Conheça a grotesca revista
íntima sofrida por familiares de presos em todo país
[é essencial ler a matéria tendo em foco que
a visita não é a um Seminário ou Convento e sim a um presídio e que todos os
visitados são criminosos; os muros altos não são para impedir que os presos
curtam a vista da região e sim para evitar fugas;
a revista íntima é indispensável para
impedir a entrada de celulares e vários outros objetos – uma única arma que
ingresse no presídio pode ser causa de várias mortes.
A regra em qualquer prisão é que todos são
inocentes, estavam em um veículo com armas ou drogas e não sabiam.
Pegaram uma inocente carona e tiveram que
participar de assaltos.
O usual em presídios é que a proporção dos
‘inocentes’ supere em muito à dos que estão nas ruas.]
Domingo
de manhã é palco para um cenário comum
no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros na região Oeste de São Paulo.
Sentadas na calçada em frente ao presídio, mulheres, em sua maioria, sentam
numa espera infindável. Crianças, mães, idosos, esposas e alguns homens usam do
dia de descanso semanal para ver aqueles que não enxergam outra paisagem que
não os altos muros em frente à Marginal Pinheiros.
Para os visitantes o dia começou
mais cedo. Quem
quiser passar um bom tempo com o familiar apenado se amontoa antes do nascer do
sol. Aqueles que chegaram antes das quatro da manhã sequer utilizaram o
transporte público; vieram de carro, carona, enfim, o que tivessem à sua
disposição. Há uma pequena favela ao lado do presídio que vive do estacionamento
dos familiares: o mínimo é R$ 10 para
parar o carro.
Já os que se aventuram a chegar
depois das quatro da manhã, enfrentam uma fila para fazer cadastro. O primeiro trem que desembarca
na estação Ceasa, próxima ao luxuoso Shopping Vila-Lobos, local de encontro da
elite paulistana, anuncia os familiares com suas sacolas de comida e higiene
para o preso amado. Para chegar, atravessaram uma ponte em estado precário,
anunciando uma tragédia que ainda não aconteceu.
Apesar de cada um da fila contar
com suas peculiaridades, a primeira reação no encontro com a equipe do Justificando foi
parecida: receio e desconfiança. A sensação é de que as pessoas que esperavam o
horário na quente madrugada paulistana já haviam conversado com outros
jornalistas, e a experiência não fora positiva. Alguns poucos aceitaram contar
um pouquinho de suas histórias.
A
primeira que veio conversar sobre a visita foi Rosi. Balconista, teve seu irmão preso
há dois anos por roubo. Segundo ela, o rapaz de 27 anos é inocente, pois saiu
com seu amigo dentro de um carro roubado e não sabia. Ele está preso há dois anos
na CDP de Pinheiros e recebeu a visita da mãe três vezes. Desde então, o único
laço que tem com sua família é o encontro semanal com sua irmã.
Rosi o visita desde o primeiro
dia de cárcere. Fez do
tempo que passam juntos uma oportunidade para conhecer os familiares dos outros
detentos, como também a estrutura interna do presídio. Esbanjando conhecimento
de causa, finalizou indignada: “Até o pior vagabundo deve ser tratado com
dignidade”.
Meire
Pereira estava
mais ao lado, mas seu interesse em contar o que vive foi o suficiente para vir
ao encontro da reportagem. Contou-nos que é aposentada e teve seu filho
Peterson preso há dois meses. Acredita piamente na inocência de seu filho,
a quem descreveu como “trabalhador, evangélico e preso inocentemente”.
Segundo ela, o crime de Peterson foi estar com amigos em um carro, que não era
dele, com drogas no motor. Agora, aguarda julgamento e procura trabalho na
fábrica de laço de cabelo que existe dentro da prisão.
Meire vai visitá-lo todo final de
semana. Há dois
meses, ela vê filho apenas por um vidro, pois está com a perna engessada devido
a um acidente. Segundo a regra da casa, quem estiver com gesso não pode ter
contato direito com os detentos.
Entretanto,
não é isso que mais a incomoda: e sim a revista ocorrida dentro presídio. “Sou
evangélica e tenho muita dificuldade em fazer a revista intima. Volto pra casa
chorando todos os domingos pela humilhação que passo”
Meire,
Rosi e as dezenas de pessoas que lá estavam eram uma pequena parte de uma
grande história. Carregavam em suas sacolas bolos, quentinhas, escovas de dente
e roupas muito semelhantes entre si. Normalmente,
calças de moleton, camisetas e chinelos. As roupas não eram uma mania
dos familiares. São ordens dos
presídios. Um início de um procedimento chocante, macabro para uma civilização
que se julga democrática. As mães e pais, irmãs e irmãos, adultos e
crianças chegam até ao local da visita, entram e fazem uso da sacolinha.
