Segundo o ministro que sai, aquele que fica o pressionou a ignorar um parecer técnico do Iphan tendo como principal argumento o interesse pessoal
As polêmicas
todas que envolveram Marcelo Calero, já ex-ministro da Cultura, eram
irrelevantes e tinham, na verdade, uma raiz ideológica. A pasta lida com
artistas, grupo em que se encontram as pessoas mais, como posso dizer?,
“mobilizadas” politicamente. A pena que a gente sente é que a
ignorância específica da turma costuma ser proporcional às suas crenças
genéricas. Calero, então, levou uma vaia aqui, outra ali; ouviu alguns
gritinhos de “golpista” e tal. Ah, sim! Houve também a importantíssima
questão da vaquejada… Seria ou não uma “manifestação da cultura
nacional”?
Há assuntos a
que a preguiça existencial me impede de chegar. Nem deu tempo de saber
se Calero funcionaria ou não na pasta. Fez um bom trabalho no Rio quando
secretário da área e é um homem inteligente e educado. Mas está fora.
Por que razão? Não havendo
outro motivo conhecido, devemos levar a sério o que diz: o motivo
principal foi um desentendimento com Geddel Vieira Lima (Secretaria de
Governo), que não é conhecido por ser muito tolerante com quem não faz o
que ele quer. Também é notória a sua, digamos, “assertividade”, que
mais de uma pessoa já definiu, e o ministro que sai também o faz, como
truculência. O caso é grave, sim.
Segundo
Calero, Geddel queria que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), órgão subordinado à Cultura, aprovasse um projeto
imobiliário chamado “La Vue Ladeira da Barra”, nos arredores de uma área
tombada em Salvador, base política de Geddel. A abordagem,
inicialmente, teria assumido a roupagem de interesse social e econômico.
Mais adiante, Geddel teria revelado: havia comprado um apartamento do
empreendimento. Assim, cuidava também do próprio interesse.
O Iphan da
Bahia, controlado por Geddel, havia liberado o empreendimento, mas o
Iphan nacional acabou vetando, ao menos na forma planejada pela
empreiteira. A torre de 30 andares teria de ser reduzida para 13.
Segundo Calero, o titular da Secretaria de Governo usou, então, um
argumento de impressionante rigor técnico: “Já me disseram que o Iphan
vai determinar a diminuição dos andares. E eu, que comprei um andar
alto, como é que eu fico? E as famílias que compraram aqueles imóveis?
Eu comprei com a maior dificuldade com a minha mulher”.
Pois é… A pressão de Geddel teria chegado até a presidente do Iphan, Kátia Bogéa. Relata Calero à Folha:
“Eu chamei a
Kátia e falei o que estava acontecendo, mas disse que, ao contrário do
que ele pediu, eu queria uma solução técnica. Uma preocupação que eu
tive foi a seguinte: eu sou um cidadão de classe média, servidor
público, diplomata de carreira. O único bem relevante que eu tenho na
minha vida é a minha reputação, a minha honra. Fiquei extremamente
preocupado de eu estar sendo gravado e, no final das contas, eu poder
estar enrolado —imagina!— com interesse imobiliário de Geddel Vieira
Lima na Bahia. Pelo amor de Deus! Fiquei preocupado de estar diante de
uma prevaricação minha, podia estar diante de uma advocacia
administrativa, para dizer o mínimo. Pensei em procurar o Ministério
Público, a PF. Depois de conversar com Kátia, fui ao ministro Geddel,
com quem eu tinha um despacho, e ele falou que o pleito dele era
plausível e eu dizia: “Vamos ver” e que a decisão seria técnica. Depois
disso, eu disse para a Kátia: “Tome a decisão que tiver de tomar. Se eu
perder o meu cargo por isso, não há problema. Eu saio. Eu só não quero
meu nome envolvido em lama, em suspeita, qualquer que seja, de que
qualquer agente público possa ser supostamente beneficiado pelo fato de
que ele exerce pressão sobre mim”.
Governo tem de se pronunciar
A acusação é
grave, sim, e o governo tem de se pronunciar. Alguém poderá objetar que
divergências sobre um projeto imobiliário na Bahia não têm tanta
importância. Errado! O ministro que sai está acusando aquele que fica —
tido como homem forte da área política — de exigir que se ignore um
parecer técnico em nome de uma conveniência que nem chega a ser
política: é apenas pessoal.
Não pode ficar assim.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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