistado, “a sociedade deixou de aceitar o inaceitável, e desenvolveu uma imensa demanda por integridade, por idealismo e por patriotismo”. Uma busca ligeira na internet atesta que a Lava Jato foi louvada também pelos ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e até Gilmar Mendes. Publicamente, só o decano Gilmar mudou radicalmente de ideia. Depois de atribuir à operação o desmonte da usina de roubalheiras controlada pelo PT, a metamorfose de toga transformou os procuradores, os juízes e até Curitiba em seus grandes satãs.

No momento, Gilmar se emociona com o livro em que Emílio Odebrecht jura que só assinou o acordo de leniência que agora tenta anular por ter sucumbido à tortura. Eis aí outro forte candidato a uma vaga no Inquérito das Fake News. Barroso nunca renegou o que disse sobre a Lava Jato, mas tem evitado comentários sobre a operação desde que o STF virou protagonista do faroeste à brasileira que rebaixou a fascista, desinformado ou golpista todo brasileiro cujas opiniões possam retardar o sepultamento em cova rasa dos projetos políticos de Jair Bolsonaro. Os remanescentes da Lava Jato já foram castigados pelas mudanças na legislação e na jurisprudência profetizadas por Barroso. Há tempos vêm sendo sistematicamente demonizados. O consórcio da imprensa faz o que pode para transformar xerifes em vilões e bandidos em homens da lei. Vive-se agora a etapa da vingança, tramada por ressentidos sem cura, traumatizados pelo pavor de ouvir batidas na porta às 6 da manhã, que anunciavam a chegada da Polícia Federal e do ajuste de contas. Barroso acompanha em silêncio o cortejo de decisões arbitrárias, medidas absurdas, prisões ilegais, inquéritos secretos e outras bofetadas na cara da Constituição.

Juízes e procuradores da Lava Jato eram responsabilizados de meia em meia hora por agressões ao devido processo legal e ao direito de ampla defesa que só existiram na imaginação de advogados especializados em chicanas de picadeiro. Alexandre de Moraes não para de fazer o que Sergio Moro nunca fez — sem ouvir um pio dos colegas de Egrégio Plenário. No diversificado buquê de engaiolados pela ofensiva anticorrupção, não há um único e escasso injustiçado. Eram todos criminosos, mas foram socorridos pelos superjuízes. O TSE, um atrevido puxadinho do Supremo, precisou de 66 segundos, muito cinismo e uma argumentação de picadeiro para cassar o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol. Punido por ter liderado a força-tarefa de procuradores, Deltan sofreu um castigo adicional. Fora o deputado federal Marcel Van Hattem, do Partido Novo, nenhum parlamentar compareceu à manifestação de solidariedade promovida em Curitiba. Animado com o avesso das coisas, o doleiro Alberto Youssef resolveu exigir alguma compensação pela ofensa gravíssima: a Polícia Federal grampeou sem autorização judicial uma conversa telefônica com algum parceiro de patifarias que se recusa a identificar.

Nascida em março de 2014 para investigar doleiros, a operação logo topou com bandalheiras envolvendo diretores da Petrobras, chefões do PT e empresários de estimação. Juízes, procuradores e policiais federais sem medo seguiram em frente. Acabaram desmantelando o maior esquema corrupto da história, adornado pela participação de empreiteiros podres de rico e até do ex-presidente Lula. O Brasil que presta sentiu-se num Carnaval temporão. Quem detestou a súbita mudança na paisagem foi o Sistema, codinome do ajuntamento de figurões dos Três Poderes, da indústria e do comércio, das cidades e dos campos, de todos os partidos e de todas as tendências — em resumo, o Sistema abrange todas as subespécies empenhadas em ganhar dinheiro com negociatas desde a chegada das primeiras caravelas. A colisão frontal entre a lei e o crime ocorreria em 2016.

