Contestar as trapalhadas dos governantes que nos levaram a este atual estado é uma forma de amar o Brasil
Com todo o respeito, peço
desculpas por discordar da senhora presidente. Não consigo mais ouvir
calada essa história de que quem sofre com a situação atual, quem se
aflige com os rumos do país, perde o sono e se angustia a cada instante
com o descalabro que estamos vivendo, enfim, quem ama nossa terra faz
parte do “pessoal do quanto pior melhor”, como reiteradamente ela nos
acusa. Para quase todos nós, se continuar piorando só fica mais doloroso
mesmo, e tudo o que queremos é que as coisas melhorem. De verdade e
para valer, sem ilha de fantasia, sem slogan, sem mentirada de
marqueteiro em programa eleitoral. Considerando que a rejeição à
presidente anda nas nuvens, e sua aprovação está no fundo do poço, não é
exagero afirmar que para a grande maioria da população brasileira, quem
está fazendo tudo a seu alcance para que as coisas piorem cada vez mais
é o governo. Se é que tamanho desgoverno pode assim ser chamado.
Quem perdeu a credibilidade e produz instabilidade é o comportamento errático e randômico, imprevisível e ilógico dos que deviam governar o país, e com essa obrigação foram eleitos. Para isso, ganharam nas urnas, embora atestassem sua cegueira para a realidade ao recusar o que mostravam todos os índices, os inúmeros jornalistas agredidos por isso, qualquer economista que não fosse de suas hostes e até mesmo o singelo relatório da pobre analista do Santander — cuja cabeça teve de ser sacrificada às certezas descoladas dos fatos, sempre prontas a xingar a matemática, acusando-a de neoliberal ou rudimentar.
Quem piora a situação quando cala ou quando fala é o descontrole nascido da irresponsabilidade, da falta de transparência e da teimosia em fingir que sabe tudo para esconder a incompetência, juntando tudo isso num jogo de improviso permanente, que a cada instante volta atrás e desdiz o que disse, partindo para outra. Basta ver quem foi que há pouco enviou ao Congresso uma proposta de orçamento deficitário, num movimento a meio caminho entre a chantagem aos parlamentares e o alerta às agências de classificação de risco para o tamanho da paralisia oficial. Consumada a perda do grau de investimento, consequência lógica, quem lançou o balão de ensaio da volta da CPMF com a desculpa de financiar a saúde? Quem recuou em seguida? Quem daí a pouco voltou a trazer à mesa essa carta, dizendo então que era para a Previdência, em alíquota de 0,2%? Quem, horas depois, já falava em 0,38%, agora para dividir com os governadores, comprar sua eventual influência junto aos congressistas e estimular a irresponsabilidade fiscal nos estados? Quem no meio de tudo isso autoriza que o palácio renove sua prataria enquanto desautoriza o ministro da Fazenda, deixando-o ser atacado pelas bases do partido? Quem, do nada, a esta altura, deixa um quadro ligado ao MST interferir para reduzir a autonomia dos militares ou lhes tirar o controle sobre a formação de seus oficiais?
Quem só sabe negociar com o Congresso lhe oferecendo mais do mesmo: prometer o que não vai cumprir e acenar com vantagens e verbas? Quem, em quase 13 anos no poder, não se mexeu para fazer qualquer reforma profunda num orçamento engessado, com gastos vinculados aos reajustes do salário-mínimo e uma previdência que só tinha alguma chance graças ao gatilho do demonizado fator previdenciário? Quem sempre acusou os outros de arrogantes, metidos a sabichões que podiam explicar tudo, mas jamais se deu ao trabalho de pedagogicamente explicar à população a situação da Previdência nem mostrar que acabar com privilégios, pensões imerecidas e outros abusos não pode ser confundido com perda de direitos trabalhistas? Quem não convence mais nem consegue explicar nada (e por respeito não menciono a mandioca e outras gracinhas) pelo simples fato de que não consegue entender? Quem não percebe que o problema está na dívida pública crescente, nas despesas obrigatórias irreais, na política de estímulos de gastos, em nossos índices ínfimos de produtividade?
Mesmo discordando quanto aos remédios e tratamento deste pobre Brasil, não dá mais para ignorar os resultados dos exames nem se recusar a ver que pode ser correto o diagnóstico que eles apontam. Se o governo quer se suicidar, não pode exigir nossa cumplicidade nessa maluquice. Sabemos que a democracia foi conquistada a duras penas. A estabilidade da moeda também. Custa reconhecer? Contestar as trapalhadas dos governantes que nos levaram a este atual estado é uma forma de amar o Brasil: não é se identificar ao golpe de 64, nem servir à ditadura ou não ter história democrática, como ofensivamente quer fazer crer o líder do governo, nessa conversa de que a oposição quer cutucar a onça com vara curta. Isso não dá para admitir. É uma provocação.
