Itaipu, uma usina de encrencas - Elio Gaspari
A hidrelétrica de Itaipu, símbolo do "Brasil Grande", virou cenário de um lance de corrupção vulgar
O repórter José Casado disse tudo: “Sob Bolsonaro, (Itaipu) virou fonte de convulsão na outra margem do Rio Paraná.” A maior hidrelétrica do
continente nasceu de um litígio e, graças a meio século de costuras
diplomáticas, virou uma proeza binacional. Em poucos meses de conversas
impróprias, voluntarismos e tráfico de influência, o Brasil viu-se
metido num escândalo. Logo em Itaipu, usina construída por um ex-oficial
do Exército que passou pela vida pública sem nódoa. José Costa
Cavalcanti foi ministro de Minas e Energia e do Interior, assinou o Ato
Institucional nº5 e dirigiu a construção de Itaipu. Tinha pouca graça,
talvez nenhuma. Morreu pobre, em 1991.
Logo na usina de Costa Cavalcanti estourou o escândalo de um acordo
matreiro firmado entre os governos de Bolsonaro e de seu amigo Mário
Abdo, “Marito”, como ele o chama. Quando o caso estava no escurinho de
Assunção, o ministro Sergio Moro revogou o status de refugiado que havia
sido concedido em 2003 a três paraguaios que vivem no Brasil. Espremendo-se uma história onde entram picaretas paraguaios, o
empresário suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP) e diplomatas
invertebrados, tudo poderia vir a se resumir ao seguinte: retirando-se
um item do acordo, como foi feito, uma empresa brasileira, a Leros,
compraria energia paraguaia para vendê-la no mercado brasileiro. Graças a
algumas tecnicalidades, seria possível que ela pagasse 6 dólares por um
Megawatt, vendendo-o, numa boa, por 30.
Na sua picaretagem, um jovem advogado paraguaio dizia falar em nome do
vice-presidente Hugo Velázquez e apresentava seu pleito como um
ricochete do desejo da “família presidencial do país vizinho”. Apanhado
com a divulgação de mensagens trocadas com o presidente da estatal de
energia de seu país, o moço informou que perdeu seu celular. (Ele é
filho da ministra encarregada de combater a lavagem de dinheiro) O presidente da estatal paraguaia de energia demitiu-se e botou a boca
no mundo. Caíram a mãe do moço, o chanceler e o embaixador em Brasília.
Arriscavam cair também o presidente Mário Abdo e o vice. Salvaram-se
rasgando o acordo, no que foram acompanhados por Bolsonaro no dia
seguinte. A costura pode ter levado meses, o desmanche deu-se em menos
de uma semana. Hoje todo mundo garante que nunca ouviu falar dessa
história.
Itaipu existe graças ao trabalho silencioso de presidentes e diplomatas
que sempre evitaram acordar o sentimento nacionalista do Paraguai. Com a
trapalhada do acordo, desmanchou-se um trabalho de meio século. Em
2023, o tratado que permitiu a construção da usina deverá ser
renegociado e lançou-se a semente da discórdia, com o Brasil sendo
acusado de ter jogado bruto pelo presidente da estatal paraguaia que se
demitiu.
Faz tempo, o engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, construtor da usina de
Paulo Afonso e um dos patriarcas da Eletrobras, batia de porta em porta
dizendo que não se deveria fazer Itaipu com o Paraguai. Seria melhor
construir três hidrelétricas na Bacia do Paraná, mas em território
brasileiro. Tinha o apoio do senador gaúcho Paulo Brossard. Não foram
ouvidos, mas nenhum dos dois seria capaz de pensar que o Brasil se
meteria numa encrenca tão vulgar.
Elio Gaspari, jornalista - O Globo - O Estado de S. Paulo
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