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domingo, 8 de março de 2020

Apelo às massas - Nas entrelinhas

Com o PIB de 1,1%, Bolsonaro tenta se vacinar e responsabilizar o Congresso pelo eventual fracasso. Não é o primeiro a apelar às massas quando o governo vai mal das pernas

Com o restabelecimento do presidencialismo em janeiro de 1963 e a ampliação dos poderes do presidente João Goulart — que havia assumido o cargo após a renúncia de Jânio Quadros, não sem antes ter que derrotar uma tentativa de golpe militar (sic) para impedir sua posse —, a implementação das chamadas reformas de base passou a ser o eixo da disputa política nacional. Goulart apresentou às lideranças políticas um anteprojeto de reforma agrária que previa a desapropriação de terras com título da dívida pública, o que forçosamente obrigava a alteração constitucional. Uma segunda iniciativa para agilizar a agenda das reformas foi o encaminhamento de uma emenda constitucional, que propunha o pagamento da indenização de imóveis urbanos desapropriados por interesse social, com títulos da dívida pública.

Essas propostas, porém, não foram aprovadas pelo Congresso Nacional, o que provocou forte reação por parte dos grupos de esquerda, inclusive nas Forças Armadas. Em setembro de 1963, a Revolta dos Sargentos — movimento que reivindicava o direito de que os chamados graduados das Forças Armadas (sargentos, suboficiais e cabos) exercessem mandato parlamentar em nível municipal, estadual ou federal, o que contrariava a Constituição de 1946 — acirrou a polarização ainda mais. Entretanto, isso aumentou o isolamento de Jango, já agravado pelo rompimento com o Partido Social Democrático (PSD) e Juscelino Kubitschek, que era candidato a presidente nas eleições previstas para 1965.

Diante dessa situação, Jango pediu a Raul Ryff, seu secretário de Imprensa, que era membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que agendasse um encontro com o líder comunista Luiz Carlos Prestes. O encontro foi organizado por Antônio Ribeiro Granja, membro do secretariado do PCB, num apartamento em Copacabana. À época, Prestes já articulava a reeleição de João Goulart, o que era inconstitucional, à falta de melhor opção para enfrentar as candidaturas de Juscelino e de Carlos Lacerda (UDN), pois o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, cunhado do presidente da República, era inelegível. O conselho de Prestes foi Jango apelar às massas e fazer as reformas de base por decreto. Para isso, os comunistas organizariam comícios populares em todos os estados do país, ao qual Jango compareceria.

A mobilização foi iniciada no dia 13 de março de 1964, com o comício realizado na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, também denominado Comício das Reformas, ao qual compareceram cerca de 150 mil pessoas. Na ocasião, Goulart proclamou a necessidade de mudar a Constituição e anunciou a adoção de importantes medidas, como a encampação das refinarias de petróleo particulares e a possibilidade de desapropriação das propriedades privadas valorizadas por investimentos públicos, situadas às margens de estradas e açudes.

Era o começo de uma escalada fatal para democracia, pois, em resposta ao comício, várias manifestações e “marchas” foram convocadas por setores do clero e por entidades femininas. A primeira, A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorreu em São Paulo, a 19 de março, no dia de São José, padroeiro da família. Contou com a participação de cerca de 300 mil pessoas, entre as quais Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, e Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara. A última, no dia 2 de abril, após a derrubada de Jango, levou às ruas cerca de um milhão de pessoas e legitimou o golpe militar de 1964, revelando uma correlação de forças favorável à implantação do regime autoritário.

Novo cenário
Ontem, com sinal trocado, durante uma escala em Roraima, a caminho do encontro com o presidente Donald Trump, em Washington, recepcionado por 400 apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro resolveu convocar seus partidários para a manifestação do dia 15 de março, com objetivo de pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). “É um movimento espontâneo e o político que tem medo da rua não serve para ser político”, disse Bolsonaro. Na semana passada, havia negado que estava convocando o protesto nas suas redes de WhatsApp, apesar das evidências. Na verdade, o movimento não tem nada de espontâneo: está sendo organizado por grupos de extrema-direita que apoiam Bolsonaro, que também se utiliza de um exército de robôs comandado pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, o 02, seu filho, nas redes sociais.