Recolhem a roupa e se padronizam. Perdem sua identidade para servir à segurança
carcerária. Não adianta reclamar: só vê o familiar encarcerado quem entra com
as roupas indicadas.
Depois do vestuário é a hora da
checagem da comida. Meire
conta que tudo que ela traz para o seu filho passa por fiscalização, e, as
vezes, não autorizam a entrada de certos produtos. O critério para aceitar ou
barrar o alimento depende do humor do agente que avalia.
A
hora da revista
O ritual
de fiscalização da visita do preso não se encerra com a roupa e a comida
determinadas. Pelo contrário, chega à sua etapa mais grotesca. De duas em duas
pessoas, o agente chama para a burocrática “revista”,
também conhecida como “humilhação”
para quem passa pelo procedimento. O familiar do preso deve ficar nu em frente
a um agente da unidade, agachar-se de cócoras, tossir e se tocar enquanto um
espelho é passado por baixo de seu corpo, exibindo tudo que há para ser
exibido. Tudo para comprovar que não está portando nada ilegal para dentro da
unidade.
As
mulheres que estiverem usando absorventes, têm de retirá-los e jogá-los em um
cesto de lixo que fica no local. A insensibilidade é a única democracia aplicada: não sobra ninguém.
Independente do pudor, todos passam pela mesma experiência. De templo, passa o
corpo a objeto. Senhoras com todo seu brio e luta de vida vencem toda a timidez
de exibir aquilo que só mostram ao marido e a Deus. A grande maioria é
evangélica.
O “motivo” para subjugar amigos e
familiares de detentos a essa situação é
o receio de contrabando de objetos ilegais para dentro do presídio. No
entanto, segundo o levantamento da Rede de Justiça Criminal, elaborado com
informações da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo,apenas
0,03% dos visitantes foram encontrados com itens considerados proibidos; entre
eles, alça de sutiã que contém ferro, grampo de cabelo e outros.
Defensor
Público condena a prática
A
situação é observada de perto por quem tem o ofício junto à população mais
pobre. Em entrevista ao Justificando, o Defensor Público do Núcleo de Situação
Carcerária Patrick Cacicedo, falou sobre os aspectos constitucionais
referentes à revista vexatória. Para ele, as práticas comuns em grande parte
dos presídios brasileiros é ilegal.
“Não tem nenhuma lei que permita a revista
vexatória no Brasil. Mesmo se tivesse uma lei que permitisse, ela seria
inconstitucional”.
Segundo
Cacicedo, a revista vexatória viola a Constituição
Federal nos Artigos 1º (dignidade da pessoa humana), 5º, inciso X, o qual trata sobre a
inviolabilidade da intimidade e o Artigo 41 que garante a visita do cônjuge,
companheira, parentes e amigos como direito do preso, não podendo a
administração criar obstáculos desnecessários ao exercício deste direito.
“Ninguém
pode ser parado sem motivo e passar por uma revista. Na rua você não pode
passar por isso, o policial não pode te deixar nu e te revistar. No presídio
isso não pode ser diferente”. Cacicedo defende que o Estado pague
indenização por danos morais às pessoas submetidas a essa forma de revista. “A
orientação que damos a todos é que procurem a defensoria pública para processar
o Estado” - completou.
Assim
como o Patrick, diversas pessoas chocadas com o tratamento degradante criaram a
campanha “Pelo fim da Revista Vexatória”. No vídeo abaixo realizado pela
campanha, a atriz Denise Fraga lê a carta de uma mulher denunciando os abusos
cometidos nas revistas.
Projeto
de lei criminaliza prática institucionalizada
No
Legislativo, alguns projetos de lei sinalizam a mudança de paradigma do horror
das masmorras. O projeto de lei
7764/2014 que proíbe a revista vexatória em todo o país já foi aprovada no
Senado e segue para votação na Câmara dos Deputados. Caso entre em vigor, a imposição da revista vexatória passará a
configurar crime.
Autoridades
que defendem a aprovação do projeto argumentam que a revista seria realizada por scanners e detectores de metais.
A grande inovação, os scanners, identificariam objetos escondidos nas partes
íntimas dos visitantes.
Para
Cacicedo, a espera pela aprovação da lei não altera a ilegalidade dos
procedimentos de visitas nos presídios –“Ela
não passará a ser ilegal depois desta lei, ela sempre
foi”, reafirma o Defensor.
Em
São Paulo lei foi aprovada, mas para poucos e carecendo de regulamentação
São Paulo
é o Estado que mais concentra a população carcerária do Brasil: 204 mil
detentos dos 563 mil em cárcere no país. Segundo a Secretaria de Administração
Penitenciária, são administradas cerca de 160 unidades prisionais no estado.
