Temer falou que Dilma não se mantém no
governo com o baixo índice de popularidade. Foi um deus-nos-acuda. Não se fala em corda em casa de enforcado.
O governo só pensa em sobreviver, e
paradoxalmente, cava seu próprio abismo. Não me refiro apenas às notícias
ruins que os dados econômicos nos transmitem. Refiro-me à performance autodestrutiva do governo. Dilma viveu um Sete
de Setembro isolada por placas de ferro, não teve condições de se dirigir ao
país, com hora marcada na televisão.
No entanto, na
véspera, acordou com uma ideia genial: vou
sacanear os militares. Eles estão muito quietos. E assinou um decreto
reduzindo os poderes dos comandos das Forças Armadas. Às vezes fico
pensando se não é uma tática. Mas não consigo entender sua lógica. Como Dilma não é uma
articuladora diabólica, prefiro pensar que é só incapacidade.
Levy, em Paris, disse que a elevação do Imposto de Renda pode ser um
caminho para cobrir o rombo fiscal. É ou
não é um caminho? Ele vai apanhar muito
por sua ideia. E talvez nem chegue a apresentá-la. Qualquer Maquiavel
de botequim o aconselharia ou a fazer de uma vez ou, então, silenciar. O erro
de Levy ainda se
pode explicar pelo desespero de buscar recursos para um Orçamento estourado. Mas é um erro que
encobre outro maior: a ideia de aumentar
impostos depois de o governo ter perdido a credibilidade.
O raciocínio de Temer, que deu inúmeras
explicações sobre a frase, completava-se com a expectativa de que a crise seria
superada e Dilma iria recuperar um nível de popularidade “razoável”. Mas
é a própria expectativa de Temer que não é razoável. Como Dilma vai recuperar a popularidade? Como vai conduzir a recuperação econômica? Como uma presidente sem experiência
política vai fazer a travessia, uma vez que a maioria a considera mentirosa e responsável pelo buraco em que
nos metemos?
As raposas do PMDB
diriam: para bom entendedor meia palavra basta. Não é bem assim. Carlos Lacerda, no livro República das
Abelhas, dizia
que o Brasil parecia um homem que foi bêbado para a cama, dormiu pouco e mal,
mas precisa acordar bem cedo pela manhã.
Você tem de sacudi-lo, estapeá-lo. Se ficar fazendo
festinha, ele não se levanta.
Lacerda apoiou
alguns socos abaixo da linha da cintura, como o golpe militar de 64. Mas sua frase me
fez refletir um pouco sobre esse possível despertar do Brasil. Os fatos negativos se
sucedem. Essa incrível quantidade levará
a um salto de qualidade por si própria? Ou vai surgir da esfera da política,
no sentido mais amplo, o impulso para
que o salto se dê?
As manifestações de 16 de agosto indicaram uma grande confiança na Operação Lava Jato. Uma confiança merecida.
No entanto, será que ela basta? Estamos
entrando numa crise de longa duração. Quanto mais tempo perdermos, mais vamos
impor ao país, inclusive às novas gerações, grandes dificuldades futuras. Será
preciso uma intervenção maior da sociedade. De todas as maneiras. Em Nova York o cantor Fábio Junior denunciou a
quadrilha que domina o Brasil. Alguns discutiram os termos do
protesto, o público do cantor, seus recursos estéticos. Mas o cantor e os brasileiros
que estavam lá, não importa sua opção estética, são morenos como nós, pagam
impostos, têm sonhos e gostam do Brasil. Eles se manifestaram como inúmeros
outros o fazem aqui, dentro do país.
Essa pressão social
sobre um governo incapaz funciona como algumas sacudidas para o país
acordar. Mas como um homem que dormiu tarde e precisa acordar cedo, será
preciso ainda mais. Já
está ficando ridícula essa história de Dilma se desculpar pela metade. O governo não tem
de responder apenas pelos seus erros, que ela nem admite completamente, usando
o condicional: se
cometi erros, é possível… Ora, os
governos de Dilma e Lula estão na iminência de responder por crimes, no petrolão e nas campanhas presidenciais.
Nesse emaranhado de problemas, há os que, como Temer, têm uma
expectativa de que Dilma faça a travessia. Ninguém, no entanto, é capaz de
analisar desafio por desafio e nos convencer de como ela vai superá-los. Da crença num suposto respeito à legalidade
eleitoral, [legalidade
duvidosa, tendo em conta que a eleição presidencial foi apurada de forma
secreta, por alguns petistas devotos da presidente.] desloca-se rapidamente
para a crença num milagre. Esperam que Dilma
acorde renovada e conduza a grande travessia. Aí, ela acorda invocada e vai mexer com os militares – que, por sinal, foram
bastante discretos na reação.
A cada semana
inventam um novo imposto. A cada semana fracassam. O governo é um Sísifo ao contrário. Sísifo pelo menos, segundo a
lenda, levava
a pedra até o alto da montanha e a recolocava incessantemente. O governo está no alto da montanha jogando pedra
para baixo. Quebrou o país, dirigi-lo tornou-se uma responsabilidade tão áspera que
a própria oposição hesita em assumi-la.
Então, como vamos sair dessa? As pessoas na rua pedem impeachment, de
uma forma que as vezes me preocupa. Acham que o impeachment vai resolver todos
os problemas. Na verdade, é só um passo. Se as forças políticas não conseguem
discutir nem o impeachment, abertamente, o
que dirá de um programa nacional para se sair da crise? [o impeachment tem que ser acompanhado da neutralização do Lula – o que
deve ocorrer com sua prisão que começa a ser uma possibilidade bem concreta.]
Muitos analistas
concordam que a crise pode levar-nos a um retrocesso, dependendo da
maneira como a enfrentamos. O problema é que nem sequer a estamos enfrentando
de forma coordenada. Essa lentidão pode nos custar alguns anos a mais de
sufoco. Dilma naufragou no oceano de suas
mentiras, nas correntes geladas da crise, na trajetória de delinquência
institucional do PT. No momento, somos como um barco
de refugiados à deriva no Mediterrâneo. Não podemos naufragar,
nem esperar resgate. Somos grandes demais para a Europa, ou qualquer outro
continente. Ou nadamos ou afundamos.
Fonte: Fernando Gabeira, jornalista
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