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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Qual será o novo modelo? - Nas entrelinhas:

“A modernização das relações trabalho-capital nunca teve uma correlação de forças tão favorável no Congresso, a favor da desregulamentação, é claro”


A grande mudança debatida ontem pela Câmara dos Deputados sobre a legislação trabalhista, com a chamada MP da Liberdade Econômica, foi o fim da remuneração em dobro do dia trabalhado aos domingos, que agora poderá ocorrer por até três fins de semana consecutivos, se houver compensação com uma folga correspondente no decorrer da semana, negociada individualmente. A aprovação da mudança é mais um avanço na desregulamentação das relações trabalhistas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Em outras circunstâncias, haveria grande mobilizações sindicais para evitar que isso ocorresse, mas não é o que acontece. Com o fim do imposto sindical, os sindicatos entraram em colapso, e os trabalhadores estão muito acuados pelo desemprego. Só se mobilizam em situação de desespero, como, agora, na greve dos motoristas do Espírito Santo, por causa dos ônibus que começariam a circular sem trocadores, quando em todo o mundo já começam a circular caminhões e ônibus sem sequer motorista.

A propósito, vem do Espírito Santo um “causo” que ilustra bem a situação, que me foi contado pelo ex-governador Artur Carlos Gerhardt Santos, que governou o estado no começo dos anos 1970 e foi o grande artífice da industrialização capixaba, cuja economia é a única do país voltada para o comércio exterior. Quando a ponte rodoferroviária Florentino Ávidos, também conhecida como Cinco Pontes, toda fabricada em aço e trazida da Alemanha, foi inaugurada, em 1927, um português de Vila Velha logo inaugurou uma linha de lotação ligando as duas cidades. Em protesto, os catraieiros (barqueiros cujos remanescentes até hoje fazem transporte de passageiros de um lado para outro do canal que separa a ilha de Vitória do continente) resolveram fazer uma greve. “Não tinha a menor chance de dar certo”, ironizou o ex-governador. A ponte existe até hoje, foi um marco da expansão e modernização da economia capixaba, possibilitando a chegada ao Porto de Vitória dos trens da Vitória-Minas.

A modernização das relações trabalho-capital, premissa para a retomada do crescimento, nunca teve uma correlação de forças tão favorável no Congresso, a favor da desregulamentação, é claro. Essa é uma das consequências do fracasso petista no comando do país, depois do naufrágio do modelo de capitalismo de Estado adotado a partir do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula das Silva e, principalmente, durante o governo Dilma Rousseff. É jogo jogado. A estagnação da economia, com aumento acelerado da miséria e desemprego em massa, induz mudanças profundas na estrutura produtiva do país, com o uso de novas tecnologias, principalmente robotização e inteligência artificial, que tornam obsoletos dispositivos de uma legislação criada quando o Brasil se urbanizava e se industrializava. A Era Vargas, cujo fim já foi tantas vezes proclamado, parece realmente moribunda.

Sem paradigma
A lógica da velha política classista dos sindicatos, que tinha como eixo a garantia e a ampliação de direitos trabalhistas para reduzir a taxa de exploração de mais-valia, como no caso dos catraieiros de Vitória, não tem a menor chance de dar certo. A velha indústria e os serviços estão passando por mudanças irreversíveis, que fazem da velha legislação letra morta. É um processo que exige soluções novas e criativas para garantir novos direitos aos trabalhadores, sem criar entraves ao funcionamento da economia. Além disso, setores que não conseguem acompanhar o aumento de produtividade pela inovação, recorrem à superexploração do trabalho para manterem sua competitividade.

O paradigma taylor-fordista da grande indústria mecanizada como referência para a organização e a luta dos trabalhadores já era. A crise é tão profunda que o próprio “ser operário”, que Marx classificava como a classe geral que, ao se libertar da exploração e opressão, libertaria todas as demais classes subalternas, hoje é uma espécie em extinção. A nova economia coloca em xeque até mesmo valores herdados da Revolução Francesa e que estão no cerne da democracia liberal: os direitos humanos.  A universalização do direito à saúde e à educação, que já foram essenciais, por exemplo, perderam a funcionalidade para a reprodução ampliada do capital. Não há necessidade de exércitos industriais de reserva e até mesmo de exércitos de massa. Para que tantos operários qualificados e oficiais e soldados diante dos novos artefatos de produção e bélicos guiados por inteligência artificial?

A economia brasileira passa, no plano institucional, por um novo ciclo de modernização. Indiscutivelmente, com a derrota da esquerda, ou seja, dos modelos nacional-desenvolvimentista e social-democrata, o Brasil vacila entre o velho americanismo e os novos paradigmas asiáticos. A contradição principal é o fato de que a modernização terá que ser feita com capital estrangeiro, sem um setor produtivo estatal e grandes grupos industriais nacionais. No século passado, os cafeicultores paulistas e seus banqueiros enfrentaram situação parecida, mas renegaram o velho patrimonialismo e financiaram a industrialização. Hoje, não sabemos se o nosso agronegócio e o mercado financeiro têm capital acumulado e vontade política para investir pesadamente num novo ciclo de modernização fora dos marcos da agricultura, ou seja, na economia do conhecimento: educação, ciência, tecnologia e inovação.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB


 

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