Todos os punidos pela Lava Jato estão em liberdade, o Supremo faz o que quer e o Congresso capricha na cara de paisagem. A corrupção deixou de ser um problema a combater

Para a Lava Jato, seria esse o mais produtivo dos anos. As 45 prisões temporárias e 25 preventivas anexaram à população carcerária um punhado de celebridades — por exemplo, os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Guido Mantega, o marqueteiro do reino João Santana, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Lula foi conduzido coercitivamente à Polícia Federal para depor sobre os casos do triplex no Guarujá e do sítio em Atibaia. Impressionado com o ritmo da operação, o país mal notou o aparecimento da senha para o começo da contraofensiva: “Estancar essa sangria”. A expressão foi recitada por Romero Jucá, líder no Senado de todos os governos, durante uma conversa com o ex-senador Sérgio Machado, então homiziado no comando da Transpetro, um dos braços da Petrobras mais castigados pela gangrena da corrupção. Poucos tiveram paciência para a leitura do diálogo grampeado da Polícia Federal. Como atesta a transcrição dos melhores momentos, a maioria dos brasileiros não sabe o que perdeu. Confira:

Sérgio Machado: Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.

Romero Jucá: Eu só acho o seguinte: com Dilma não dá (…). Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais crédito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?

SM: Tem que ter um impeachment.

RJ: Tem que ter impeachment. Não tem saída.

SM: Acontece o seguinte, objetivamente falando. Com o negócio que o Supremo fez, isso de autorizar prisões logo após decisões de segunda instância, vai todo mundo delatar.

RJ: Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer. Seletiva, mas vão fazer.

SM: Eu estou muito preocupado porque eu acho que o Janot está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.

[Rodrigo Janot era o procurador-geral da República]

RJ: Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.

SM: Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel Temer.

RJ: Só o Renan que está contra essa porra, porque o Michel é Eduardo Cunha. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

SM: É um acordo, botar o Michel num grande acordo nacional.

RJ: Com o Supremo, com tudo.

SM: A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos.

RJ: Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura.

SM: Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.

RM: Caiu. Todos eles. Aloysio, Serra, Aécio…

SM: Caiu a ficha. Tasso também caiu?

RJ: Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.

SM: O primeiro a ser comido vai ser o Aécio. [Baixa o tom de voz] O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para ele ser presidente da Câmara? [Muda de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.

RJ: Estou à disposição, você sabe disso. Veja a hora que você quer falar.

SM: Preciso ter uma conversa emergencial com vocês.

RJ: Acho que a gente não pode juntar todo mundo para conversar, viu? Você deve procurar o Sarney, deve falar com o Renan. Depois que você falar com os dois, colhe as coisas todas, e aí vamos falar nós dois do que você achou e o que eles ponderaram pra gente conversar.

SM: Não pode ter reunião a três?

RJ: Não pode. Isso de ficar juntando para combinar coisa que não tem nada a ver. Os caras já enxergam outra coisa que não é… Depois a gente conversa os três sem você.

SM: Se não houver uma solução a curto prazo, o nosso risco é grande.

RJ: [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem “ó, só tem condições sem Dilma. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca”. Entendeu? Então… Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.

SM: Eu acho o seguinte: a saída para Dilma é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Tem que ter uma paz, um…

RJ: Eu acho que tem que ter um pacto.

Parece conversa de pátio de cadeia. E é. Parece que foi ontem. Foi mesmo, se medido pelo tempo histórico. O parto demorou mais que o previsto e foi complicado, mas o pacto dos morubixabas em perigo está em vigor. Todos os punidos pela Lava Jato estão em liberdade, o Supremo faz o que quer e o Congresso capricha na cara de paisagem. A corrupção deixou de ser um problema a combater.

Tecnicamente, a Lava Jato não morreu. O ex-presidente Fernando Collor foi condenado pelo STF com base em revelações obtidas pela operação. E a juíza Gabriela Hardt, que considerou Lula culpado no caso do sítio em Atibaia, acaba de assumir o posto que foi de Moro e pertenceu por algumas semanas a um caso de polícia fantasiado de juiz. Mas é possível que Collor fosse absolvido se tivesse apoiado Lula. E ninguém sabe quantas semanas (ou quantos minutos) Gabriela permanecerá no cargo.

De todo modo, parecem tão remotos quanto a Primeira Missa os anos em que milhões de brasileiros puderam acreditar que enfim entrara em vigor a norma segundo a qual todos são iguais perante a lei, e que havia lugar na cadeia para qualquer vivente que incorresse em pecados graves, mesmo que fosse o presidente da República. A corrupção recobrou o viço e esbanja saúde.

Leia também “A bofetada do Benedito”
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
 
 
 

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Recordações de certo dia de abril - Percival Puggina

Era o dia 7 de abril e o sol se aninhava no horizonte quando Lula entrou no veículo da Polícia Federal estacionado junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Momentos antes, aquela alma serena e genuflexa, espírito de peregrino, com a pureza da “purinha, falara à militância ali reunida.

