Por que as crises política e econômica se estendem?
Porque não foi encontrada uma saída segura para a classe dirigente
No
Brasil, a construção da democracia e de suas instituições é um longo processo.
Isto porque o passado patrimonialista ainda nos aprisiona. Qualquer avanço é
fruto de muita luta e de pequenas vitórias. Como não temos tradição de
rupturas, a tendência é sempre incorporar o derrotado na nova ordem. Que,
obviamente, deixa de ser plenamente nova; pois, ora mais, ora menos, rearranja
o poder político mantendo frações do passado no presente. Esta permanência não
só dificulta a plena constituição do Estado Democrático de Direito, como impede
até que o pensamento crítico se incorpore à vida política nacional.
A
tendência histórica à conciliação transformou o aparelho de Estado numa esfera
onde os antigos vícios da gestão da coisa pública permaneceram petrificados. O
entorno era modificado mas a essência mantinha-se a mesma. Como se a História
não se movimentasse. Pior, como até se o processo eleitoral de nada adiantasse,
restringindo-se à mera substituição dos gestores, sem alterar seus fundamentos. Virou
lugar-comum afirmar que as instituições de Estado brasileiro estão em pleno
funcionamento. As ações de combate à corrupção são demonstrações que reforçam a
afirmativa. Contudo, cabe perguntar se a permanência da corrupção em todos os
níveis e em todos os poderes da República não representa justamente o
contrário. Ou seja, que as instituições funcionam mal, muito mal. Se há tanta
corrupção, é porque é fácil instalar uma organização criminosa,
político-partidária ou não, no interior dos órgãos estatais. E com a garantia
da impunidade ou, no máximo, de suaves punições que estimulam, em um segundo
momento, novos atos contrários ao interesse público, como no binômio
mensalão-petrolão, onde o núcleo duro é o mesmo, mas em uma magnitude — em
termos financeiros e temporais — muito maior.
Identificar
a permanência e apontar a necessidade urgente de enfrentá-la não é bem visto no
país das Polianas. E haja Poliana. Se a análise se concentrar em Brasília, como
símbolo do poder, é possível detectar que, apesar de vivermos uma das mais
graves crises da história republicana, não há nenhuma possibilidade de mudança,
mudança efetiva. A atual paralisia política é resultado da dificuldade de
construir uma saída mantendo os velhos interesses no aparelho de Estado. O
resto é pura fraseologia vazia. Como diria o titio Joel Santana: cock-and-bull
story.
O
petismo, no auge, contou com apoio entusiástico da elite brasileira. Mesmo após
as denúncias do mensalão, publicizadas na CPMI dos Correios. Para as classes
dirigentes, o projeto criminoso de poder foi visto, apenas, como uma forma de
governança, nada mais que isso. Quando Dilma Rousseff iniciou seu primeiro
mandato, foi muito elogiada pela forma como administrava o governo e pelo
combate — ah, Polianas — aos malfeitos, forma singela como definia a corrupção,
marca indelével do seu período presidencial. Quem apontava as mazelas era visto
como rancoroso, um pessimista contumaz.
No
momento que Fernando Collor renunciou à Presidência da República, já tinha
ocorrido uma recomposição de forças, desde o mês anterior à autorização para a
abertura do processo de impeachment pela Câmara dos Deputados, a 29 de setembro
de 1992. Ou seja, a movimentação em torno de Itamar Franco, vice-presidente,
permitiu que o bloco político-empresarial estabelecesse e garantisse as
condições de governabilidade, que tinham sido afetadas desde o início do
mandato, um ponto fora da curva entre os períodos presidenciais desde 1945. A
queda de Collor — sem nenhuma sustentação social ou no Congresso Nacional —
pode ser compreendida, então, mais como um rearranjo do bloco
político-empresarial, redefinindo interesses no interior do aparelho de Estado,
do que uma vitória das ruas, dos caras-pintadas. As ruas — mesmo sem o querer —
acabaram permitindo uma saída confiável no interior de uma ordem política
intrinsecamente antirrepublicana.
As
acusações que pesam contra Dilma Rousseff são incomparavelmente mais graves do
que aquelas imputadas a Fernando Collor. Os atos de corrupção, a desastrosa
gestão econômica e o controle da máquina estatal por uma organização criminosa
com tentáculos nos Três Poderes não têm paralelo na nossa História. Mas por que
a crise política se estende? Por que a crise econômica parece não ter fim?
Porque não foi encontrada uma saída segura para a classe dirigente, porque
Michel Temer não é Itamar Franco, porque Dilma Rousseff não é Fernando Collor,
porque o Partido dos Trabalhadores não é o Partido da Reconstrução Nacional e
porque as crises político-econômica de 2015 é mais complexa que a de 1992.
A
principal dificuldade para ser encontrada uma saída política nos moldes da
(triste) tradição brasileira deve-se principalmente à sociedade civil. Hoje,
com todas as limitações, ela vem se organizando e se mobilizando de forma
independente do Estado e de seus braços, como os partidos políticos. As três
grandes manifestações — de 15 de março, 12 de abril e 16 de agosto — não têm
paralelo na História do Brasil. Um acordo pelo alto, costurado pelos velhos
interesses, é muito difícil — e pode ter vida curta. É necessário ir mais
fundo. Não basta a simples troca de presidente. O receio maior de Brasília é
ter de enfrentar o Brasil real. Aquele que não quer mais ver a corrupção
impregnando as ações de Estado, tenebroso método de gestão e de desqualificar a
política, “fazendo-a descer ao plano subalterno da delinquência institucional”,
como bem escreveu o ministro Celso de Mello.
Por: Marco
Antonio Villa é historiador
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