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quarta-feira, 29 de março de 2023

Oeste é isso - Ana Paula Henkel

 Revista Oeste

A coragem para remar contra o aplauso fácil, para dizer o que é significativo e verdadeiro — e não o que é confortável e conveniente —, para defender políticas, e não políticos

Ilustração: Jorm Sangsorn/Shutterstock

Ilustração: Jorm Sangsorn/Shutterstock  

Há 11 anos, meu telefone tocava às 5h23 da manhã. Era minha irmã, chorando do outro lado, quase sem conseguir falar… “O papai morreu… Ana, minha irmã, o papai morreu…” 

Meu coração parou. 

Fiquei sem ar e entrei em um estado catatônico, como se eu estivesse dentro de uma nuvem, em um sonho estranho e sem poder respirar. Levantei da cama, caminhei dois passos e perdi toda a força em minhas pernas… Tudo ficou escuro na eternidade daqueles cinco ou seis segundos no chão. Aquilo não poderia estar acontecendo. Não poderia ser verdade. “Calma, Ana. Você vai acordar. Você vai acordar…”, eu pensava. Os eternos minutos que se seguiram impunham a realidade diante de um aperto no peito que jamais imaginei sentir.  

Meu pai, meu melhor amigo, meu parceiro, meu mestre, havia, de fato, nos deixado. Não era apenas o meu corpo sem forças que estava no chão. Meu mundo havia desabado diante de um abismo e eu me sentia em um pesadelo. 

Para quem acompanha o meu trabalho há mais tempo, também em outras plataformas, artigos e entrevistas, não é difícil perceber quanto minha vida era estabelecida na relação com o meu pai, quão ele era profundamente importante para mim. Além de um provedor e um exemplo, meu pai era um verdadeiro cristão que seguia o que está escrito em Mateus 6:3 “Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. Ajudou dezenas e dezenas de pessoas sem contar nada para ninguém, histórias que só ficamos sabendo depois de sua morte. 

Curiosamente, em mais uma demonstração de cuidado com um filho precioso, Deus decidiu levar o meu pai em um 19 de março, Dia de São José — protetor da família e dos pais. O mais incrível é que, mesmo depois de sua partida, ele continua tocando muitas vidas de várias maneiras. Seus exemplos e palavras continuam ecoando e auxiliando decisões na vida de muitas pessoas. Quem sabe um dia eu escreva um livro sobre o meu pai, seu legado e como, na magnitude de seus defeitos, ele viveu para servir. E serviu em silêncio. Serviu indivíduos e famílias que nem conhecíamos. A vontade é de começar a escrever esse livro hoje, tamanha saudade que não cabe no peito. 

Detalhe de estátua com Menino Jesus pegando a mão de São José, 
Montepaone, Calábria, Itália | Foto: Shutterstock
Foi com o meu pai que ouvi sobre política pela primeira vez. Foi através do meu pai que me interessei por questões econômicas e com ele me apaixonei por história. 
Foi com o meu pai que ouvi nomes como Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher. 
Foi com o meu pai que aprendi o que era comunismo e por que uma guerra tinha o nome de “Guerra Fria”. 
Foi ao lado do meu pai que vi na TV a queda do Muro de Berlim. 
Foi com o meu pai que ouvi quem era Tancredo Neves. 
Com o meu pai acompanhei os cruzeiros, cruzados, os cortes de zeros e, ao vivo em sua companhia, as incontáveis remarcações de preços nos supermercados. 
Por causa do meu pai, tirei meu título de eleitor aos 16 anos, para poder fazer parte da vida política do Brasil de alguma maneira. 
 
Clique aqui, para continuar lendo
 

Leia também “O desfecho da trilogia sobre o império do mal”

 

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


quarta-feira, 10 de agosto de 2022

As verdades inconvenientes de Jordan Peterson - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Jordan Peterson | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Jordan Peterson | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Na edição da semana passada, escrevi aqui em Oeste sobre a mais recente tentativa de cancelamento de uma figura pública, o ator Juliano Cazarré, por defender a família, as tradições, o Cristianismo e o exemplo de figuras paternas como São José. Cazarré não se abateu diante de xingamentos e ofensas que recebeu durante uma live em seu Instagram, e o ocorrido serviu para mostrar — mais uma vez — quanto as pessoas estão exaustas de tantas guilhotinas covardes e do cerceamento de opiniões livres. 