Naquela mesma noite, registrei em breve texto meus sentimentos a respeito daquele instante. Imaginei que havíamos assistido ao ápice de um evento apocalíptico. No entanto, o sol não se fizera mais escuro, a terra não tremera e o véu do templo permanecera incólume. “O sol, a terra e o véu devem ser três incuráveis fascistas”, escrevi, ironizando minhas divagações. E acrescentei: “Enfim presenciamos o fracasso dos falsos profetas e a perda de força dos tutores da História”.

Relendo aquele texto percebo quanto, influenciado pelo clima da hora, fui otimista. Subestimei a força das potências que movem e promovem a impunidade quando digitei, literalmente: “Não há como reescrever – não para esta geração – o que todos testemunhamos. Não há como desgravar, desfilmar, desdizer; e não é possível desmaterializar os fatos”...

Eu estava enganado. A impunidade é uma imposição dos donos do poder para não ficarem amuados, para que se cumpra o anseio de Romero Jucá e a sangria seja estancada. Mais do que isso, aliás: é preciso desmaterializar os fatos, é preciso que alguém como William Bonner afirme: “O senhor nada deve à justiça”.

Sim, tudo isso eles fizeram. No entanto, o maligno plano tem uma falha essencial: os brasileiros sabem que há quatro anos as realizações do governo só têm espaço nas redes sociais, sabem que agem contra Bolsonaro os inconformados donos do poder, as ratazanas habituadas à beira do erário, os signatários de manifestos da USP, os ideólogos da destruição, os ativistas judiciais e os fascinados com os efeitos que a truculência do poder proporciona quando abusado
Os brasileiros sabem que cada conservador e cada liberal deste país é o inimigo que a esquerda mundial quer ver derrotado e destruído nas eleições de outubro.

Esse povo, nos dias que correm, está a dizer a si mesmo: agora isso é comigo; farei minha parte para construir essa vitória. Nós já sabemos do que são capazes. [também já os vencemos em 35 e 64 e o venceremos sempre que necessário = as armas eles escolhem.]

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


sexta-feira, 4 de março de 2022

Fachin é uma Dilma de terno e toga - Revista Oeste

Edson Fachin, ministro do STF e presidente do TSE | Foto: STF/SCO
Edson Fachin, ministro do STF e presidente do TSE | Foto: STF/SCO

Confesso que demorei quatro anos para descobrir que Luiz Edson Fachin é o mais dissimulado dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Até 8 de março de 2021, quando livrou Lula da cadeia e assassinou a Lava Jato, esse gaúcho de Rondinha tapeou-me com decisões e discurseiras favoráveis à maior e mais eficaz ofensiva anticorrupção da história. Três meses antes da facada nas costas do Brasil que pensa e presta, num ofício remetido ao presidente Luiz Fux, o ilusionista tornou a louvar a operação. O trabalho dos engajados na devassa do Petrolão, reiterou, “tem sido pautado pela legalidade constitucional”. Ficara provado, segundo Fachin, que “é possível, ao mesmo tempo, ser democrático e combater a corrupção pelo aprimoramento do sistema judicial”. Também inimigos da Lava Jato se surpreenderam com a aparente independência de um ministro indicado pelo governo do PT. “É assustador, isso ninguém podia imaginar”, espantou-se Eugênio Aragão, ministro da Justiça no governo de Dilma Rousseff. “Continuo sem entender certas posições que não condizem com o passado dele.” Era só vigarice.

A independência de araque foi a fantasia que camuflou o advogado a serviço do MST e o professor de Direito que enxergou em Dilma a salvação do país. A cabeça e a alma nunca mudaram. Caprichando na dissimulação, o Fachin de sempre preparou meses a fio a catarata de sofismas, gingas de chicaneiro, malabarismos bacharelescos, interpretações malandras, latinórios pilantras e pontapés na lógica que atenderia ao apelo famoso formulado por Romero Jucá: “É preciso estancar a sangria”. Mas desse carrasco da verdade, da lei e da ordem jurídica já tratei em outros artigos. O que me traz de volta ao agora presidente do Tribunal Superior Eleitoral é a descoberta de uma segunda tapeação. Desde a chegada ao Supremo em junho de 2015, achei que o subdialeto falado por Fachin era uma variante radicalíssima do velho juridiquês. Essa espécie de extremista idiomático prefere “quiçá” a “quem sabe”, usa “nada obstante” em vez de “mesmo assim”, escreve “writ” no lugar de “mandado de segurança” e troca “acusação inicial” por “exordial acusatória”. Fachin faz tudo isso. Mas neste fim de fevereiro, confrontado com o vídeo da primeira entrevista coletiva depois da posse no TSE, compreendi que o fachinês é tudo isso e muito mais.

