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terça-feira, 20 de agosto de 2019

Interferência indevida - Editorial

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro tem se dedicado a constranger órgãos de controle e investigação, que por definição devem estar a salvo de pressões política

O presidente Jair Bolsonaro tem se dedicado nos últimos dias a constranger órgãos de controle e investigação, que por definição devem estar completamente a salvo de pressões políticas – afinal, depois de tantos protestos dos cidadãos contra a corrupção, o mínimo que se espera é que não haja mais no País quem consiga escapar da lei em virtude de conexões e boas relações com quem está ocupando temporariamente o poder. 
 
A mais recente crise foi deflagrada no dia 15, quando Bolsonaro tornou pública sua insatisfação com o superintendente da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, e anunciou sua substituição. Ou seja, passou por cima de várias instâncias na cadeia de comando na PF, subordinada ao ministro da Justiça, Sergio Moro, para satisfazer sabe-se lá que interesses pessoais. As dúvidas sobre as motivações do presidente acentuaram-se ainda mais quando este anunciou que o substituto do superintendente Saadi seria o delegado Alexandre Saraiva, atual superintendente da PF no Amazonas e que é amigo da família Bolsonaro. A situação é inusitada: o presidente pode vetar qualquer nome indicado para ocupar cargos na PF, mas quem nomeia os superintendentes é o diretor-geral do órgão, e não o presidente da República, exatamente para evitar indicações políticas. [detalhe: o diretor-geral do órgão, no caso a PF, é nomeado pelo ministro da Justiça, que é nomeado pelo presidente da República.]
 
Segundo informou reportagem do Estado, a avaliação no Palácio do Planalto é que o superintendente Saadi não fez o bastante para impedir “desmandos” nas investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente. Quando era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro tinha um assessor, Fabrício Queiroz, que, embora modesto, movimentou R$ 1,2 milhão em sua conta – fenômeno até agora sem explicação convincente. [a conduta de Queiroz está até agora com a classificação dada pelo então  Coaf - hoje Unidade de Inteligência Financeira -  qual seja: 'movimentações atípicas' que não são, necessariamente, ilegais.] Essa situação é objeto de investigação, que tem levado a mais perguntas do que a respostas, em especial sobre uma suposta relação entre a família Bolsonaro e as milícias no Rio de Janeiro.
“Quem manda sou eu, vou deixar bem claro”, disse o presidente Bolsonaro a propósito da troca na Polícia Federal. “Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”, acrescentou o presidente, reafirmando pela enésima vez seu poder. Das duas, uma: ou o presidente está inseguro sobre suas prerrogativas ou está convencido de que as urnas lhe conferiram um poder que não pode ser tolhido por limites institucionais – isto é, o poder do grito. Como a ilustrar esse estado de ânimo, Bolsonaro disse que não será um “presidente banana”.

A truculenta interferência de Bolsonaro na PF causou previsível reação dos policiais federais, cuja insatisfação ameaçou gerar grave crise interna, pressionando o ministro Sergio Moro. Para reduzir a fervura, Bolsonaro, a pedido de Moro, aceitou a nomeação de outro delegado para a Superintendência no Rio. A crise na PF não foi o único tumulto causado pelo estilo do presidente Bolsonaro de governar em atenção a seus interesses familiares. Depois de acusar a Receita Federal de promover uma “devassa na vida financeira” de alguns de seus parentes, Bolsonaro determinou a substituição do superintendente do órgão no Rio e dos delegados da Receita no Porto de Itaguaí (RJ) e na Barra da Tijuca. [a Receita Federal, sob o comando do Marcos Cintra - o obcecado pela CPMF, tem se destacado por investigar autoridades da República, o que é sua obrigação já que todos são iguais, mas, tal comportamento tem causado desagrado não só ao presidente Bolsonaro - tanto que um ministro do STF, proibir que mais de cem nomes fossem investigados - entre os nomes além de ministros do Supremo, há também os de  esposas de ministros.
 
A pressão de Bolsonaro coincidiu com as investigações da Receita a respeito de crimes praticados por milícias em operações no Porto de Itaguaí. Em mensagem a colegas, o delegado da Receita no Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, denunciou interferência de “forças externas que não se coadunam com os objetivos da fiscalização”. O caso todo gerou um princípio de rebelião no comando da Receita.
Ao levantar suspeitas sobre a atuação da PF e da Receita Federal em assuntos de seu interesse, Bolsonaro constrange de modo inaceitável o trabalho desses órgãos, cujas eventuais providências a respeito da família do presidente doravante tendem inevitavelmente a ser julgadas não por seu aspecto técnico, mas sim à luz desse atrito – ou seja, a isenção da PF e da Receita estará sempre sob dúvida. Agindo dessa maneira, o presidente viola claramente o princípio constitucional da impessoalidade, que jurou respeitar, e sinaliza disposição de colocar a si e a seus familiares na condição privilegiada de inimputáveis. [devido a menção na frase final do 'princípio constitucional da impessoalidade', surge a imposição incontornável de destacar que ministros do Supremo, órgão máximo do Poder Judiciário e guardião da Constituição, também estão sendo beneficiados pela condição de inimputáveis,  cometendo a mesma violação  atribuída na frase sob comento ao Presidente Bolsonaro.]


Editorial - O Estado de S. Paulo



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