Durante seu desabafo, o ator mencionou outra figura pública constantemente atacada pela atual turba de jacobinos, um dos maiores pensadores contemporâneos, Jordan Peterson. O psicólogo canadense tem alertado já há alguns anos sobre o perigo da demonização da masculinidade e o enfraquecimento proposital das qualidades de homens de bem.

Para Peterson, um dos prováveis campeões de cancelamentos de toda a internet, a receita é a mesma: assassinato de reputação e destruição de seus livros. Foi assim com 12 Regras para a Vida: um Antídoto para o Caos e, recentemente, com Além da Ordem: Mais 12 Regras para a Vida, sequência de seu best-seller anterior. Entre tantas verdades inconvenientes que o professor canadense insiste em apontar, Peterson, que já foi acusado de “defender a supremacia branca”, “encampar discursos de ódio” e “transfobia”, afirma com todas as palavras que a masculinidade está sob ataque, e que isso é um perigo sem precedentes não apenas para nossa sociedade, mas para o Ocidente como um todo.

A vida cotidiana, regada a altas doses de dopamina, não nos possibilita o entendimento de que existe uma cadeia de ordem e aceitação do caos

Para aqueles que querem se aventurar em águas intensas com Jordan Peterson, sua primeira publicação é o espetacular Mapas do Significado: a Arquitetura da Crença, sua verdadeira obra-prima, escrita em 1999. O livro aborda de maneira profunda as crenças humanas e como elas influenciam nosso comportamento diário. Mergulhando na neurociência, na psicanálise e nas comparações das religiões, Peterson defende como uma estrutura biopsíquica nos impele ao conhecimento e à ordem, necessários para o autoconhecimento, o autocontrole e o crescimento, e nos protege do estado latente de caos. Articulando com habilidade a psicologia junguiana, a filosofia de Nietzsche e as criações literárias de George Orwell (mais atual do que nunca!) e Dostoiévski, Jordan Peterson demonstra a inevitabilidade do sentimento religioso e expõe as raízes obscuras da perversão totalitária. Suas descobertas e estudos, catalogados diante de centenas de pacientes ao longo de décadas, são chocantes e têm relevância tanto para a condução da vida cotidiana como para a análise das disputas político-ideológicas.

Mas você não precisa mergulhar nas quase 700 páginas de Mapas do Significado: a Arquitetura da Crença para entender a importância e a profundidade das lições da obra de Jordan Peterson. A simplicidade de seus argumentos em textos, artigos e centenas de vídeos espalhados pela internet bate espetacularmente forte em nossa atual vidinha protegida por plástico bolha que não quer enxergar o óbvio: “Arrume o seu quarto antes de querer consertar o mundo”. A vida cotidiana, regada a altas doses de dopamina, não nos possibilita o entendimento de que existe uma cadeia de ordem e aceitação do caos. Na era do prazer, Jordan Peterson mostra que, embora seja importante que não nos afundemos no caos, devemos aceitar que é impossível escapar dele. Precisamos, por isso, “manter um pé na ordem enquanto experimentamos esticar o outro para além dela”.

Para uma geração viciada no imediatismo, forjada em estruturas tênues de amizades, parceiros, namorados, empregos… envolta em um círculo de memórias efêmeras, Jordan Peterson provoca com um tapa de realidade: “Tenhamos alguma humildade. Arrumemos o quarto. Cuidemos da família. Sigamos a consciência. Endireitemos a vida. Encontremos uma coisa produtiva e interessante para fazer e comprometamo-nos com ela. Quando conseguirmos fazer isso tudo, então procuremos um problema maior para resolver, se nos atrevermos. Se também isso funcionar, avancemos para projetos ainda mais ambiciosos. Mas comece arrumando seu quarto primeiro”.

Seria impossível escrever apenas em um artigo sobre todas as portas que as lições incômodas de Jordan Peterson abrem. No entanto, seu mais recente vídeo colocou o dedo em mais feridas abertas que precisam de curativos. Uma delas foi a maldita sinalização de virtude que saiu dos perfis dos justiceiros sociais da internet e infestou igrejas cristãs, minando outro pilar importante de sustentação do Ocidente. Eu não faria justiça explicando apenas os pontos-chave de um vídeo espetacular de quase dez minutos e que desnuda — mais uma vez e de maneira brilhante e honesta — a hipocrisia do politicamente correto e da vil agenda de intimidações. Amigos queridos, com vocês, mais uma espetacular e necessária mensagem de um dos maiores filósofos de nosso tempo, Jordan Peterson:

“No Ocidente, devido ao peso da culpa histórica que está sobre nós, uma variante do sentido do pecado original, em um sentido muito verdadeiro e devido a uma tentativa muito real por parte daqueles em posse do que poderia ser descrito como ‘ideias inúteis’ para instrumentalizar essa culpa, nossos jovens enfrentam uma desmoralização que talvez não tenha paralelo.

Isso ocorre de maneira particular aos homens jovens, embora qualquer coisa que devastar os homens jovens acabará fazendo o mesmo às mulheres jovens. E, nessa era de antinatalismo e de niilismo igualmente repreensível, essa é precisamente a intenção. Quando crianças, os meninos são agredidos pelas suas preferências de brinquedos, que muitas vezes incluem armas de brinquedo, como armas de fogo. É seu estilo de brincar mais agitado, já que garotos demandam brincadeiras mais ativas, crespas e indelicadas, bem mais que as meninas — para as quais essa também é uma necessidade.

Quando na escola primária, os rapazes são admoestados, envergonhados e controlados de maneira muito semelhante por aqueles que acham que o lúdico é desnecessário, especialmente se for competitivo, e que valorizam uma obediência dócil e inofensiva acima de tudo. Some-se a isso — porque tudo isso ainda não é suficiente, mesmo quando praticado assiduamente, para uma desmoralização completa — a pregação de uma ideologia extremamente prejudicial, que consiste essencialmente em três acusações:

— Acusação número um: A cultura humana, particularmente no Ocidente, é melhor interpretada como um patriarcado opressivo, motivado pelo desejo, vontade e capacidade de usar o poder — “poder” definido como a compulsão dos outros contra suas vontades — para atingir fins puramente egoístas que servem para si. Isso seria tido como verdade em todos os níveis de análise. O casamento seria comparado à escravidão. A amizade à exploração. Discordância política à guerra. E acordos comerciais a enganos e roubo. E isso seria a verdade não apenas dos atuais arranjos sociais que caracterizam nossa cultura, especialmente no Ocidente, mas também a própria realidade fundamental da História em si.

Jordan Peterson | Foto: Gage Skidmore/Flickr

— Acusação número dois: A atividade humana, em particular a empreendida no Ocidente, é fundamentalmente caracterizada por iniciativas de espoliação do planeta. A raça humana seria uma ameaça à “utopia ecológica” que existia antes de nós, e que hipoteticamente poderia existir em nossa ausência. Podemos ser interpretados até mesmo como um câncer, que ameaça a própria viabilidade dos complexos sistemas que compõem o ecossistema da terra que nos abriga e sustenta. Estaríamos diante de uma catástrofe malthusiana de superpopulação e degradação da biosfera, e temos de impor limites extremos a nossos desejos, até mesmo às nossas necessidades, para que nossa própria sobrevivência, ainda que em escala muito reduzida, possa ser ‘garantida’.

— Acusação numero três: O principal colaborador, tanto da tirania que engendra o patriarcado opressivo e estrutura todas as nossas interações sociais, passadas e atuais, quanto da imperdoável espoliação de nossa amada “Mae Terra”, seria a maldita “ambição masculina” — competitiva e dominante, fanática por poder, egoísta, abusadora, estupradora e usurpadora.

Você pode pensar que eu esteja exagerando. Pense de novo, florzinha.