O libertador de Lula produziu uma raridade linguística tão assombrosa quanto o dilmês

Numa introdução de quase 30 minutos, Fachin apresentou seu populoso grupo de assessores, prometeu assombrar o mundo com um pleito irrepreensível e anunciou que a sociedade da informação acaba de ser substituída pela “sociedade da informação adequada”.  
Não conseguiu explicar que coisa é essa, mas a fisionomia confiante avisava que o mundo logo saberá. Aos 32 minutos da conversa de quase três horas, um repórter perguntou-lhe se já reunira provas suficientes para sustentar a ousada acusação feita dias antes numa entrevista ao Estadão: o sistema de votação adotado pelo Brasil já estava sob ataques de hackers entrincheirados na Rússia e na Macedônia do Norte. Depois de um pigarro que combinou com o sorriso superior, o doutor em eleição decolou. Apertem o cinto, embarquem na resposta reproduzida sem correções e aproveitem a viagem pela cabeça de Fachin:

“É relevante dizer que isso que eu vou mencionar diz respeito aos dados e sistemas que compõem um conjunto de bases que o tribunal tem, que diz respeito aos filiados de determinado partido político, aos eleitores, às eleitoras, à nossa… ao nosso setor de recursos humanos, nada disso tem a ver com a questão específica das urnas eletrônicas, que não estão na rede mundial de computadores e portanto, quando estamos a falar de ataques ou ameaças de ataques, nós estamos dizendo de algo que acontece hoje com organizações e instituições no mundo inteiro. 

Por exemplo, em outubro do ano passado, a… no Brasil, uma grande empresa da área da cibernética publicou que 58% dos ataques provêm de um desses países que na sua pergunta foram mencionados. Esse mesmo país, ou esses países, são referidos em relatórios importantes como o relatório do Senado norte-americano sobre as eleições norte-americanas, como, sobre o mesmo fato, relatórios publicados em jornais como o New York Times e Washington Post, relatórios do próprio FBI. E recentemente, na Alemanha, nas eleições recentes, que culminaram com a eleição do novo primeiro-ministro, as eleições alemãs receberam esse tipo de ataque e isso foi publicamente registrado. 

Além disso, nós obviamente temos um desenho que nos dá um diagrama da origem desses ataques, cujos dados e informações têm graus obviamente de segurança e esse grau de segurança nos permite apenas dizer que nos países nos quais há um baixíssimo controle de sistemas que lá se hospedam e que dão abrigo a esse tipo de atividade criminosa, é desses países que a maior parte dos ataques obviamente tem origem. Portanto, ao referir a um ou outro país, nós estamos também nos referindo à nossa situação, ao Brasil, porque a hospedagem, como nós sabemos, ela pode variar numa fração de segundos, alguém que pode estar hospedado num país hoje pode estar hospedado num outro país amanhã, eu estou colocando todos nós nesse mesmo juízo de precaução. 

E quando eu estou mencionando, e reitero, que nós sofremos, sim, riscos de ataques eu estou dizendo que o TSE, como tomei a liberdade de usar essa figura de expressão, o TSE corresponde a um carro blindado. Os passageiros do carro estão seguros, mas isso não quer dizer que o carro não possa ser vítima de algum tiroteio ou de algum disparo que o venha atingir. Em isso ocorrendo, e quando ocorre, nós examinamos as circunstâncias para aprimorar os mecanismos de segurança e também para melhorar ainda mais a área de mínimo conforto e de armazenamento dos nossos dados e informações”. [com todas as vênias, a empolação (por favor não confundam com enrolação) tornou o assunto tão tedioso que desistimos de destacar trechos do assunto - no caso palavrório - que podiam nos parecer de interesse.]