Bicho por bicho, já que a vaca foi pro brejo e estamos dando com os burros n’água, é bom se perguntar quem é a barata tonta, quem parece cabra-cega e quem é mesmo que está cutucando a onça desta nação com vara cada vez mais curta.
Por: Ana Maria Machado é escritora
Quem perdeu a credibilidade e produz instabilidade é o comportamento errático e randômico, imprevisível e ilógico dos que deviam governar o país, e com essa obrigação foram eleitos. Para isso, ganharam nas urnas, embora atestassem sua cegueira para a realidade ao recusar o que mostravam todos os índices, os inúmeros jornalistas agredidos por isso, qualquer economista que não fosse de suas hostes e até mesmo o singelo relatório da pobre analista do Santander — cuja cabeça teve de ser sacrificada às certezas descoladas dos fatos, sempre prontas a xingar a matemática, acusando-a de neoliberal ou rudimentar.
Quem piora a situação quando cala ou quando fala é o descontrole nascido da irresponsabilidade, da falta de transparência e da teimosia em fingir que sabe tudo para esconder a incompetência, juntando tudo isso num jogo de improviso permanente, que a cada instante volta atrás e desdiz o que disse, partindo para outra. Basta ver quem foi que há pouco enviou ao Congresso uma proposta de orçamento deficitário, num movimento a meio caminho entre a chantagem aos parlamentares e o alerta às agências de classificação de risco para o tamanho da paralisia oficial. Consumada a perda do grau de investimento, consequência lógica, quem lançou o balão de ensaio da volta da CPMF com a desculpa de financiar a saúde? Quem recuou em seguida? Quem daí a pouco voltou a trazer à mesa essa carta, dizendo então que era para a Previdência, em alíquota de 0,2%? Quem, horas depois, já falava em 0,38%, agora para dividir com os governadores, comprar sua eventual influência junto aos congressistas e estimular a irresponsabilidade fiscal nos estados? Quem no meio de tudo isso autoriza que o palácio renove sua prataria enquanto desautoriza o ministro da Fazenda, deixando-o ser atacado pelas bases do partido? Quem, do nada, a esta altura, deixa um quadro ligado ao MST interferir para reduzir a autonomia dos militares ou lhes tirar o controle sobre a formação de seus oficiais?
Quem só sabe negociar com o Congresso lhe oferecendo mais do mesmo: prometer o que não vai cumprir e acenar com vantagens e verbas? Quem, em quase 13 anos no poder, não se mexeu para fazer qualquer reforma profunda num orçamento engessado, com gastos vinculados aos reajustes do salário-mínimo e uma previdência que só tinha alguma chance graças ao gatilho do demonizado fator previdenciário? Quem sempre acusou os outros de arrogantes, metidos a sabichões que podiam explicar tudo, mas jamais se deu ao trabalho de pedagogicamente explicar à população a situação da Previdência nem mostrar que acabar com privilégios, pensões imerecidas e outros abusos não pode ser confundido com perda de direitos trabalhistas? Quem não convence mais nem consegue explicar nada (e por respeito não menciono a mandioca e outras gracinhas) pelo simples fato de que não consegue entender? Quem não percebe que o problema está na dívida pública crescente, nas despesas obrigatórias irreais, na política de estímulos de gastos, em nossos índices ínfimos de produtividade?
Mesmo discordando quanto aos remédios e tratamento deste pobre Brasil, não dá mais para ignorar os resultados dos exames nem se recusar a ver que pode ser correto o diagnóstico que eles apontam. Se o governo quer se suicidar, não pode exigir nossa cumplicidade nessa maluquice. Sabemos que a democracia foi conquistada a duras penas. A estabilidade da moeda também. Custa reconhecer? Contestar as trapalhadas dos governantes que nos levaram a este atual estado é uma forma de amar o Brasil: não é se identificar ao golpe de 64, nem servir à ditadura ou não ter história democrática, como ofensivamente quer fazer crer o líder do governo, nessa conversa de que a oposição quer cutucar a onça com vara curta. Isso não dá para admitir. É uma provocação.
Bicho por bicho, já que a vaca foi pro brejo e estamos dando com os burros n’água, é bom se perguntar quem é a barata tonta, quem parece cabra-cega e quem é mesmo que está cutucando a onça desta nação com vara cada vez mais curta.
Por: Ana Maria Machado é escritora
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