Análise Política
A equação política e econômica do governo Jair Bolsonaro estava bem
desenhada no plano inicial. O Congresso aprovaria as reformas liberais,
no ritmo que fosse. A economia reagiria, mesmo num passo não
espetacular. O ministro da Justiça colocaria seu capital popular a
serviço do projeto bolsonarista. O presidente nesse meio tempo
alimentaria politicamente sua base dia após dia rumo a 2022. E a
esquerda continuaria ilhada, pelo menos no curto e médio prazos.
E a coisa vinha vindo. Mesmo os percalços - todo governo tem - pareciam insuficientes para um desarranjo. O PIB de 2019 decepcionou? Nada que não pudesse ser deixado para trás com uma dose de esperança no futuro e advertências sobre o risco de repetir fracassos recentes. O presidente romper com seu próprio partido e ficar sem nenhum para chamar de seu era pouco, perto da simpatia de um Legislativo amplamente liberal-conservador pelo programa econômico.
Aí veio a pandemia do coronavírus. O imprevisível é mesmo muito difícil de prever.
Em janeiro/fevereiro já era possível antever a onda da crise sanitária. Foi avisado, mas talvez não sensibilizou. E transbordou em março. E somou-se à pendenga do Executivo com o Legislativo por causa do orçamento impositivo. E juntou-se à guerra do governo contra a imprensa. É notável, aliás, como o governo consegue brigar com dois atores, Congresso e imprensa, amplamente dispostos a apoiar as principais agendas do Planalto na política econômica. Aí o presidente da República decidiu dar mais importância à ameaça de recessão que às preocupações do cidadão e da cidadã com a própria saúde.
Na crise de 2008/2009 Luiz Inácio Lula da Silva disse que ela chegaria aqui como uma marolinha. Não foi bem assim. O crescimento em 2009 foi menos zero vírgula qualquer coisa. Mas 2010 foi robusto e Lula conseguiu eleger a sucessora. Naquela crise o tema era economia. Lula podia pedir ao eleitor um tempo. Aguentem aí que vai melhorar. E tinha capital político para tanto. A conta veio depois, deu em junho de 2013, mas isso já é outra história.
Agora o assunto é a saúde. Não adianta dizer “outras doenças matam mais que o coronavírus”, a notícia do momento é a Covid-19. E as pessoas estão muito preocupadas com a ameaça à própria vida e à dos entes queridos. E só se fala nisso. E a aparente falta de cuidado do governo em sintonizar-se com a preocupação do distinto público potencializou as fragilidades que vinham latentes e juntou-se tudo numa tempestade quase perfeita.
Só não é a tempestade perfeita contra o governo Bolsonaro porque não há desejo relevante no mundo político de trocar o capitão pelo general que é seu vice. Nas várias franjas da política, prefere-se enfrentar um Bolsonaro manco em 2022 que entronizar agora Hamilton Mourão e dar a ele o passaporte para um “bolsonarismo sem Bolsonaro”, de viés racional e equilibrado. Mas tudo tem um limite, e na tempestade alguém tem de assumir o leme do barco.
Não existe espaço vazio na política. E isso não chega a ser uma novidade.
Análise política - Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
E a coisa vinha vindo. Mesmo os percalços - todo governo tem - pareciam insuficientes para um desarranjo. O PIB de 2019 decepcionou? Nada que não pudesse ser deixado para trás com uma dose de esperança no futuro e advertências sobre o risco de repetir fracassos recentes. O presidente romper com seu próprio partido e ficar sem nenhum para chamar de seu era pouco, perto da simpatia de um Legislativo amplamente liberal-conservador pelo programa econômico.
Aí veio a pandemia do coronavírus. O imprevisível é mesmo muito difícil de prever.
Em janeiro/fevereiro já era possível antever a onda da crise sanitária. Foi avisado, mas talvez não sensibilizou. E transbordou em março. E somou-se à pendenga do Executivo com o Legislativo por causa do orçamento impositivo. E juntou-se à guerra do governo contra a imprensa. É notável, aliás, como o governo consegue brigar com dois atores, Congresso e imprensa, amplamente dispostos a apoiar as principais agendas do Planalto na política econômica. Aí o presidente da República decidiu dar mais importância à ameaça de recessão que às preocupações do cidadão e da cidadã com a própria saúde.
Na crise de 2008/2009 Luiz Inácio Lula da Silva disse que ela chegaria aqui como uma marolinha. Não foi bem assim. O crescimento em 2009 foi menos zero vírgula qualquer coisa. Mas 2010 foi robusto e Lula conseguiu eleger a sucessora. Naquela crise o tema era economia. Lula podia pedir ao eleitor um tempo. Aguentem aí que vai melhorar. E tinha capital político para tanto. A conta veio depois, deu em junho de 2013, mas isso já é outra história.
Agora o assunto é a saúde. Não adianta dizer “outras doenças matam mais que o coronavírus”, a notícia do momento é a Covid-19. E as pessoas estão muito preocupadas com a ameaça à própria vida e à dos entes queridos. E só se fala nisso. E a aparente falta de cuidado do governo em sintonizar-se com a preocupação do distinto público potencializou as fragilidades que vinham latentes e juntou-se tudo numa tempestade quase perfeita.
Só não é a tempestade perfeita contra o governo Bolsonaro porque não há desejo relevante no mundo político de trocar o capitão pelo general que é seu vice. Nas várias franjas da política, prefere-se enfrentar um Bolsonaro manco em 2022 que entronizar agora Hamilton Mourão e dar a ele o passaporte para um “bolsonarismo sem Bolsonaro”, de viés racional e equilibrado. Mas tudo tem um limite, e na tempestade alguém tem de assumir o leme do barco.
Não existe espaço vazio na política. E isso não chega a ser uma novidade.
Análise política - Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
Publicado originalmente na revista Veja 2.679, de 25 de março de 2020
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