Minutos adiante, uma repórter quis saber o que fará o entrevistado se o Telegram continuar ignorando os esforços do TSE para submeter todas as plataformas e redes sociais às regras da Justiça Eleitoral. Fachin engatou uma quinta marcha e acelerou:

“O projeto que está na Câmara dos Deputados foi objeto do diálogo que mantive com o presidente da Câmara dos Deputados quando levei a ele o convite da posse, e eu percebi a relevância e até mesmo o sentido de prioridade que esse projeto poderá ter na tramitação na Câmara dos Deputados que, como sabemos, é relatado pelo deputado Orlando Silva. A espacialidade, a rigor, própria dessa matéria é a espacialidade do Legislativo. Se vier, nós teremos um marco legal sobre esse tema, esse marco legal definirá, por exemplo, um dos pontos que você mencionou, a necessidade de representante legal. Nada obstante, é preciso considerar duas coisas. 

A primeira delas é: o Brasil, e disso não há dúvida alguma, em que pesem todas as nossas mazelas, o Brasil vive o Estado Democrático de Direito com plena liberdade política. Isso significa que um Estado Democrático, para garantir a democracia, pode, e me permitam o pleonasmo, democraticamente impor limites. O que eu estou querendo dizer com isso: que nenhum mecanismo de comunicação está imune ao Estado de Direito, e me refiro ao Estado de Direito Democrático. E por que eu estou fazendo essa nota relevante? É que essa transterritorialização comunicacional em relação a países de governos despóticos e ditatoriais tem um outro contexto e uma outra compreensão nos quais a existência de limite e controle significa a existência de limite e controle que afeta o conteúdo mesmo da própria liberdade, da própria comunicação. 

Mas no Brasil nós vivemos sob a égide da própria Constituição que vincula a todos nós, uma Constituição com mais de 30 anos, uma Constituição que teve todas as licencitudes, que já tivemos dois impedimentos de presidentes da República. As circunstâncias do presente com a crise pandêmica sanitária e com todos os seus efeitos sociais e econômicos. E essa Constituição, que é uma espécie de o pão nosso de cada dia, ela nos fornece um material muito simples, que é a convivência democrática, o respeito à diversidade, a tolerância, a dignidade, e é isso que significa, portanto, que para cada uma ser o que é, é fundamental que o outro que lhe seja diferente possa ser naquilo que ele entende que se constitui. Em 2017, o que fez a Alemanha federal? 

Exatamente o Parlamento alemão aprovou em 2017 a legislação que procurou disciplinar essas circunstâncias, propiciando inclusive a fixação de multas em valores bastante elevados, e obviamente todo valor é de milhões em euros, algo bastante expressivo, ainda que seja para plataformas bastante abastecidas de dividendos. E que fez, portanto, a Alemanha com problemas similares aos que nós estamos enfrentando agora? Não localizava o representante respectivo. Determinou-se, portanto, que a administração e movida pela atuação do que equivale ao procurador-geral, e iria promover a citação por edital e realizar a imposição de multa. Algum tempo depois, ocorreu o que nós estamos querendo que ocorra: sentar a uma mesa e dialogar. Nós defendemos a regulação autorregulamentada, os destinatários da regulação têm que ser partícipes dessa construção dialógica. Com essas parcerias, não se trata e não pode se tratar em hipótese nenhuma de imposições verticalizadas e sim de uma construção horizontalizada, aonde hajam limites comuns que jamais podem ofender o conteúdo essencial da liberdade da própria expressão”.[a verborragia dessa manifestação justifica  o uso dos argumentos expendidos para explicar o não uso do recurso 'destacar trechos interessantes.]

Não entenderam nada? Fiquem tranquilos. O libertador de Lula produziu uma raridade linguística tão assombrosa quanto o dilmês. 
A exemplo da ex-presidente, Fachin é incompreensível. 
Uma frase começa mas não termina, outra termina sem ter começado. 
Ora falta o sujeito, ora o predicado. Súbitas mudanças de rota desnudam um cérebro com severas avarias. Embaralhados, substantivos pedantes, verbos pernósticos, adjetivos pinçados em remotos saraus e expressões jurássicas resultam num falatório sem pé nem cabeça. Ninguém decifra o que o ministro fala. Nem ele. Demorei seis anos e oito meses, é verdade. Mas enfim descobri que Luiz Edson Fachin é uma Dilma de terno e toga.[um comentário: neste post temos a certeza que não foi só esse formatador-geral que conseguiu não ser entendido. O fachinês exige a sabedoria do Augusto Nunes para ser destrinchado.]
 
 
Augusto Nunes, colunista - Revista OESTE 
 
 

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Eleitor brasileiro tocou fogo no circo da política

Dizer que o 7 de outubro de 2018 foi o mais eloquente recado enviado pelas urnas à oligarquia política desde a redemocratização do Brasil é pouco. Houve algo bem mais grave: o eleitor tocou fogo no circo. Foi como se quisesse deixar claro que não tem vocação para palhaço. As urnas carbonizaram parte do elenco que reagia à Lava Jato com malabarismo verbal, trapezismo ideológico e ilusionismo.

A velha política está em chamas. Tomado pelas proporções, o incêndio lembra aquele que consumiu o acervo do Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Salvaram-se múmias como Renan Calheiros, Jader Barbalho, Ciro Nogueira e Eduardo Braga. Mas viraram carvão as pretensões eleitorais de peças como Dilma Rousseff, da sessão de paleontologia. Reduziram-se a cinzas mandatos do porte dos de Romero Jucá, Eunício Oliveira e Edson Lobão, da ala dos invertebrados.

Desde 2014, quando a operação foi deflagrada, os oligarcas partidários cultivavam a fantasia de que seria possível “estancar a sangria”. Gente poderosa preparava para depois da abertura das urnas uma investida congressual para transformar propinas em caixa dois. O eleitor arrancou o nariz vermelho, jogou longe o colarinho folgado, livrou-se dos sapatos grandes e riscou o fósforo.

Sobraram chamas para investigados, denunciados e até para críticos do juiz Sergio Moro e dos procuradores da força-tarefa de Curitiba. Vai abaixo uma primeira lista das vítimas das labaredas. Inclui gente barrada no Senado, na Câmara e em governos estaduais:
Eunício Oliveira (MDB-CE); Romero Jucá (MDB-RR); Beto Richa (PSDB-PR); Marconi Perillo (PSDB-GO); Roberto Requião (MDB-PR); Lindbergh Farias (PT-RJ); Jorge Viana (PT-AC), Delcidio do Amaral (PTC-MS); Marco Antonio Cabral (MDB-RJ), filho do presidiário Sergio Cabral; Daniele Cunha (MDB-RJ), filha do presidiário Eduardo Cunha; Cristiane Brasil (PTB-RJ), filha do ex-presidiário Roberto Jefferson; Lúcio Vieira Lima (MDB-BA), irmão do presidiário Geddel Vieira Lima; Leonardo Picciani (MDB-RJ), filho do preso domiciliar Jorge Picciani; Dilma Rousseff (PT-MG); [de nada adiantou o Lewandowski fatiar a Constituição para manter os direitos políticas da Dilma - o povo mineiro os cassou.] Fernando Pimentel (PT-MG); Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM); Roseana Sarney (MDB-MA); Sarney Filho (MDB-MA); Edison Lobão (MDB-MA); Paulo Skaf (SP), Benedito de Lira (PP-AL); André Moura (PSC-SE); Valdir Raupp (MDB-RO); Cassio Cunha Lima (PSDB-PB); Garibaldi Alves Filho (MDB-RN); e Wadih Damous (PT-RJ). [esta é uma das raríssimas vezes em que grafamos o nome da farsa 'wadih damous' por extenso e com destaque - assim procedemos para apregoar aos quatro cantos sua derrota.]

Será necessário esperar pelo resultado do rescaldo para saber o que sobrou e o que o eleitor colocou no lugar. Sintomaticamente, o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de Curitiba, soltou fogos nas redes sociais ao tomar conhecimento das totalizações de votos da Justiça Eleitoral. “Parabéns aos novos senadores e deputados!”, escreveu Deltan. “Houve avanços significativos contra a corrupção: pelo menos uma dezena de envolvidos graúdos na Lava Jato perderam o foro privilegiado. Cerca de uma dezena de senadores do movimento Unidos Contra a Corrupção se elegeram. Além disso, movimentos de renovação apartidários elegeram vários candidatos —o RenovaBR, por exemplo, elegeu 16 candidatos.”

Deltan realçou um detalhe monetário: o eleitor puniu os candidatos brindados com fatias mais generosas do fundão de financiamento eleitoral público. Nas palavras do procurador, a “sociedade remou contra a correnteza, pois milhões do novo fundo eleitoral bilionário foram direcionados para campanhas da velha política.”