Nós, do Ocidente, estamos enfrentando um ataque desenfreado nos níveis mais profundos daquilo que o velho brincalhão Jacques Derrida considerava a ‘estrutura conceitual falogocêntrica’ da própria civilização. Vamos esmiuçar isso: essa seria uma sociedade centrada no espírito encorajador, aventureiro e masculino. E que dá ‘privilégio’ — essa palavra odienta —, acima de tudo, ao logos divino. E o que exatamente nós deveríamos adorar e venerar ao em vez disso, desconstrucionistas? As palavras daquele genocida, Karl Marx?

E são precisamente esses jovens homens, dotados de consciência profunda, capazes de culpa e arrependimento, que passaram a acreditar, doloridos, que cada impulso profundo que nos move mundo afora para a aventura de suas vidas, mesmo aquele impulso que os atraía para as mulheres, nada mais é do que a manifestação de um espírito que seria essencialmente satânico por natureza. Isso não está somente errado em campo teológico, moral, psicológico, empírico e científico, como também é literalmente uma antiverdade.

Não é mero equívoco acerca da natureza da realidade, um leve deslize conceitual, mas algo que literalmente não poderia estar mais longe da verdade. E algo tão distante assim da verdade vem de um lugar indistinguível do inferno. A igreja cristã existe para lembrar as pessoas, inclusive os jovens homens — e talvez até mesmo primeira e principalmente eles —, que eles têm uma mulher a buscar, um jardim a entrar, uma família a ser sustentada, uma arte a ser praticada, uma terra a conquistar, uma escada para os Céus a ser erguida… e a absolutamente terrível catástrofe da vida a ser enfrentada, impassivelmente, em verdade, devotados ao amor e sem temor.

Convidem os homens jovens de volta. Digam, literalmente, a esses homens jovens: ‘Vocês são bem-vindos aqui. Se ninguém mais deseja o que vocês têm a ofertar, nós queremos. Queremos chamá-los para o mais alto propósito de suas vidas. Queremos seu tempo, energia e esforço, sua vontade — e sua boa vontade. Queremos trabalhar com vocês para tornar as coisas melhores; para produzir vida mais abundante para você, para sua esposa e filhos, para sua comunidade, e para seu país e o mundo. E nós temos nossos problemas na nossa igreja cristã. Somos moribundos e às vezes — às vezes demais — corruptos, por vezes até mesmo profundamente. Estamos atrasados, tal qual todas as instituições que têm suas raízes nos que estão mortos — mas, de qualquer forma, ficamos para trás em muitos casos. Portanto, junte-se a nós. Nós te ajudaremos a se levantar, e você pode ajudar a nos levantar. E, juntos, levantaremos nosso olhar para o alto.’

E aqui vai uma mensagem a esses jovens homens, céticos quanto a tais coisas. O que mais você tem? Você pode abandonar as igrejas em seu cinismo, sua descrença. Você pode dizer para si mesmo, de modo narcisista e solipsista: ‘A igreja não representa o que eu acredito de maneira apropriada’. Quem se importa com o que você acredita? Por que tudo precisa tratar de você? Você realmente quer que tudo trate a respeito de você? Mas e se for a respeito dos outros? E se fosse a respeito do seu dever para com o passado e para com a comunidade mais ampla que o cerca no presente? E se fosse incumbência sua, vital para a sua saúde e para sua vontade até mesmo de viver, resgatar o seu pai morto da barriga do monstro na qual ele se encontra desde sempre, e restaurar-lhe a vida?

Uma vez mais, uma mensagem às igrejas — protestantes (vocês são os piores no momento), católica, ortodoxa: convidem os homens jovens. Afixem cartazes em quadros de avisos. Digam: ‘JOVENS HOMENS SÃO BEM-VINDOS AQUI!’. Imprimam panfletos e coloquem-nos numa caixa ao lado do quadro de avisos. Sinalizem a existência de tais panfletos com uma seta contendo os dizeres: ‘Saiba mais sobre como participar aqui’. Diga àqueles que nunca estiveram em uma igreja como proceder, exatamente. Os trajes a se vestir, quando devem comparecer, quem devem contatar. E, mais importante, o que eles podem fazer. Exijam MAIS, não menos, daqueles que vocês convidam. Exijam mais do que qualquer um que já exigiu deles. Lembrem-nos de quem eles são, no sentido mais profundo, e os ajudem a se tornarem quem podem ser.

