Ataques em Paris elevaram a tensão dos estrangeiros que virão para o Rio em 2016
— O terrorismo evita se repetir, para escapar às medidas preventivas e,
principalmente, gerar mais impacto e medo. Se tentarem aqui praticar
atos terroristas, serão diferentes dos que já aconteceram.
De qualquer
maneira, é evidente que os riscos existem, mas podem ser reduzidos com a
prevenção. A concentração de eventos numa só cidade ajuda no trabalho
das forças antiterror.
Mas não temos uma história de combate a esse
flagelo. Nesses casos, é sempre útil estabelecer parcerias com forças de
segurança de outros países com mais experiência na atividade
antiterrorista.
Vestindo uma camisa do Flamengo, o torcedor argentino Pablo Álvarez
foi preso pela Polícia Federal no Estádio Mané Garrincha, em Brasília,
onde se enfrentavam Argentina e Bélgica, no dia 6 de junho do ano
passado, durante a Copa do Mundo. Não era para ele estar ali. Um dos
chefes dos “barras bravas” — torcedores responsáveis por episódios de
violência nos estádios argentinos —, Álvarez estava proibido de entrar
no país durante o torneio. Alguns dias antes, já havia burlado a
segurança e assistido, em São Paulo, disfarçado de suíço (tinha a
bandeira do país e o rosto pintado com as cores da nação europeia), a
outro jogo da Argentina, em São Paulo. Nas redes sociais, apareceu
zombando das autoridades brasileiras.
Militares participam, em maio de 2014, de uma simulação de ataque
terrorista à estação Cidade Nova do metrô: o exercício foi um dos
realizados dentro do plano de segurança preparado para a Copa do Mundo
- Gustavo Miranda / Agência O Globo (31/05/2014)
A
falha que permitiu a ele cruzar com facilidade a fronteira e circular
livre pelo país não foi a única durante a Copa. Um relatório da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), produzido depois do evento, apontou
outros problemas. O documento, revelado a autoridades responsáveis pela
segurança das Olimpíadas no Rio, relacionou, principalmente, brechas na
proteção interna dos estádios, que colocaram em risco torcedores e
autoridades. O objetivo de apresentar o relatório foi alertar para o
seguinte: os pontos vulneráveis detectados durante o mundial de futebol
não podem se repetir nos Jogos. Um dos casos analisados pela Abin
aconteceu no dia 18 de junho de 2014: cerca de cem torcedores chilenos e
argentinos, sem ingresso, invadiram o Maracanã, causando grande tumulto
no centro de mídia do estádio.
POLICIAIS SUBSTITUIRÃO AGENTES PARTICULARES
A
análise da agência levou o governo federal à decisão de mudar parte
importante da matriz de segurança aplicada na Copa. Os 15 mil agentes
particulares, os chamados stewards, que trabalharam na segurança interna
dos estádios e fariam o mesmo durante as Olimpíadas, serão substituídos
por policiais da Força Nacional. Também durante o mundial de futebol,
muita gente conseguiu burlar a vigilância e assistir às partidas usando
credenciais e bilhetes falsos. [claro que o efetivo da Força Nacional não será suficiente para substituir os chamados 'stewarts' - além de seu efetivo não permitir deslocamento de 15.000 homens para um único evento/cidade, a movimentação de um número bem inferior implicaria em abandonar locais em que a FN já atua.
A Força Nacional de Segurança, com o devido respeito, continua mais próxima de uma Força Virtual de Segurança.
Até mesmo o apoio e prestígio da sua criação já deixou de existir.]
Houve falhas também longe dos estádios, apontou a Abin. Num dos
episódios, antes mesmo do torneio, em maio, o ônibus da delegação
brasileira foi cercado por professores em greve, que atacaram o veículo,
batendo na lataria e colando dezenas de adesivos com a frase “Não vai
ter Copa”. — Conheço a minuta do relatório da Abin. Todo evento traz
ensinamentos e oportunidades de melhorias. Nós temos sempre que
qualificar nosso processo. No caso da segurança das instalações
olímpicas, demos um salto de qualidade em relação à Copa. Nós vamos
atuar 100% nela, com policiais mais bem preparados — afirmou Andrei
Passos Rodrigues, secretário extraordinário para Grandes Eventos do
Ministério da Justiça.
Os ataques terroristas em Paris elevaram a tensão dos estrangeiros
que virão para o Rio em 2016. O temor é que ocorram atentados por aqui.
Segundo o delegado Thierry Guiguet-Doron, da Polícia Nacional francesa,
que é adido da embaixada da França no Brasil, seu país aposta numa
integração internacional para afastar qualquer ameaça terrorista aos
Jogos no Rio. Uma análise de risco da Abin põe a delegação da França no
nível mais elevado de possibilidade de se tornar alvo de ataques no
Brasil, juntamente com as dos Estados Unidos e de mais oito países. — Temos contato com a Polícia Federal desde a Copa. O Andrei foi à
França em setembro para ver como funcionam nossos serviços de
inteligência. Teve briefing com nosso pessoal sobre os atentados de
janeiro (quando terroristas atacaram a sede do jornal satírico “Charlie
Hebdo” em Paris, matando 12 pessoas). O diretor da Inteligência da PF
também foi à França. Ou seja: estamos conversando, trabalhando em
conjunto, há algum tempo. Agora mesmo há policiais brasileiros em Paris,
acompanhando nossas investigações (sobre os novos atentados, ocorridos
em 13 de novembro, que deixaram 130 mortos) — afirmou o delegado
francês.
CONTROLE DAS FRONTEIRAS É FRÁGIL
Mesmo com
toda a aproximação, Guiguet-Doron, que esteve na cidade esta semana
participando do “Briefing internacional de segurança para os Jogos de
2016”, na Escola de Guerra Naval, na Urca, não esconde haver
preocupações. Ele falou da possibilidade de um terrorista já estar no
Brasil e disse que a PF tem efetivo pequeno para cuidar da fronteira: — É muito difícil para o governo brasileiro controlar a fronteira. Na
França, temos dez mil policiais que cuidam exclusivamente das
fronteiras. No Brasil, a Polícia Federal tem 11 mil para atuar em todo o
país. Olhe o tamanho do Brasil e o compare com o da França. [a França tem dez mil policiais para cuidar apenas das fronteiras, sendo 1.183km de fronteiras terrestres e 378 litorâneas; já no Brasil a PF tem 11 mil para atuar em todo o Brasil e nossas fronteiras terrestres tem 15.791km e as litorânea 7.367km.
A partipação militar é mínima dada a carência de efetivos que também são prejudicados pela falta de apoio logístico.
Não podemos olvidar que a França faz fronteiras com países que a LEI e a ORDEM são a norma e também cuidam da proteção das suas fronteiras - o Brasil faz fronteiras com países com terroristas organizados e em número elevado (FARC-Colômbia), que praticam tráfico de armas e drogas.] Acho que o
governo brasileiro deveria reforçar a Polícia Federal com mais gente.
O adido também lembrou outra ameaça: — Aqui as armas de fogo são encontradas com facilidade — acrescentou.
— Com relação ao crime comum, não temos temor. O medo maior, não só
para a França como para outros países, é o risco de um ataque
terrorista. Por quê? Porque os Jogos Olímpicos têm uma visibilidade
muito grande. [a alegada abundância de armas no Brasil, apresentada pelo adido, é resultado da falta de controle de fronteiras.
E, certamente, o material bélico a ser usado em eventual ataque terrorista é bem mais poderoso que o usado no dia a dia dos criminosos brasileiros.
É verdade que na Copa 2014, o terror mesmo foi a fantástica goleada de 7x1 aplicados no Brasil pela Alemanha.]
Desde os ataques em Paris, o economista Sérgio Besserman, presidente
do Instituto Pereira Passos, tem dito que as autoridades responsáveis
pela segurança dos Jogos devem abrir um canal de troca de informações
com a comunidade internacional. Segundo ele, no entanto, é pouco
provável que se repitam no Rio os episódios ocorridos na França: — O terrorismo evita se repetir, para escapar às medidas preventivas
e, principalmente, gerar mais impacto e medo. Se tentarem aqui praticar
atos terroristas, serão diferentes dos que já aconteceram. De qualquer
maneira, é evidente que os riscos existem, mas podem ser reduzidos com a
prevenção. A concentração de eventos numa só cidade ajuda no trabalho
das forças antiterror. Mas não temos uma história de combate a esse
flagelo. Nesses casos, é sempre útil estabelecer parcerias com forças de
segurança de outros países com mais experiência na atividade
antiterrorista.
Para Leandro Piquet, professor do Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), não dá para medir no
momento o risco de o país ser palco de um atentado semelhante ao
ocorrido durante as Olimpíadas de Munique, na Alemanha, em 1972, quando
18 pessoas — entre atletas israelenses, terroristas palestinos e
policiais — foram mortas:
— O fato é que não devemos agir como se o risco fosse zero. Há
necessidade de preparação, e o primeiro desafio é conseguir algum grau
de integração entre os órgãos de segurança nacionais.
Outra preocupação é com a concentração de armas nas mãos de
traficantes cariocas, que poderiam negociá-las com terroristas. Segundo
Piquet, há no país características semelhantes às aproveitadas pelo
Estado Islâmico, grupo que praticou os atentados em Paris em 13 de
novembro. — Há enormes facilidades para qualquer organização terrorista atuar
no Brasil. Primeiro, há “territórios livres” perto da fronteira, o que
pode facilitar a entrada de pessoas e armas no país. Parte do território
da Colômbia ainda é controlado por uma narcoguerrilha. Segundo, comprar
um fuzil no Rio não exige qualquer conexão internacional. Há vendedores
locais que oferecem modelos como os utilizados nos atentados em Paris,
por preços reduzidos — disse Piquet.
O professor da USP vai mais longe: seria ingênuo, segundo ele, “achar
que essas vantagens logísticas, aproveitadas pelo crime organizado, não
serão igualmente usufruídas pelo terrorismo”: — Criminosos e terroristas se comunicam de forma muito semelhante com
seus fornecedores e parceiros nos negócios ilícitos. Se você quiser
comprar um fuzil, vai encontrar alguém vendendo.
ARMAS E EXPLOSIVOS COM CRIMINOSOS COMUNS
O
professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, historiador e cientista
político da UFRJ, destaca que, ao contrário dos grupos ETA (na Espanha) e
IRA (Grã-Bretanha), o terrorismo contemporâneo não tem um “teatro de
operações definido”. Ele busca locais de megaeventos e de grande afluxo
de turismo, por exemplo, garantindo assim a repercussão para suas ações. — Ele quer espetáculo. Assim, se o risco de uma ação terrorista é
grande na França, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, é bastante
possível que ele busque esses alvos em outros países, em locais onde,
por tradição, é baixo o risco de terrorismo e, consequentemente, baixo o
nível das medidas preventivas.
Vinícius Domingues Cavalcante, especialista em segurança de
autoridades e em ações terroristas, não têm dúvida de que há condições
de um atentado acontecer no país.
— Embora a fragilidade na segurança de nossas fronteiras permita que
armas, munições e explosivos sejam estocados aqui com grande
antecedência, não há qualquer impedimento para que terroristas obtenham
aqui mesmo todos os materiais de que necessitam. Há desde armas de fogo
militares até explosivos de posse de criminosos comuns.
Fonte: O Globo
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