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terça-feira, 24 de março de 2020

Meia volta, volver - Nas entrelinhas



A estratégia de “mitigaçao”, que servia de modelo, fracassou na Inglaterra. Bolsonaro começa a se dar conta de que aqui também não seria possível”


Não durou 24 horas a medida provisória do governo federal que autorizava os empresários a suspender o pagamento de salários de seus funcionários por quatro meses, sem quaisquer contrapartidas, o que provocou uma avalanche de críticas ao presidente Jair Bolsonaro. A saída foi reconsiderar a questão, cancelar a medida provisória e abrir negociações com os governadores, contra os quais Bolsonaro havia entrado em guerra por causa da adoção da política de distanciamento social. “Determinei a revogação do art.18 da MP 927, que permitia a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses sem salário”, escreveu Bolsonaro em uma rede social. Ficou evidente a falta de sintonia entre a equipe comandada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e a política de combate ao coronavírus adotada pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
[dois pontos óbvios e que ainda não foram reparados:
- desde o inicio do governo do presidente Bolsonaro que ficou claro a existência de incompetência ou ação de  'quinta coluna' na área de redação do Assessoria Jurídica do presidente da República - um exemplo: no caso de mudanças no 'estatuto do desarmamento' usar decreto para modificar lei, ou é sabotagem ou excesso de falta de conhecimentos jurídicos elementares;
Continua uma displicência na redação e análise  nas normas legais oriundas da PR - saem normas confusas, algumas com erros primários, apesar de ser público e notório que qualquer medida da lavra do governo Bolsonaro é analisada  e reanalisada com lupa - seja para evitar erros inaceitáveis ou para encontrar motivos para malhar o presidente.
- quanto à negociação com os governadores se torna um assunto secundário, o 'stress' da maioria deles se acaba com liberação de verbas.]

Além da suspensão do contrato de trabalho e do salário, a MP estabelecia outras medidas: -  teletrabalho (trabalho a distância, como home office); 
- regime especial de compensação de horas no futuro em caso de eventual interrupção da jornada de trabalho durante calamidade pública; - suspensão de férias para trabalhadores da área de saúde e de serviços considerados essenciais; 
- antecipação de férias individuais, com aviso ao trabalhador pelo menos 48 horas antes da concessão de férias coletivas; 
- aproveitamento e antecipação de feriados; 
- suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; 
- adiamento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Todas em razão das medidas adotadas para conter a progressão da epidemia e evitar o colapso do sistema de saúde.

A epidemia avança: o total de casos confirmados do coronavírus (Sars-Cov-2), ontem, subiu para 1.891, segundo balanço do Ministério da Saúde, com 34 mortes. O coordenador da campanha em São Paulo, o infectologista David Uip, uma das maiores autoridades médicas do país, no final da tarde confirmou o diagnóstico de que está com a doença. São Paulo concentra 60% dos casos de coronavírus em todo o país. Depois do recuo quanto à suspensão dos salários, Bolsonaro resolveu reduzir o estresse com os governadores, realizando uma teleconferência com todos os mandatários do Nordeste e, depois, do Norte do país. Essas reuniões ajudaram o presidente da República a se reposicionar, conforme ficou patente no final da tarde, ao anunciar as medidas numa entrevista coletiva do comitê de combate ao coronavírus, da qual se retirou antes das perguntas. [conduta que deveria se tornar regra por parte do presidente da República.
Evitando responder perguntas - algumas não tem conhecimento do assunto (não se espera de um presidente da República um conhecimento enciclopédico - nem ele é obrigado a tanto), e tem as provocativas - para essas seu estilo pavio curto, o leva a aceitar provocações.]

Antes deu uma notícia boa: um plano de R$ 85,8 bilhões para fortalecer os estados e os municípios. Serão editadas duas medidas provisórias para transferir recursos para fundos de saúde estaduais e municipais. Segundo o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, o montante chega a R$ 88,2 bilhões, cujas principais medidas são: transferência de R$ 8 bilhões para gastos em saúde; recomposição de fundos de participação de estados e municípios, no valor de R$ 16 bilhões (seguro para queda de arrecadação); R$ 2 bilhões para gastos em assistencial social; suspensão das dívidas dos estados com a União (R$ 12,6 bilhões); renegociação de dívidas de estados e municípios com bancos (R$ 9,6 bilhões); operações com facilitação de créditos, no valor de R$ 40 bilhões. A suspensão do vencimento da dívida dos estados com a União reduziu o estresse de Bolsonaro com os governadores, pois os estados vão receber R$ 12,6 bilhões a mais em caixa para enfrentamento da crise.

Impacto social
Ontem, o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, mudou completamente a estratégia adotada pelo governo contra o coronavírus na Inglaterra. Anunciou que os britânicos só poderão se deslocar para ir ao trabalho, caso não possam realizá-lo remotamente, e para comprar itens essenciais ou para atender necessidades médicas próprias ou de pessoas vulneráveis. Serão fechadas todas as lojas que não vendam itens essenciais, assim como bibliotecas, playgrounds e locais de práticas religiosas, e todas as reuniões de mais de duas pessoas estão proibidas. A estratégia de “mitigaçao”, que servia de modelo para o governo brasileiro, fracassou na Inglaterra. Parece que Bolsonaro começa a se dar conta de que aqui também ela não seria possível.


É inevitável. A economia entrará em recessão com a política de isolamento social, em todo o mundo. Um dos efeitos imediatos será a perda de renda dos trabalhadores informais, microempreendedores e profissionais liberais; quem não tem poupança está no sal. Estamos falando de 70 milhões de pessoas. Outro, o impacto nas finanças dos estados e municípios (principalmente os que têm grande arrecadação de ISS e de impostos compartilhados com a União), que estão arcando com uma demanda exponencial no sistema de saúde, que ninguém sabe ainda qual será o tamanho.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


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