Vocês são igrejas, pelo amor de Deus. Parem de militar por ‘justiça social’. Parem de tentar salvar o maldito planeta. Auxiliem as almas. É para isso que vocês servem. É só seu dever sagrado. Façam-no. Agora. Antes que seja tarde demais, pois a hora está próxima.”

Salve, Jordan Peterson!

Você pode encontrar esse vídeo sob o título Mensagem às Igrejas Cristãs (Message to the Christian Churches) em qualquer ferramenta de busca. Se você puder, mostre-o para um padre, um pastor, para um amigo pai de meninos e até mesmo para um jovem que parece se encontrar em um transe causado pelo bombardeio imediatista da felicidade instantânea — seja ela provida pela falsa aceitação das redes sociais ou pela moda dos antidepressivos. Para todos nós, Peterson deixa a vital mensagem aos pais:

“É na responsabilidade que a maioria das pessoas encontra o sentido que as sustenta ao longo da vida. Não é na felicidade. Não é um prazer impulsivo. Adotar a responsabilidade por seu próprio bem-estar, tentar reunir sua família e tentar servir sua comunidade e buscar as verdades eternas para vivê-las. Esse é o tipo de coisa que pode ancorar você em sua vida o suficiente para que você possa suportar as dificuldades da vida. Vocês querem fazer com que seus filhos estejam seguros ou que sejam fortes?”

Em um mundo alterado por egos inflados, amizades por interesse e até conflitos supérfluos que estão desmantelando famílias inteiras, há um fio da obra de Peterson que nos convida a uma reflexão honesta em explorar e absorver o que é significativo, não o que é conveniente.

Leia também “Vai ter bandeira, sim!”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 

domingo, 8 de março de 2020

Apelo às massas - Nas entrelinhas

Com o PIB de 1,1%, Bolsonaro tenta se vacinar e responsabilizar o Congresso pelo eventual fracasso. Não é o primeiro a apelar às massas quando o governo vai mal das pernas

Com o restabelecimento do presidencialismo em janeiro de 1963 e a ampliação dos poderes do presidente João Goulart — que havia assumido o cargo após a renúncia de Jânio Quadros, não sem antes ter que derrotar uma tentativa de golpe militar (sic) para impedir sua posse —, a implementação das chamadas reformas de base passou a ser o eixo da disputa política nacional. Goulart apresentou às lideranças políticas um anteprojeto de reforma agrária que previa a desapropriação de terras com título da dívida pública, o que forçosamente obrigava a alteração constitucional. Uma segunda iniciativa para agilizar a agenda das reformas foi o encaminhamento de uma emenda constitucional, que propunha o pagamento da indenização de imóveis urbanos desapropriados por interesse social, com títulos da dívida pública.

Essas propostas, porém, não foram aprovadas pelo Congresso Nacional, o que provocou forte reação por parte dos grupos de esquerda, inclusive nas Forças Armadas. Em setembro de 1963, a Revolta dos Sargentos — movimento que reivindicava o direito de que os chamados graduados das Forças Armadas (sargentos, suboficiais e cabos) exercessem mandato parlamentar em nível municipal, estadual ou federal, o que contrariava a Constituição de 1946 — acirrou a polarização ainda mais. Entretanto, isso aumentou o isolamento de Jango, já agravado pelo rompimento com o Partido Social Democrático (PSD) e Juscelino Kubitschek, que era candidato a presidente nas eleições previstas para 1965.

Diante dessa situação, Jango pediu a Raul Ryff, seu secretário de Imprensa, que era membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que agendasse um encontro com o líder comunista Luiz Carlos Prestes. O encontro foi organizado por Antônio Ribeiro Granja, membro do secretariado do PCB, num apartamento em Copacabana. À época, Prestes já articulava a reeleição de João Goulart, o que era inconstitucional, à falta de melhor opção para enfrentar as candidaturas de Juscelino e de Carlos Lacerda (UDN), pois o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, cunhado do presidente da República, era inelegível. O conselho de Prestes foi Jango apelar às massas e fazer as reformas de base por decreto. Para isso, os comunistas organizariam comícios populares em todos os estados do país, ao qual Jango compareceria.