Há duas motivações aparentes para Bolsonaro convocar a manifestação: manter a pressão sobre o Congresso, que votará os projetos regulamentando a execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União; e reforçar os protestos, que estavam sendo esvaziados pelo acordo feito pelo Palácio do Planalto para resolver o impasse em relação ao Orçamento de 2020. Uma terceira motivação, porém, é subjacente: o fracasso do governo na economia começa a lhe subir à cabeça, depois do PIB de 1,1% do ano passado. Além disso, o cenário na economia mundial sinaliza tempos difíceis pela frente, ainda mais com a chegada da epidemia de coronavírus ao Brasil. Bolsonaro tenta se vacinar e responsabilizar o Congresso pelo eventual fracasso. Como vimos, em que pese as diferenças polares, não é o primeiro presidente a apelar às massas quando o governo vai mal das pernas e enfrenta dificuldades com o Congresso. [o governo Jango ia mal das pernas por inúmeras razões, todas de motivação política, começando pelo desejo de implantar o comunismo no Brasil e por Jango não se conformar que se fracassasse nos seus planos, seria expelido do governo - como realmente foi, pelo MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO de 31 de MARÇO de 1964, movimento que contou com o apoio manifestado em passeata com mais de um milhão de pessoas - há 56 anos passados, reunir uma passeata de 10.000 pessoas já era preciso bons argumentos e o clamor popular de apoiar a MANIFESTAÇÃO, imagine 1.000.000 de pessoas. A MANIFESTAÇÃO do próximo dia 15 não fundamenta comparações do anêmico governo Jango - incluindo a (falta de ) prestígio junto à população -  com o do Presidente Bolsonaro = vítima de fatores que independem da sua vontade e competência, incluindo, sem limitar:
- 'guerra' comercial  China x Estados Unidos;
- boicote do Congresso Nacional, que tenta impor um parlamentarismo branco, a maior parte dos projetos do Presidente Bolsonaro - ação que é referendada pelo STF;
- o coronavírus que caminha para uma situação epidêmica, com riscos elevados de se tornar pandemia.
Um dos objetivos da Manifestação do dia 15 é exatamente informar a muitos desavisados a realidade.]

Luiz Carlos Azedo - Nas Entrelinhas - Correio Braziliense


domingo, 8 de setembro de 2019

O MP precisa saber o seu lugar - Elio Gaspari


Não cabe a procuradores contestar ato legítimo do presidente da República

Assim como Bolsonaro foi para a Presidência pelo voto popular, Aras vai para a cadeira porque a Constituição dá ao presidente esse poder 

Quando Ulysses Guimarães trabalhou para transformar o Ministério Público numa entidade independente, sonhava com uma instituição. Passados 30 anos, surgiu uma corporação. Quase um soviete, ela reclama porque o presidente Jair Bolsonaro nomeou para a procuradoria-geral o procurador Augusto Aras, que não entrou na lista tríplice da guilda da categoria. Assim como Bolsonaro foi para a Presidência pelo voto popular, Aras vai para a cadeira porque a Constituição dá ao presidente esse poder. A Associação Nacional dos Procuradores disse que Bolsonaro interrompeu “um costume constitucional”. Isso não existe; o que há é o texto da Constituição, e o presidente cumpriu-o. 

[desde o advento da Constituição de 88 - os blogs sequer existiam - e já defendíamos a necessidade do Ministério Público ENTENDER e ACEITAR que NÃO é o QUARTO PODER;

o desenho dado ao MP pela CF 88, deixou claro que aquela instituição não é um PODER,  mas,  ao mesmo tempo não deixou claro que ela está abaixo dos 3 PODERES, apesar da clareza cristalina do artigo 2º da CF:

"...Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.."

Essa pequena falta de clareza, digamos, uma inconsistência constitucional, precisa ser retificada, por deixar um ' buraco negro' que é habilmente explorado pelo MP, quando lhe convém.] 


