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domingo, 2 de abril de 2017

O homem endividado e a fome insaciável dos bancos

Sou um homem endividado e ser um homem endividado é a pior coisa que poderia ter acontecido na minha vida, incluindo a artrose no joelho e a escassez de títulos do meu time.

Há 5 anos, tomei a decisão que arruinou tudo: construir uma casa que não era para o meu bico. Sabe qual é o fim da história? Vou resumir em uma palavra: dancei.  Fiz o humilde teto porque eu acreditava no Brasil (pode rir agora).  A economia pulsava e o otário aqui arranjou meia dúzia de empréstimos bancários para investir em tijolos e vasos sanitários de uma marca bacana.Mas, que porcaria (falando em privadas…), sou jornalista e o mercado jornalístico derreteu nos últimos anos. Junte a isso a Lava-Jato (que parou tudo), o PIB eunuco, a fome insaciável dos bancos e a péssima reputação que devo ter na praça. Resultado: quebrei.

Agora mesmo, depois de criar coragem, fui consultar o saldo devedor do cartão de crédito. Como não paguei a fatura anterior, a dívida quase dobrou. Imagino o diretor da instituição financeira com o extrato em mãos: “Yes, peguei o pateta do Amauri.”  O homem endividado faz o diabo para viver. Ele pega dinheiro emprestado, e o parente deixa de ser aquela figura fofa e querida para ser o credor. Ele saca dinheiro com o cartão de crédito sem prestar atenção nos custos hiperbólicos.  Ele aumenta o limite do cheque especial, faz empréstimo consignado e vende os vinis do Clash e do Kid Abelha (ah, anos 80).

Ele ouve uma saraivada de nãos: do gerente do banco, da moça da Vivo, do cara da Net. Ele não atende mais o telefone (é só cobrança mesmo).  Ele não sai, não se diverte, não pensa em outra coisa a não ser saquear o supermercado mais próximo. O homem endividado tem a palavra “culpado” cravada na testa, mas ele sabe que o sistema financeiro (“o horror, o horror”) não é santo nessa história.O homem endividado “está perdido numa floresta escura de remorso” (a frase é do Jonathan Franzen).

O homem endividado só não pode perder a capacidade de rir de si próprio. Ou vai dar merda.
O homem endividado aumenta o limite do cheque especial, faz empréstimo consignado e vende os vinis do Clash e  do Kid Abelha

Por: Amauri Segalla - IstoÉ 

 

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