A mobilização foi iniciada no dia 13 de março de 1964, com o comício realizado na estação da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, também denominado Comício das Reformas, ao qual compareceram cerca de 150 mil pessoas. Na ocasião, Goulart proclamou a necessidade de mudar a Constituição e anunciou a adoção de importantes medidas, como a encampação das refinarias de petróleo particulares e a possibilidade de desapropriação das propriedades privadas valorizadas por investimentos públicos, situadas às margens de estradas e açudes.

Era o começo de uma escalada fatal para democracia, pois, em resposta ao comício, várias manifestações e “marchas” foram convocadas por setores do clero e por entidades femininas. A primeira, A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, ocorreu em São Paulo, a 19 de março, no dia de São José, padroeiro da família. Contou com a participação de cerca de 300 mil pessoas, entre as quais Auro de Moura Andrade, presidente do Senado, e Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara. A última, no dia 2 de abril, após a derrubada de Jango, levou às ruas cerca de um milhão de pessoas e legitimou o golpe militar de 1964, revelando uma correlação de forças favorável à implantação do regime autoritário.

Novo cenário
Ontem, com sinal trocado, durante uma escala em Roraima, a caminho do encontro com o presidente Donald Trump, em Washington, recepcionado por 400 apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro resolveu convocar seus partidários para a manifestação do dia 15 de março, com objetivo de pressionar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). “É um movimento espontâneo e o político que tem medo da rua não serve para ser político”, disse Bolsonaro. Na semana passada, havia negado que estava convocando o protesto nas suas redes de WhatsApp, apesar das evidências. Na verdade, o movimento não tem nada de espontâneo: está sendo organizado por grupos de extrema-direita que apoiam Bolsonaro, que também se utiliza de um exército de robôs comandado pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, o 02, seu filho, nas redes sociais.


Há duas motivações aparentes para Bolsonaro convocar a manifestação: manter a pressão sobre o Congresso, que votará os projetos regulamentando a execução das emendas parlamentares ao Orçamento da União; e reforçar os protestos, que estavam sendo esvaziados pelo acordo feito pelo Palácio do Planalto para resolver o impasse em relação ao Orçamento de 2020. Uma terceira motivação, porém, é subjacente: o fracasso do governo na economia começa a lhe subir à cabeça, depois do PIB de 1,1% do ano passado. Além disso, o cenário na economia mundial sinaliza tempos difíceis pela frente, ainda mais com a chegada da epidemia de coronavírus ao Brasil. Bolsonaro tenta se vacinar e responsabilizar o Congresso pelo eventual fracasso. Como vimos, em que pese as diferenças polares, não é o primeiro presidente a apelar às massas quando o governo vai mal das pernas e enfrenta dificuldades com o Congresso. [o governo Jango ia mal das pernas por inúmeras razões, todas de motivação política, começando pelo desejo de implantar o comunismo no Brasil e por Jango não se conformar que se fracassasse nos seus planos, seria expelido do governo - como realmente foi, pelo MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO de 31 de MARÇO de 1964, movimento que contou com o apoio manifestado em passeata com mais de um milhão de pessoas - há 56 anos passados, reunir uma passeata de 10.000 pessoas já era preciso bons argumentos e o clamor popular de apoiar a MANIFESTAÇÃO, imagine 1.000.000 de pessoas. A MANIFESTAÇÃO do próximo dia 15 não fundamenta comparações do anêmico governo Jango - incluindo a (falta de ) prestígio junto à população -  com o do Presidente Bolsonaro = vítima de fatores que independem da sua vontade e competência, incluindo, sem limitar:
- 'guerra' comercial  China x Estados Unidos;
- boicote do Congresso Nacional, que tenta impor um parlamentarismo branco, a maior parte dos projetos do Presidente Bolsonaro - ação que é referendada pelo STF;
- o coronavírus que caminha para uma situação epidêmica, com riscos elevados de se tornar pandemia.
Um dos objetivos da Manifestação do dia 15 é exatamente informar a muitos desavisados a realidade.]