O que Aras fará no cargo, só ele e o tempo dirão. Logo logo, irá para a sua mesa uma representação de deputados petistas contra o corregedor do Ministério Público pela maneira como lidou com as palestras de Deltan Dallagnol. A ver o que fará. A cadeira para a qual vai Aras já foi ocupada por um engavetador-geral e por um exibidor-geral. Um dia antes da escolha de Bolsonaro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, viu-se diante de uma rebeldia legítima (e legal) dos seis colegas da equipe da Lava-Jato de Brasília, que devolveram seu cargos, insatisfeitos com a conduta da chefe. Horas depois o sexteto ganhou a solidariedade da força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba.

Nos seus grupos de bate-papos, os procuradores diziam o que queriam e planejavam o que não deviam. Expostos pelo The Intercept Brasil, blindaram-se, numa estratégia de absurda negativa, como se nenhuma mensagem fosse verdadeira. Não querem explicar o que escreveram. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) aprova aumentos salariais capazes de fazer inveja aos mais ativos sindicatos de trabalhadores. Refletem o corporativismo generalizado na busca de benefícios. O próprio doutor Aras usufruiu o direito legal de servir ao Estado como procurador e a si mesmo como advogado. Algo como jogar com a camisa do Barcelona no campeonato espanhol e com a do PSG no francês.

Durante o consulado tucano, os petistas inebriavam-se com um procurador que infernizava a vida do ex-secretário-geral da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Ele bateu à porta do CNMP mostrando que estava sendo perseguido. Só em 2007 o procurador foi punido e só em 2009 o Conselho incluiu a palavra “perseguição” no seu acórdão. Passaram-se dez anos ao longo dos quais o ministro do STF Gilmar Mendes foi uma voz no deserto, reclamando da prepotência do Ministério Público. Hoje, graças ao Intercept, sabe-se o que eles armavam na Lava-Jato. Conhece-se também a expressa preferência dos doutores (e doutoras) pelo aspecto antipetista da candidatura de Jair Bolsonaro.

A sacrossanta instituição fortalecida por Ulysses Guimarães precisa se defender de dois males dela mesma: o corporativismo e a prepotência. O Ministério Público é independente mas não é um soviete, capaz de armar cavilosamente investigações contra ministros do Supremo, fazendo de conta que não via os colegas que protegiam Sérgio Cabral ou a máquina de propinas tucanas de São Paulo. Deve entender que pode investigar qualquer um, inclusive ele mesmo, e que não lhe cabe contestar um ato legítimo do presidente da República.
Blindou-se tão bem que, ao gritar contra a escolha de Aras, menos gente os ouve.

Campo minado
Jair Bolsonaro precisa fazer algumas coisas para conter os murmúrios de que está cultivando boas relações com sargentos e suboficiais das Forças Armadas.
Pode fazer tudo por eles, menos dar essa impressão.
Ele sentiu o bafo do descontentamento quando ouviu o eco do desconforto criado pelo governador Wilson Witzel (Harvard Fake’15) ao pretender criar o cargo honorífico de general na Polícia Militar do Rio. Se a ideia do governador fosse em frente, por isonomia, deveria criar o posto de almirante honorífico para o Corpo Marítimo de Salvamento dos bombeiros. 

Yossi Shelley
Nenhum embaixador de Israel conseguiu um convívio tão próximo com um presidente brasileiro como o de Yossi Shelley com Jair Bolsonaro.
E nenhum embaixador de Israel conseguiu criar um ambiente tão divisivo na comunidade judaica brasileira.
Nisso são irrelevantes as controvérsias da política israelense ou da brasileira. Shelley sabe quão precipitado foi ao se meter nas operações de resgate de vítimas de Brumadinho e na oferta de “retardantes de fogo” para as queimadas da Amazônia.
O embaixador entra em coisas em que nenhum de seus antecessores entrou.
(...)
Folha de S. Paulo e O Globo - Elio Gaspari, jornalista - MATÉRIA COMPLETA