Míriam Leitão
General, muitos não estão aqui
Muitos não estão aqui porque foram assassinados pela ditadura que o general Braga Netto nega ter existido. Para o general Ramos, segundo disse ontem, tudo é apenas uma questão semântica. Nesse raciocínio, basta usar algum eufemismo que o problema desaparece. Generais, muitos brasileiros foram assassinados dentro de quartéis militares e por ordem de seus comandantes. Por isso não estão aqui. A técnica da negação faz vítimas ainda hoje. Milhares de vítimas desta pandemia poderiam estar aqui. Teriam sido protegidos da morte se mentiras sobre a Covid-19 e sobre as medidas de proteção, o uso de máscara, a cloroquina e as vacinas, não tivessem sido divulgadas com tanta insistência pelo presidente da República e pelos bolsonaristas.
Lindôra Araújo tenta desmentir o que a ciência já provou. Disse que não “é possível realizar testes rigorosos” sobre a eficácia da máscara. Segundo ela, os estudos que existem são “somente observacionais e epidemiológicos”. E ela continua com seu insulto à ciência afirmando que o presidente não foi notificado de que deveria usar máscaras em eventos públicos e chega ao cúmulo de afirmar que na ocasião dos fatos Bolsonaro “não estava doente, nem apresentava sintomas de Covid-19”, como se só os pacientes devessem usar a medida de proteção. O presidente fora questionado em ação pelo seu comportamento delinquente de promover aglomerações, em geral com recursos públicos, e nelas não usar máscaras, e ainda ter tirado a proteção de duas crianças. Lindôra acha que “inexistem elementos mínimos” para uma ação contra o presidente.
A mentira é terrível. A mentira histórica dos generais, a da subprocuradora, e a dos influenciadores bolsonaristas. E é terrível porque atinge a vida e a democracia. Quando procuram se esconder na semântica ou na falsificação histórica, os generais Braga Netto e Ramos mostram que essa geração militar é cúmplice dos que naquele tempo fecharam o Congresso, aposentaram ministros do Supremo, censuraram, torturaram e mataram. Braga Netto parecia querer se referir até aos próprios parlamentares. A fala dele na Câmara foi assim: “Se houvesse ditadura, talvez muitos dos… muitas pessoas não estariam aqui.”
A técnica dos sites bolsonaristas é mentir também. A Polícia Federal explicou ao TSE que eles tentam “diminuir a fronteira entre o que é verdade e o que é mentira”. Usaram isso nas postagens sobre as urnas eletrônicas, nas divulgações falsas sobre a pandemia, nos ataques ao Judiciário e ao Congresso. Eles usam fragmentos de verdade para construir suas mentiras. Os bolsonaristas tentam enfraquecer a democracia e, nas fake news sobre a pandemia, atentam contra a vida humana.
Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
Míriam Leitão, jornalista - O Globo
Poder moderador - O imoderado Bolsonaro
Na sua busca cotidiana do confronto, o
presidente Bolsonaro replicou nas suas redes sociais uma convocação para
uma “manifestação gigante” no dia 7 de setembro que demonstre que ele
tem a força popular para executar “um bastante provável e necessário
contragolpe”. O apoio significa uma perigosa validação do governo a uma
ilegalidade.
Fazer manifestação para apoiar um movimento que se
anuncia como greve política, para paralisar as estradas do país e pedir a
substituição dos ministros do Supremo Tribunal Federal não é
democrático, é militância radicalizada. Ainda mais que os representantes
sindicais dos caminhoneiros já negaram apoio à iniciativa, atribuindo-a
a interesses políticos do cantor sertanejo Sérgio Reis e a outros
apoiadores bolsonaristas.
Os líderes dizem não haver nenhuma
pauta específica para eles nessa manifestação. É mais uma escalada de
Bolsonaro para esticar a corda, confrontar os Poderes e avançar sobre as
limitações naturais de um Executivo que depende dos demais Poderes para
atuar corretamente dentro da Constituição. Acredito que, sem o
apoio dos verdadeiros líderes caminhoneiros, [com uma Lei de Greve séria, condição que deve estar presente no seu conteúdo e na sua aplicação, caminhoneiros e categorias essenciais não devem, nem podem participar de qualquer movimento grevista.] a tendência seja virar um
movimento reduzido a militantes políticos radicais de apoio a Bolsonaro,
que se aproveitam dessa categoria importante na economia brasileira
para criar um clima de tensão. Uma a esta altura improvável paralisação
prejudicaria o abastecimento dos supermercados e levaria pânico à
população.
Provavelmente é o que querem, com a antecipação da
divulgação nas redes sociais. É um trabalho político que estão fazendo,
incentivados pelo presidente da República, o que é inaceitável. O
presidente Bolsonaro vale-se de um pretenso apoio das Forças Armadas
para avançar sobre a democracia brasileira, insistindo numa leitura
arrevesada da Constituição para definir o papel das Forças Armadas.
Na
semana passada, em cerimônia de cumprimentos aos oficiais-generais
promovidos, no Palácio do Planalto, afirmou: “Nas mãos das Forças
Armadas, o poder moderador; nas mãos das Forças Armadas, a certeza de
garantia de nossa liberdade, da nossa democracia e o apoio total às
decisões do presidente para o bem da sua nação”. Esse papel de “poder
moderador” não existe, embora a redação do artigo 142 da Constituição
possa dar margem a mal-entendidos quando diz quais são as funções das
Forças Armadas: “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da
ordem”. [a Lei Complementar nº 97/99, - decretada em função do comando contido no citado artigo 142 da CF - no 'caput' do seu artigo 15, estabelece ser de responsabilidade do Presidente da República o emprego das FF AA e nos §§ 1º e 2º, inciso III, do mesmo artigo atribui ao Presidente da República a decisão e o estabelecimento das diretrizes necessárias ao emprego das FF AA.]
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
Luiz Fux, já havia decidido, numa ação impetrada pelo PDT em junho do
ano passado, que “a missão institucional das Forças Armadas (...) não
acomoda o exercício do poder moderador entre os Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário”.
Nessa mesma decisão, Fux diz que o
poder das Forças Armadas é “limitado”, excluindo “qualquer interpretação
que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente
funcionamento dos outros Poderes”.
MATÉRIA COMPLETA, Merval Pereira, colunista - O Globo