Morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis
Pelos
padrões tradicionais, nos países desenvolvidos, a esquerda aumenta
impostos dos mais ricos e das empresas para gastar em programas sociais;
a direita reduz impostos das corporações e dos mais ricos, na
expectativa de que as primeiras invistam e os segundos consumam mais,
gastando assim na economia real o que deixam de enviar para o governo. A
esquerda quer distribuir renda e fazer justiça social. A direita acha
que o gasto de corporações e ricos gera mais negócios e, pois, mais
empregos.
A esquerda acha que é preciso proteger os trabalhadores e os empresários nacionais, restringindo importações e investimentos externos. A direita pensa o contrário, que fronteiras abertas estimulam positivamente a competição. Esquerda, na Europa, são, ou melhor, eram os partidos trabalhistas, socialistas, social-democratas etc. Nos EUA, o Partido Democrata. Direita, na Europa, eram os partidos conservadores, com nomes variados, até como o Partido Popular da Espanha. Na Europa, liberal é da direita. Nos EUA, é da esquerda.
Já faz tempo que é difícil classificar os movimentos políticos com aquelas categorias. A globalização e a vida moderna trouxeram fatos que bagunçaram os conceitos tradicionais.
Nos anos 90, por exemplo, liberais à EUA, como Bill Clinton, e trabalhistas europeus, como Tony Blair, foram campeões de medidas pró-mercado — desregulamentação, reformas, privatizações etc. — e pró-globalização, com a assinatura de acordos mundiais e regionais de livre comércio. Era a nova esquerda, diziam.
Os anos foram passando e a globalização/livre comércio produziu seus efeitos. Gerou um fortíssimo crescimento econômico global, dos anos 90 até a crise financeira de 2008/09. O comércio mundial chegou a crescer mais de 10% ao ano — hoje, se cresce, já está mais que bom. A globalização deslocou fábricas para os países emergentes, que também se tornaram ganhadores. Exemplo principal, a China. Mas todo o mundo emergente cresceu a taxas vigorosas. Milhões de pessoas deixaram a zona de pobreza, surgiram as novas classes médias.
Mas também apareceram os perdedores. Considere os EUA. Foi o país que melhor surfou na onda global. Ali surgiu a indústria do século XXI, toda ela em torno da tecnologia da informação: Microsoft, Google, Amazon, Facebook, Apple. Mas dali partiram as fábricas de automóveis, eletrônicos e vestuário, que foram para a Ásia e América Latina. O iPhone traz a inscrição: “Projetado pela Apple na Califórnia. Montado na China”. É o exemplo perfeito: a inteligência da coisa está na Apple da Califórnia (repararam, nem citam os EUA); a parte mecânica, a fundição e a montagem das peças estão na China, em geral, nem citam o nome da fábrica, pois o aparelho pode ser montado em várias ou em qualquer uma.
Do que o consumidor pagar no celular, 90% acabam ficando para a Apple. Mas Detroit das fábricas de automóvel ficou parecida com uma cidade fantasma. A morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis, operários sem curso superior, homens e mulheres de mais idade, que não se conseguiam se adequar aos novos tempos.
Enquanto as coisas avançavam, os protestos antiglobalização não prosperavam. Mesmo a chegada de imigrantes aos países mais prósperos passava sem problemas. Tinha emprego para eles. Até que veio a crise de 2008/09, que espalhou recessão mundo afora.
Todos perderam, mas os que já eram perdedores sofreram muito mais. Esses perdedores elegeram Donald Trump, assim como votaram pelo Brexit.É simples assim, mas também mais complicado. Por exemplo, ao mesmo tempo que elegeram Trump, os americanos aprovaram a liberação da maconha em muitos estados.
Aparentemente, não combina. Os eleitores de Trump são conservadores, interioranos, contra o aborto, o casamento gay e as drogas. Mas, pensando bem, são votos diferentes, mostrando agendas diferentes. Os eleitores de Trump querem fechar as fronteiras no sentido amplo: de construir muros a cortar importações e barrar imigrantes. É a principal promessa de Trump — o protecionismo populista. O outro voto é da parte da sociedade que se chamaria hoje liberal. Esta agenda avança, mas agora, nos EUA, enfrentará mais bloqueios.
Quanto ao protecionismo, nacionalista-populista, de Trump, disso sabemos bem por aqui: não funciona. Protege alguns empregos, mas a perda de produtividade breca o crescimento. E pode terminar em inflação, pelo aumento de custos da importação, por exemplo, e pela perda de competição. Não há como transferir as montadoras de iPhone para os EUA. Vai ficar mesmo mais caro. Se é mesmo que Trump vai conseguir fazer o que disse. Mas de direita, ele não é. Antigamente, protecionismo nacionalista era de esquerda. Mas Trump de esquerda?