Este local chave para os rumos do sistema carcerário brasileiro aprovou, em
agosto, a lei 15.552/14, proibindo a submissão dos visitantes a procedimentos
invasivos como o desnudamento, repetidos agachamentos e a inspeção anal e
vaginal.
Entretanto,
a lei não vale para todos, dado que
o governador Geraldo Alckmin vetou a aplicação da
medida em manicômios judiciais e em casas de detenção para menores. Ele
também vetou o parágrafo que impedia a revista mecânica e eletrônica em
gestantes e portadores de marca passo. A
lei sancionada não explica como estas pessoas poderão ingressar no
estabelecimento prisional. Cacicedo explica que em detenções para menores,
como a Fundação Casa, as revistas são ainda piores. Além da família, os menores
passam várias vezes ao dia por ela.
De acordo
com a lei, o governo tem até seis meses (180 dias) para regulamentá-la. A
notícia quase causou uma onda de alegria nos presídios. Rosi nos contou que no
primeiro final de semana (16/08) após a aprovação da lei a revista não foi
realizada, mas na semana seguinte voltou normalmente.“Eles disseram que entraram com drogas e foi preciso retornar a lei”. A
balconista conta que isso foi só um boato para voltar com os procedimentos de
agachamentos.
Cada scanner custa em média R$
400 mil. [convenhamos que é muito dinheiro
para facilitar a vida de amigou ou parentes de bandidos; centenas de hospitais
públicos precisam desesperadamente de equipamentos para salvar vidas e dinheiro
desperdiçado com scanner e outros equipamento para facilitar a vida de bandidos
seria muito útil para a SAÚDE PÚBLICA.] Para a implementação em todas unidades o governo
estadual gastaria um orçamento equivalente a R$ 64 milhões. Em resposta ao Justificando, a
Secretaria de Administração Penitenciária informou que foi autorizada a
aquisição de scanners corporais para os quatro centros de Detenção Provisória
de Pinheiros, mas não detalhou quanto às outras unidades do Estado. Além disso,
a Secretaria advertiu que os recursos para a compra dos aparelhos foram
solicitados juntos ao Governo Federal,
que negou o pedido.
A
Assessora de Imprensa da Secretaria Mariana Borges falou que: “enquanto a lei não for regulamentada, e as
condições determinadas pela lei cumpridas, fica a situação anterior”. Com
um prazo máximo de três meses para implementar a lei, São Paulo ainda realiza
revistas vexatórias em todas as unidades visitadas pela redação do Justificando.
Revista
Humanizada
Estados e cidades que já aplicaram proibições
totais ou parciais à revista vexatória não apresentaram aumento nos números de ocorrências
relacionadas à segurança de seus presídios. Goiás, por exemplo, aplica a
chamada “revista humanizada”, que
proíbe a nudez. O Espírito Santo possui norma similar. Depois de decisão
inédita do Tribunal de Justiça, o município de Joinville, em Santa Catarina,
instalou scanners corporais em suas unidades. Recentemente, um juiz de Recife
também proibiu a revista vexatória na cidade.
Toda
a polêmica e submissão de familiares de presos para resultados e estatísticas
pífias.
Segundo a Rede de Justiça Criminal, apenas 3 em cada 10 mil revistas vexatórias
resultam na apreensão de objetos proibidos. Ao longo de todo o período estudado
pela Rede, nenhuma arma foi flagrada durante o procedimento.
É por isso que muitas autoridades
são contrárias à revista vexatória. Para o Defensor Público, as revistas intimas além
de ser proibidas, nunca mais devem ser realizadas, mesmo na falta de
equipamentos. Neste caso, seriam feitas de maneira comum: todos seriam
revistados vestidos de roupas, e para aumentar a segurança, as fiscalizações
nas celas e nos funcionários devem ser maiores.
O
que se sabe é que na situação atual, muitas outras pessoas ainda vão sofrer,
seja com a visita, seja com o abandono. Na volta para casa, encontramos Messias,
que vive uma triste realidade. Teve seu filho preso há dois anos por tráfico. Detento há nove meses no CDP, nos último oito o único laço
que teve com sua família foi a visita semanal do pai. A mãe foi apenas
uma vez. Depois de passar pela humilhação da revista vexatória, nunca mais
desejou voltar. “Tenho contato com corpo humano o tempo inteiro no meu
trabalho, sou mais acostumado que minha esposa, mas mesmo assim ainda me sinto
muito humilhado. Só venho porque não quero abandonar meu filho dentro desse
inferno” - disse com os olhos marejados.
Fonte: Justificando - http://portal-justificando.jusbrasil.com.br/
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