Na avaliação do chefe da Lava Jato, o fogo ateado pelo eleitor no circo pode não resolver o problema. Mas reacendeu a percepção coletiva sobre a importância da boa política: “(…) Podemos não ter o Congresso dos sonhos, mas não se trata agora de ter o congresso dos sonhos e sim de ajudar a construir o melhor país possível com os eleitos. O único caminho para um país melhor é o da política, da luta contra a corrupção e da democracia.”
Quando o desalento foi às ruas, a partir de junho de 2013, as broncas do brasileiro englobaram causas variadas —do horror à ruína de Dilma ao clamor pela volta da ditadura. Naquela ocasião, os queremistas da intervenção militar eram uma minoria na multidão. Em 2014, sobreveio a Lava Jato. Dilma reelegeu-se por pequena margem de votos.

A partir de 2015, o asfalto passou a roncar pelo impeachment. As manifestações eram menores que as de 2013. Até por essa razão, ficou mais fácil notar a presença de personagens até então vistos como folclóricos. Jair Bolsonaro deixou-se fotografar com uma camiseta na qual se lia: “Direita já”. Na foto, ele era carregado por admiradores.
Nessa mesma época, Lula, o PT e seus satélites engrossaram a pregação segundo a qual a Lava Jato criminalizou a política. Depois do grampo do Jaburu, Michel Temer e o seu MDB aderiram ao coro. Pilhado achacando Joesley Batista, Aécio Neves ecoou o mesmo lero-lero. Ao tocar fogo no circo, o eleitor sinalizou que pensa de outra maneira: quem criminalizou a política foram os criminosos. Culpar os investigadores é como responsabilizar a radiografia pela doença.

Graças ao excesso de malabarismo, o “Direita Já” da camiseta de Bolsonaro deixou de ser uma reivindicação. Ganhou ares de constatação. Nas próximas semanas, os críticos da Lava Jato dirão que a operação tirou a ultradireita do armário. Chamarão Bolsonaro de neo-Trump. Recordarão que, na Itália, a Operação Mãos Limpas levou ao poder Silvio Berlusconi. E esquecerão de lembrar —ou lembrarão de esquecer— que Lula tornou-se o principal cabo eleitoral de Bolsonaro ao criar, na cadeia, a figura do presidenciável-laranja. O fogo arderá no circo por muito tempo.

Blog do Josias de Souza

 

domingo, 30 de setembro de 2018

Fernando Haddad e sua teoria do parto



O deve refletir sobre o preço de ir para o segundo turno sem qualquer autocrítica 

Num encontro com artistas em São Paulo, Fernando Haddad disse o seguinte:
"Não tem como se desenvolver do ponto de vista institucional sem passar por alguns partos. (...) As nações que chegaram ao desenvolvimento passaram por momentos tão dramáticos quanto o que nós estamos passando agora".

E acrescentou:
"Se a gente vencer essa etapa, nós vamos olhar para trás e, ao invés de acusar aqueles que querem votar no Bolsonaro e tudo o mais, vamos compreender que é uma parte de um sentimento que se expressou dessa maneira, como uma febre alta, mas que foi importante em determinado momento para a gente pensar que tem uma coisa errada com esse organismo aqui e vamos cuidar dele porque é muito importante para nós".

Trata-se de uma construção na qual a candidatura de Jair Bolsonaro seria uma febre alta, depois da qual nasceria um novo tempo, mas tudo gira em torno de seis palavras: “Se a gente vencer essa etapa”. E se não vencer? Teria faltado combinar com Bolsonaro.
O comissariado deve refletir sobre o preço de ir para o segundo turno sem qualquer autocrítica.   Afinal, no mesmo encontro, Haddad disse que "não quero repassar os erros de todos os envolvidos, porque são muitos".

Ele não quer, mas o eleitor que tem medo do que chama de “a volta do PT”, gostaria que quisesse. Os comissários devem pesar os riscos da teoria do parto. Ela embute a ideia de que o PT irá para o segundo turno nos seus termos e, quem quiser, que o siga. Milhões de pessoas votariam em Átila mas não votam em Bolsonaro. O que não se sabe é o tamanho do eleitorado que é capaz de votar até em Bolsonaro, para evitar o retorno do PT ao Planalto nos termos do comissariado. Em Minas Gerais e em São Paulo boa parte do eleitorado tucano migrou para Bolsonaro. Querer levar o centro para o programa do PT e para a retórica de Haddad ameaça sua candidatura e contamina o governo que pode advir de sua vitória.

Em 1984 Tancredo Neves construiu a primeira conciliação da História saída da oposição. Se ele tivesse adotado a estratégia dos comissários de 2018, Paulo Maluf poderia ter sido eleito presidente.

(...)

Fim de feira
O crepúsculo do governo de Michel Temer transformou-se numa xepa. A turma da privataria quer apressar o leilão de 12 terminais de aeroportos. Temem que o novo governo paralise a transação. Deveriam temer o contrário.  Na área das agências reguladoras a liquidação adquiriu seu pior aspecto. Nomearam-se diretores com mandatos que se estenderão pela maior parte do governo do próximo presidente.
Isso seria, no mínimo, falta de educação.

Na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, detonou-se o que havia de racionalidade na sua direção, e o presidente foi-se embora para a Organização Pan-Americana da Saúde. Para o lugar foi nomeado um diretor que, apesar de ser médico, celebrizou-se como deputado e prefeito de São Bernardo.

Na diretoria da Anvisa ficam agora um sobrinho do senador Eunício de Oliveira, um indicado por Romero Jucá, mais uma sumidade trazida por Paulo Maluf e, finalmente, um sábio que acumula parentescos, pois é primo do marqueteiro Elsinho Mouco e do ministro das Cidades, Alexandre Baldy.
Luís XV celebrizou-se por ter dito que depois dele viria o dilúvio. Temer quer ser o próprio aguaceiro.

Registro
Para a crônica da eleição de 2018:
Geraldo Alckmin encontrou-se com um marqueteiro que tentou convencê-lo a mudar a maneira de falar, usando um vocabulário mais direto.
O candidato concordou com tudo, levou-o à porta e despediu-se:
"Recomende-me aos seus".

MATÉRIA COMPLETA, Elio Gaspari, jornalista, em O Globo
 

quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Caju e o poder do MDB



Meirelles investirá R$ 35 milhões em sua candidatura, mas pode dobrar o valor na campanha 

Milionário e aposentado, Henrique Meirelles prepara sua maior aposta, a candidatura presidencial pelo MDB. O investimento pessoal previsto é de R$ 35 milhões, mas pode dobrar na campanha, hoje aprisionada na lanterna das pesquisas.  Meirelles é um tipo anfíbio na política. Atravessou os governos Lula (Banco Central), Dilma Rousseff (Conselho Olímpico) e chegou à Fazenda de Michel Temer por influência do amigo empresário Joesley Batista, do grupo J&F (antigo JBS). 

Aos 72 anos, Meirelles foi adotado pelo MDB, cuja fonte de oxigênio é o governo, não importa qual seja. O partido representa, na foto do dia, a antítese da renovação na política: agrupa oligarquias sob lideranças com idade média de 70 anos. Seu elixir da longevidade está no controle do Congresso. Para mantê-lo, encontrou um candidato presidencial disposto a gastar o próprio dinheiro, liberando R$ 234 milhões do fundo público para reeleição de 18 senadores e 51 deputados. 

A relação do MDB com o poder e os cofres públicos é única. Tem como raiz a hegemonia nas emendas aos projetos governamentais na Câmara e no Senado. Símbolo desse domínio é Romero Jucá, presidente do partido, pernambucano de 64 anos com dois terços de vida enriquecida na dedicação a governos. Senador há 24 anos, se tornou uma espécie de relator-geral da República, decidindo 907 propostas legislativas, média de 37 por ano, ou uma a cada dez dias. Já determinou o conteúdo de 62 emendas à Constituição, 73 medidas provisórias e 413 projetos, incluindo a atual lei eleitoral. Essa é a fonte do poder de barganha do seu MDB com governos e empresas ansiosas por privilégios.

Com Temer, Moreira Franco e Eliseu Padilha, chancelou a candidatura de Meirelles e coordena a ofensiva do MDB para continuar com a maior bancada do Congresso. Jucá era Caju na lista de codinomes do departamento de subornos da Odebrecht. Coleciona meia dúzia de inquéritos, metade na Lava-Jato. Agora, planeja uma reforma da Carta, para estancar a sangria nacional.