Há uma crescente
apreensão da cidadania acerca do que poderá acontecer com a Operação Lava Jato num possível governo de transição, ao ser aprovado o impeachment da
presidente Dilma Rousseff. Esse temor generalizado – e,
diga-se, muito procedente – aumentou com a recente presença em São Paulo
dos célebres juízes da Mani Pulite (Mãos Limpas) Piercamillo
Davigo e Gherardo Colombo, que em entrevistas e seminários lembraram o
desmonte sistemático daquela histórica operação dos anos 1990 na Itália.
Há evidentes semelhanças entre a
Mani Pulite e a Lava Jato. E, por isso mesmo, devemo-nos prevenir para que não venha a nossa
Operação Lava Jato a ter o mesmo destino daquela. Apesar da prisão e condenação de centenas de políticos, empresários e
mafiosos, a Itália permaneceu tão ou ainda mais corrupta, inclusive sob o
atual governo do primeiro-ministro Matteo Renzi, que continua a fustigar o
Poder Judiciário, fiel seguidor que é da Forza Italia, de Silvio Berlusconi,
seu maior aliado.
A razão evidente é que, após a
desagregação dos partidos e a prisão de várias centenas de corruptos, nas práticas políticas italianas
tudo se compra e tudo se vende, em dinheiro contante ou em contas na Suíça, tal qual ocorre entre nós sob o patrocínio
do governo do PT. Há, porém, uma diferença.
Na
Itália, Berlusconi legalizou a corrupção alguns anos
após as condenações e a dissolução dos partidos políticos decorrentes da
Operação Mani Puliti. Entre nós a
coisa é mais grave: a legalização da corrupção se dá agora mesmo, em pleno
curso dos processos da Operação Lava Jato. A partir do
início de 2015 a presidente Dilma,
por diversos decretos, portarias e medidas provisórias, vem desfigurando e revogando a Lei Anticorrupção.
Todos
esses monstrengos normativos procuram “salvar”
as empreiteiras que integram o cartel da Petrobras, sob a falácia de que “são indispensáveis para o aperfeiçoamento
tecnológico (?!) e a preservação de empregos”.
Nesse ponto há uma coincidência
com a Mani Pulite. Lá,
como nos lembra Donatella Della Porta, na
revista VEJA de 30 de março, o fracasso da Operação Mani Pulite
se deu porque se procurou proteger as empresas corruptas. Um equivocado entendimento dos próprios juízes centrou as condenações
nas pessoas físicas dos seus diretores.
Resultado: conhecidas empresas, que sempre operaram a corrupção
no seio do governo, contrataram novos diretores e continuaram a delinquir,
agora com mais sofisticação nesse esquema perverso, de desperdício absoluto de
recursos públicos. Isso torna a Itália um país desacreditado na União Europeia
e desmoralizado internacionalmente, não oferecendo nenhuma segurança jurídica
nas relações público-privado. As empresas permaneceram com os mesmos donos, ou
seja, com as mesmas tradicionais “famílias”,
tal como aqui, no Brasil.
Essa experiência frustrante não
pode ser permitida no futuro imediato. O governo de transição, que se instalará depois do fundamentado
impeachment, tem de promover,
desde o primeiro dia de sua posse, o desmonte do entulho legislativo que,
ao longo de 2015, a presidente Dilma promoveu em prol
das empreiteiras corruptas, para anistiá-las e permitir que retomem – pasmem! – as obras superfaturadas que largaram em péssimo estado, e
ainda que contratem novas com o governo federal.
A
primeira providência é criar condições imediatas no Congresso Nacional para aprovação das dez medidas legislativas
contra a corrupção elaboradas pelo Ministério Público Federal mediante
iniciativa popular, com mais de 2
milhões de assinaturas da cidadania brasileira. E também a aprovação
urgente do projeto do senador Cássio Cunha Lima que cria o regime
de Performance Bond nas obras do governo, para quebrar a interlocução
direta entre as empreiteiras e os agentes públicos.
Providência concomitante a ser
tomada é a retirada imediata da famigerada Medida
Provisória
(MP) n.º 703, editada no apagar das luzes de 2015, forjada nos laboratórios
sinistros do Ministério da Justiça, da Controladoria-Geral da União (CGU) e da
Advocacia-Geral da União (AGU), para ressuscitar as empreiteiras envolvidas na
Lava Jato.
Dentre outras barbaridades, a MP
n.º 703 isenta de qualquer penalidade a primeira empreiteira
corrupta que firmar o simulacro de acordo de leniência com a desmoralizada CGU (artigo
16, § 2.º, III). Acontece que uma primeira empreiteira já havia firmado o “acordo de leniência” em outubro de 2015,
dois meses antes
da MP n.º 703. Nunca se viu nada parecido neste país: um delito de
favorecimento publicado no Diário Oficial!
Mas não basta. O
eventual governo de transição deve revogar o Decreto n.º 8.420, de março de
2015, que, a pretexto de “regulamentar”
a Lei Anticorrupção, estabeleceu, dentre outras medidas indecorosas, que aos
ministros do governo Dilma cabe instaurar e julgar os processos administrativos
contra as empreiteiras corruptas. Dá
para acreditar?
Deve,
outrossim, ser editada medida provisória que revogue a
Lei n.º 13.190, de 2015, originada da Medida Provisória n.º 678 do mesmo ano, com a restauração plena da Lei n.º 8.666,
de 1993. Aquela excrescência legislativa institui o “Regime Diferenciado de Contratações”. Por meio dele não deve mais a administração pública elaborar o projeto
técnico das obras, cabendo às próprias empreiteiras tal encargo. Com isso se generaliza, para sempre, o festival de corrupção que
marcou as obras “emergenciais” da Copa do Mundo de 2014, com seus
superfaturamentos e aditivos de dezenas de bilhões. Esse regime odioso permite que os cartéis de empreiteiras continuem a
mandar no Brasil.
Muito mais deve ser
feito, de pronto. A cidadania está alerta.
Fonte: Modesto Carvalhosa - Estadão
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