O Estado de S.Paulo
O Brasil hoje: se correr, o bicho covid-19 pega; se ficar, o bicho da recessão come
O mundo todo e o Brasil, particularmente, vivem um dilema típico de “A
Escolha de Sofia”. Aprofundar o isolamento e a paralisação de estados,
cidades, empresas, empregos e pessoas, em nome da saúde e da vida? Ou
mitigar o combate radical ao coronavírus para tentar preservar empresas e
empregos, em nome da economia?
Na prática, uma guerra da área sanitária com parte de governantes,
empresários e economistas. De um lado, governadores que trabalham
diretamente com o Ministério da Saúde e os especialistas no setor; de
outro, o presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Economia e aliados.
Em tese, todos têm razão. A prioridade absoluta neste momento é
trabalhadores, funcionários, autônomos e diaristas em casa para
interromper a transmissão do vírus maldito. A prioridade de hoje, porém,
não pode desconsiderar a de amanhã: a pandemia acaba e as vítimas não
serão só os mortos e contaminados, mas todos que produzem, vendem,
trabalham. O horizonte é de terra arrasada, com recessão, quebradeira de
empresas e lojas, 40 milhões de desempregados, na previsão de um grupo
de empresários.
Como sempre, em todas as crises, dificuldades e momentos, as maiores
vítimas todos nós sabemos quem são e serão: velhos, homens, mulheres e
crianças da tal da “base da pirâmide”. Passado o momento em que os
infectados e mortos eram recém-chegados da Ásia e da Europa, ou por eles
foram contaminados, a expectativa, que dá um tremor no corpo e um frio
na coluna, é que o vírus chegue às favelas, cortiços, às imensas áreas
sem água, sabão, muito menos álcool gel.
São milhões com imunidade baixa, higiene precária, compreensão da
situação equivalente ao (mínimo) grau de educação. Logo, serão os alvos
fáceis de um vírus oportunista e letal. São os moradores de rua, os que
vendem água, milho ou qualquer coisa por aí, os diaristas que só recebem
(e comem) quando trabalham e, entre eles, os informais, que crescem
freneticamente e sem amparo legal. Eles vão morrer mais com o vírus e
vão sofrer mais no pós-vírus. Se correrem, o bicho covid-19 pega; se
ficarem, o bicho da recessão come.
O novo coronavírus chegou para valer em todas as unidades da Federação,
decretando calamidade pública, prenunciando colapso da saúde e crescendo
na velocidade do exemplo mais dramático, a Itália. E tudo isso na pior
hora. Um dos líderes mundiais em desigualdade social, o Brasil convive
com falta de estado e bolsões de miséria absoluta em todas as suas
regiões. E vem de dois anos de recessão, de mais dois “crescendo” 1,3% e
desperdiçou 2019 com PIB de 1,1%. Mais: a questão fiscal é o maior
obstáculo da economia.
De onde tirar a montanha de dinheiro que o País precisa para salvar
vidas, tratar doentes, preservar setores mais atingidos, empregos,
milhões de famílias sem renda? O governo tem anunciado medidas, como
flexibilização das regras trabalhistas e de pagamento de dívidas e vales
de R$ 200,00 para informais e os mais miseráveis entre os miseráveis.
Mas, num País populoso como o nosso, significa que a conta é altíssima
para os cofres públicos, mas o valor que chega à mesa das famílias é
irrisório. Tudo deprimente, apavorante.
A luz no fim do túnel só virá, primeiro, com o máximo rigor contra a
transmissão do vírus e, depois, com união, patriotismo, solidariedade,
as disputas políticas de lado, o presidente acordando para a realidade e
uma certa elite esquecendo, por ora, a eterna ganância e a velha
arrogância. Aliás, uma pergunta: como os bancos vão entrar nessa onda?
Governos de esquerda, centro e direita vêm e vão e esse é o setor que
mais lucra. É hora de retribuir, porque se trata de questão de vida e
morte. Das pessoas e da economia. [os bancos são os que mais e sempre ganham;
Até quando todos perdem, eles encontram uma forma de ganhar.
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Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo
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