A discussão sobre a legalidade da prisão do senador Delcídio Amaral peca pela base, pois cabe ao Supremo Tribunal Federal
definir a constitucionalidade dos atos juridicos e, portanto, como gosta
de lembrar o decano Celso de Mello, é do STF a última palavra, o
direito de errar por último.
É claro que se o STF começar a dar
interpretações politizadas sobre a constitucionalidade de certas leis,
[ou 'ler', como se constasse da Constituição, o que não está escrito no texto constitucional - caso da 'leitura' absurda do artigo 226 da CF, mais especificamente o $ 3º e que resultou na institucionalização do absurdo, imoral e nojento 'casamento' entre pessoas do mesmo sexo.] a com o intuito de proteger os poderosos do momento, teríamos então uma
séria ameaça à democracia. Neste caso, ao contrário, trata-se de evitar
que o crime vença a Justiça, como salientou a ministra Carmem Lucia.
A
proteção constitucional a parlamentares no exercício do mandato visa
resguardá-los, mas não pode servir para acobertar crimes, evidentes no
caso de Delcidio pela gravação feita pelo filho de Nestor Cerveró. A
segunda turma acolheu, por unanimidade, o voto do relator, ministro
Teori Zavascki, na linha do requerimento do Procurador-Geral da
República, decretando a prisão, pois o senador estaria em situação de
flagrância pela prática de crime de obstrução da Justiça, crime
permanente, e inafiançável, que só cessa quando o autor é impedido de
continuar sua ação.
Todos os requisitos, portanto, foram
obedecidos para a prisāo de um parlamentar no exercício do mandato,
inclusive a permissão do Senado que se dobrou à vontade da sociedade que
representa. O delito de organização criminosa também foi aventado e é
crime permanente, permitindo a prisāo em flagrante. Mas nāo é
inafiançável, e portanto não pode ser a base da prisāo de Delcidio,
embora possa vir a ser um dos crimes de que ele será acusado.
A questão controvertida que será suscitada pela defesa, ressalta o
criminalista Cosmo Ferreira, é se realmente se trata de organização
criminosa, que exige para se caracterizar estabilidade e permanência, ou
se a hipótese é de concurso de pessoas, prevista no artigo 29, caput,
do Código Penal, de natureza efêmera, o que afastaria a figura do crime
permanente e, em consequência, o estado de flagrancia.
O que é
preciso definir agora é o que se deve fazer com o senador preso em flagrante. Como esse tipo de prisāo nāo pode ter duração indefinida, será
preciso, para mantê-lo preso, decretar sua prisão preventiva, o que
torna inafiançável o crime de que é acusado. Mas aí entram seus
defensores alegando que um parlamentar nāo pode ter sua prisāo
preventiva decretada.
O constitucionalista Gustavo Binenbojm acha
que o Supremo terá que inovar em sua decisāo para impedir que o senador
seja posto em liberdade 24 horas depois de preso, o que daria à opinião
pública a sensaçāo de que a Justiça é impotente para punir figurōes
políticos.
Para Binenbojm, cumpridas as exigências
constitucionais para a prisāo do senador, ele deveria ser tratado como
qualquer outro cidadão preso em flagrante. Havendo motivos para a
decretaçāo da prisāo preventiva, nāo pode ser solto. Binenbojm ressalta
que o artigo da Constituiçâo que protege os parlamentares no exercício
do cargo é uma norma excepcional e deve ser interpretada de maneira
restritiva, de modo a nāo inviabilizar a persecuçāo penal. De outro
modo, a prerrogativa parlamentar se comverteria em privilégio odioso de
impunidade.
Fonte: Coluna do Merval Pereira - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário