Lava-Jato ajudou a dizimar partido. Mas se a economia estivesse caminhando bem, como no mensalão, o povão seria mais tolerante
Domingo à noite, já conhecidos os principais resultados eleitorais, fui a um restaurante paulistano daqueles bem ecumênicos. Ali se cruzam políticos, economistas, profissionais liberais, executivos dos setores público e privado, um ambiente que se chamaria de elite intelectual, formadores de opinião, por aí. E sendo São Paulo, há uma clara dominância de tucanos e petistas.
Reparem: no eleitorado, o PSDB tem dado banhos seguidos. Mas o PT ainda é mais forte na elite do que no povão. Bem mais forte. Por exemplo: em eleições simuladas entre alunos de ensino médio em colégios caros da cidade de São Paulo, Fernando Haddad ganhava no primeiro turno. Isso resulta do espírito socialista da juventude - hoje centrado em temas que vão da igualdade de gêneros e racial, até as famosas ciclovias - turbinado por uma verdadeira doutrinação aplicada por professores entre os quais ser do PT é até moderado.
Tudo considerado, caem na esquerda: ciclovias, parada gay, pichação, fechar avenidas aos domingos, atrapalhar tudo que é privado. Vão para a direita: 90 km/h nas avenidas marginais, abrir ruas aos carros, privatizar até cemitérios, ganhar dinheiro. O Uber é gozado. Sendo uma multinacional americana, deveria ser odiada pela elite/esquerda, mas, sabem como é, quebra um galho, funciona tão bem - melhor deixar pra lá.
Já os funcionários daquele restaurante onde iniciamos esta história votaram quase todos no tucano João Dória - que, aliás, não faz parte do grupo típico de frequentadores. Mais exatamente, os garçons, caixas e cozinheiros votaram contra o PT. Não, não são de direita. São trabalhadores, por isso são anti-petistas. Simples: dois anos atrás, o restaurante tinha o dobro de funcionários. A crise foi cortando cabeças e espalhando o temor entre os que ficavam. Temor e mais serviço, do que, aliás, não reclamavam. Ao contrário, contavam animados que o movimento estava voltando.
A Lava Jato ajudou a dizimar o PT. Mas se a economia estivesse caminhando bem, como estava na época do mensalão, o povão seria mais tolerante. Até deixaria passar a tese de que roubar era coisa de rico. O mensalão é dinheiro de troco diante do petrolão. Também era mais difícil de entender, porque os culpados juraram inocência até o fim. Já agora, o pessoal confessa o roubo de centenas de milhões de reais e dólares, ao vivo na tevê. E não dá para dizer que roubam mas fazem, ou que roubam para ajudar o partido do povo. Como dizer isso diante de 12 milhões de desempregados, inflação acima de 10% ao ano, perda do poder aquisitivo e colapso dos serviços públicos?
Ora, o partido não se desviou para a direita. Se desviou para a corrupção e para a velha politicagem brasileira - aliás também condenada pelo "não-voto" (nulos, brancos e abstenções). Caímos no pior dos mundos: uma política econômica da esquerda falida, a bolivariana, tocada por um partido que aderiu às piores práticas dos velhos políticos.
Momento difícil, portanto. A eleição deixou mais perdedores do que vencedores. Os eleitores condenaram o PT, a esquerda velha e corrupta, o modo de fazer política que nos atrasa há tanto tempo. Mas não ficou claramente de pé uma nova agenda, a das reformas liberais e pró-mercado. O prefeito eleito de São Paulo, João Dória, falou dessa agenda. Também a defendeu o prefeito reeleito de Salvador, ACM Neto, campeão de votos. A questão é saber se foram eleitos principalmente por causa dessa agenda ou se o fator dominante foi a onda anti-PT e anti-políticos. Saberemos ao longo dos próximos meses, dependendo, sim, da atuação desses prefeitos, mas que é limitada e local.
O serviço maior para a saída da crise depende do da atuação do presidente Temer e sua base de deputados e senadores. Sim, daqueles nos quais o povo não votou.
Complicado.
Por: Carlos Alberto Sardenberg - jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário