A
escalação da equipe de Michel Temer obedeceu claramente ao critério da
arte do possível diante da emergência. Daí a opção por montar um
Ministério pragmático em face da necessidade de assegurar
comprometimento do Congresso com as medidas a serem apresentadas a
partir da semana que vem pelo governo. A dita equipe de notáveis poderia
render uma boa propaganda, mas não corresponder em eficácia.
O
desempenho do governo de transição, no entanto, deverá responder ao
desafio de fazer o quase impossível: reconstruir em dois anos e meio uma
obra que o PT levou quase 14 anos para destruir – a credibilidade do
Brasil na economia, na diplomacia, na política, na capacidade de
aperfeiçoar instrumentos de controle de condutas na gestão da máquina
pública.
Embora seja missão inexequível em sua totalidade dado o
curto prazo e o tamanho do buraco, é isso que a sociedade espera a fim
de que em breve não chegue à conclusão de que o afastamento de Dilma
Rousseff não valeu a pena. A boa notícia é que o grupo encarregado de
fazer essa transição para a “normalidade” tem plena consciência disso. É
dono de aguçado senso de realidade. A ótima notícia é que o destino dos
que assumem o poder depende da obtenção de êxito.
Se para o País
será excelente se conseguirem, para suas excelências será, política e
eleitoralmente falando, melhor ainda. O oposto vale em toada de
vice-versa: se der errado estaremos encrencados, mas eles estarão
acabados. Êxito ou fracasso dependerão de como esse pessoal vai
lidar com as velhas práticas do chamado presidencialismo de coalizão (há
duas formas de fazer, decente ou indecente), da manutenção do
compromisso de não tentar desqualificar a Operação Lava Jato nem
proteger esse ou aquele envolvido e do cumprimento estrito do roteiro
apresentado no primeiro discurso de Michel Temer e um pouco mais
detalhado ontem por Henrique Meirelles, Eliseu Padilha, Romero Jucá e
Ricardo Barros.
Tanto o presidente em exercício quanto os
ministros da Fazenda, da Casa Civil, do Planejamento e da Saúde (falando
ainda na condição de relator do Orçamento no Congresso) mostraram
sintonia com as expectativas gerais. A começar por Meirelles, que foi
direto ao ponto principal ao estabelecer um compromisso com a verdade.
Um governo dizer a verdade parece óbvio, mas na atual conjuntura é ganho
significativo.
Ao que disseram, sai do cenário o ilusionismo de
palanque para entrar o diálogo e a negociação com base em dados
realistas sobre a situação das contas e as necessidades das reformas.
Esse primeiro momento, aliás, marcou outra diferença: a discurseira dá
lugar à prestação de esclarecimentos por intermédio de entrevistas para
as quais os ministros parece que terão autonomia sobre as respectivas
pastas. Comunicação esta que é o único modo de tratar a população como
adulta e proprietária de discernimento.
E o fisiologismo velho de
guerra que por tantos anos foi adotado como modus operandi – com
entusiasmo, por parte do PMDB –, como fica? Padilha, da Casa Civil,
encarregou-se de explicitar o tirocínio peemedebista na identificação do
rumo dos ventos: “A sociedade repudia a corrupção e exige eficiência.
Disse isto nas manifestações de rua. Portanto, precisamos todos entender
que é hora de mudar”.
Faltou acrescentar: “Ou seremos mudados”.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Dora Kramer
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