Luiz Carlos Azedo - Nas Entrelinhas - Correio Braziliense


sexta-feira, 18 de março de 2016

Dois presidentes e nenhum governo




Aí é que está o busílis
O Brasil esfarelando, literalmente, e dona Dilma fica discutindo o sexo dos anjos! Em vez de tentar reverter os erros que cometeu e pedir desculpas à sociedade pelas conversas que teve com o ex-presidente Lula, ela se dedica a lutar pela manutenção do Poder.

E como luta? O que faz? O que diz? Desmente, com provas, que tenha feito o que fez? Que tenha ouvido o que ouviu? Toma atitudes positivas para reverter os erros que cometeu e que foram muitos?

Não, limita-se a reclamar do juiz Sergio Moro, do Ministério Público e a empossar, em seu ministério, o ex-presidente Lula. A personalidade dos dois, depois de 13 anos com o leme nas mãos, é mais do que conhecida do povo brasileiro e ninguém que tenha mais de dois neurônios acreditará que Lula não vai ser o presidente de facto e ela uma mera caneta sob o comando dele.

Estamos no pior dos mundos. Temos dois presidentes e não temos governo.  Vemos a presidente da República em vez de governar e tentar salvar o Brasil, ficar discutindo se alguma regra foi quebrada, ou seja, se o conteúdo das gravações podia ou não ter sido divulgado. O que foi dito nessas gravações não poderia ter sido pensado, que dirá dito. Mas já que foi dito, tinha que ser revelado pela Justiça: nós, o povo, temos todo o direito de saber como pensam, agem e se acertam nossos governantes.

O que a gravação mostra é assustador! Nas mãos de quem estivemos e nas mãos de quem estamos! Em vez de discutir o conteúdo das gravações – conteúdo que enoja – vamos ficar discutindo se foi legal ou não? Primeiro temos que nos livrar da malta que nos desgoverna, depois, se for o caso, podemos julgar se o juiz Moro fez mal ou bem. Nessas gravações ouvimos ofensas graves ao Supremo Tribunal Federal, ao Ministério Público, à Câmara dos Deputados, ao Senado Federal, à Receita Federal, numa linguagem que mostra muito bem como são baixos os instintos que as provocaram. Lula pensa que essas instituições deveriam estar no bolso da Presidência da República. Mas como são isentas e independentes,  Lula se revoltou e fez aquele comentário covarde pelo telefone.

Dona Dilma em algum momento reprovou o que dizia seu futuro novo ministro? Não, ela se limita a criticar a divulgação e não o que ouviu Lula dizer. Dona  Dilma e Lula ofendem muito o STF não só pelas palavras ditas ao telefone, como por difundir a ideia que ser julgado pelo STF é melhor para ele do que pela ‘República de Curitiba’, rótulo que ele quer colar no Juiz Sergio Moro.

Antes vivêssemos numa ‘República de Curitiba’! Mas vivemos mesmo é numa República desgovernada, que só pensa nos problemas pessoais de cada um de seus, digamos, dirigentes, e nunca no Brasil.  Mas, por estarem cegos pelo medo de perder o Poder, eles não atinaram que o STF não é um escudo para malfeitores, como imaginam. Nem escudo, nem abrigo. Ao contrário, a Corte mais alta de nossa Justiça será como tem sido até agora: isenta e impessoal.

Aí é que está o busílis. Os dois presidentes ainda não compreenderam nada.
Só tenho um pedido a São José, cujo dia é comemorado amanhã: que venha logo o impeachment e, com isso, novas eleições. Precisamos higienizar e, depois, reconstruir o Brasil. Enquanto ainda temos alguns alicerces!  Mas, antes de encerrar: quem será que redigiu a Carta Aberta do Lula a desmentir o que disse ao telefone? Carta onde troca a pele de jararaca pela pele de um cordeirinho recém-nascido?

Com João Santana preso, confesso que minha curiosidade é imensa...

Fonte: Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa É professora e tradutora, escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. www.facebook.com/mhrr