O Estado de S. Paulo
Bolsonaro tem se dedicado a constranger órgãos de controle e investigação, que por definição devem estar a salvo de pressões política
A mais recente crise foi
deflagrada no dia 15, quando Bolsonaro tornou pública sua insatisfação
com o superintendente da Polícia Federal (PF) no Rio de Janeiro, Ricardo
Saadi, e anunciou sua substituição. Ou seja, passou por cima de várias
instâncias na cadeia de comando na PF, subordinada ao ministro da
Justiça, Sergio Moro, para satisfazer sabe-se lá que interesses
pessoais. As dúvidas sobre as
motivações do presidente acentuaram-se ainda mais quando este anunciou
que o substituto do superintendente Saadi seria o delegado Alexandre
Saraiva, atual superintendente da PF no Amazonas e que é amigo da
família Bolsonaro. A situação é inusitada: o presidente pode vetar
qualquer nome indicado para ocupar cargos na PF, mas quem nomeia os
superintendentes é o diretor-geral do órgão, e não o presidente da
República, exatamente para evitar indicações políticas. [detalhe: o diretor-geral do órgão, no caso a PF, é nomeado pelo ministro da Justiça, que é nomeado pelo presidente da República.]
Segundo informou reportagem do Estado,
a avaliação no Palácio do Planalto é que o superintendente Saadi não
fez o bastante para impedir “desmandos” nas investigações que envolvem o
senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente. Quando era
deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro
tinha um assessor, Fabrício Queiroz, que, embora modesto, movimentou R$
1,2 milhão em sua conta – fenômeno até agora sem explicação convincente.
[a conduta de Queiroz está até agora com a classificação dada pelo então Coaf - hoje Unidade de Inteligência Financeira - qual seja: 'movimentações atípicas' que não são, necessariamente, ilegais.] Essa situação é objeto de investigação, que tem levado a mais perguntas
do que a respostas, em especial sobre uma suposta relação entre a
família Bolsonaro e as milícias no Rio de Janeiro.
“Quem manda sou eu, vou
deixar bem claro”, disse o presidente Bolsonaro a propósito da troca na
Polícia Federal. “Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem
manda sou eu”, acrescentou o presidente, reafirmando pela enésima vez
seu poder. Das duas, uma: ou o presidente está inseguro sobre suas
prerrogativas ou está convencido de que as urnas lhe conferiram um poder
que não pode ser tolhido por limites institucionais – isto é, o poder
do grito. Como a ilustrar esse estado de ânimo, Bolsonaro disse que não
será um “presidente banana”.
A truculenta
interferência de Bolsonaro na PF causou previsível reação dos policiais
federais, cuja insatisfação ameaçou gerar grave crise interna,
pressionando o ministro Sergio Moro. Para reduzir a fervura, Bolsonaro, a
pedido de Moro, aceitou a nomeação de outro delegado para a
Superintendência no Rio. A crise na PF não foi o
único tumulto causado pelo estilo do presidente Bolsonaro de governar em
atenção a seus interesses familiares. Depois de acusar a Receita
Federal de promover uma “devassa na vida financeira” de alguns de seus
parentes, Bolsonaro determinou a substituição do superintendente do
órgão no Rio e dos delegados da Receita no Porto de Itaguaí (RJ) e na
Barra da Tijuca. [a Receita Federal, sob o comando do Marcos Cintra - o obcecado pela CPMF, tem se destacado por investigar autoridades da República, o que é sua obrigação já que todos são iguais, mas, tal comportamento tem causado desagrado não só ao presidente Bolsonaro - tanto que um ministro do STF, proibir que mais de cem nomes fossem investigados - entre os nomes além de ministros do Supremo, há também os de esposas de ministros.
A pressão de Bolsonaro
coincidiu com as investigações da Receita a respeito de crimes
praticados por milícias em operações no Porto de Itaguaí. Em mensagem a
colegas, o delegado da Receita no Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de
Oliveira, denunciou interferência de “forças externas que não se
coadunam com os objetivos da fiscalização”. O caso todo gerou um
princípio de rebelião no comando da Receita.
Ao levantar suspeitas
sobre a atuação da PF e da Receita Federal em assuntos de seu interesse,
Bolsonaro constrange de modo inaceitável o trabalho desses órgãos,
cujas eventuais providências a respeito da família do presidente
doravante tendem inevitavelmente a ser julgadas não por seu aspecto
técnico, mas sim à luz desse atrito – ou seja, a isenção da PF e da
Receita estará sempre sob dúvida. Agindo dessa maneira, o presidente
viola claramente o princípio constitucional da impessoalidade, que jurou
respeitar, e sinaliza disposição de colocar a si e a seus familiares na
condição privilegiada de inimputáveis. [devido a menção na frase final do 'princípio constitucional da impessoalidade', surge a imposição incontornável de destacar que ministros do Supremo, órgão máximo do Poder Judiciário e guardião da Constituição, também estão sendo beneficiados pela condição de inimputáveis, cometendo a mesma violação atribuída na frase sob comento ao Presidente Bolsonaro.]
Editorial - O Estado de S. Paulo
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