Digamos que o eleitor americano tinha motivos para se equivocar.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
A esquerda acha que é preciso proteger os trabalhadores e os empresários nacionais, restringindo importações e investimentos externos. A direita pensa o contrário, que fronteiras abertas estimulam positivamente a competição. Esquerda, na Europa, são, ou melhor, eram os partidos trabalhistas, socialistas, social-democratas etc. Nos EUA, o Partido Democrata. Direita, na Europa, eram os partidos conservadores, com nomes variados, até como o Partido Popular da Espanha. Na Europa, liberal é da direita. Nos EUA, é da esquerda.
Já faz tempo que é difícil classificar os movimentos políticos com aquelas categorias. A globalização e a vida moderna trouxeram fatos que bagunçaram os conceitos tradicionais.
Nos anos 90, por exemplo, liberais à EUA, como Bill Clinton, e trabalhistas europeus, como Tony Blair, foram campeões de medidas pró-mercado — desregulamentação, reformas, privatizações etc. — e pró-globalização, com a assinatura de acordos mundiais e regionais de livre comércio. Era a nova esquerda, diziam.
Os anos foram passando e a globalização/livre comércio produziu seus efeitos. Gerou um fortíssimo crescimento econômico global, dos anos 90 até a crise financeira de 2008/09. O comércio mundial chegou a crescer mais de 10% ao ano — hoje, se cresce, já está mais que bom. A globalização deslocou fábricas para os países emergentes, que também se tornaram ganhadores. Exemplo principal, a China. Mas todo o mundo emergente cresceu a taxas vigorosas. Milhões de pessoas deixaram a zona de pobreza, surgiram as novas classes médias.
Mas também apareceram os perdedores. Considere os EUA. Foi o país que melhor surfou na onda global. Ali surgiu a indústria do século XXI, toda ela em torno da tecnologia da informação: Microsoft, Google, Amazon, Facebook, Apple. Mas dali partiram as fábricas de automóveis, eletrônicos e vestuário, que foram para a Ásia e América Latina. O iPhone traz a inscrição: “Projetado pela Apple na Califórnia. Montado na China”. É o exemplo perfeito: a inteligência da coisa está na Apple da Califórnia (repararam, nem citam os EUA); a parte mecânica, a fundição e a montagem das peças estão na China, em geral, nem citam o nome da fábrica, pois o aparelho pode ser montado em várias ou em qualquer uma.
Do que o consumidor pagar no celular, 90% acabam ficando para a Apple. Mas Detroit das fábricas de automóvel ficou parecida com uma cidade fantasma. A morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe média trabalhadora, colarinhos azuis, operários sem curso superior, homens e mulheres de mais idade, que não se conseguiam se adequar aos novos tempos.
Enquanto as coisas avançavam, os protestos antiglobalização não prosperavam. Mesmo a chegada de imigrantes aos países mais prósperos passava sem problemas. Tinha emprego para eles. Até que veio a crise de 2008/09, que espalhou recessão mundo afora.
Todos perderam, mas os que já eram perdedores sofreram muito mais. Esses perdedores elegeram Donald Trump, assim como votaram pelo Brexit.É simples assim, mas também mais complicado. Por exemplo, ao mesmo tempo que elegeram Trump, os americanos aprovaram a liberação da maconha em muitos estados.
Aparentemente, não combina. Os eleitores de Trump são conservadores, interioranos, contra o aborto, o casamento gay e as drogas. Mas, pensando bem, são votos diferentes, mostrando agendas diferentes. Os eleitores de Trump querem fechar as fronteiras no sentido amplo: de construir muros a cortar importações e barrar imigrantes. É a principal promessa de Trump — o protecionismo populista. O outro voto é da parte da sociedade que se chamaria hoje liberal. Esta agenda avança, mas agora, nos EUA, enfrentará mais bloqueios.
Quanto ao protecionismo, nacionalista-populista, de Trump, disso sabemos bem por aqui: não funciona. Protege alguns empregos, mas a perda de produtividade breca o crescimento. E pode terminar em inflação, pelo aumento de custos da importação, por exemplo, e pela perda de competição. Não há como transferir as montadoras de iPhone para os EUA. Vai ficar mesmo mais caro. Se é mesmo que Trump vai conseguir fazer o que disse. Mas de direita, ele não é. Antigamente, protecionismo nacionalista era de esquerda. Mas Trump de esquerda?
Digamos que o eleitor americano tinha motivos para se equivocar.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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