Coluna publicada em O Globo - Economia 7 de janeiro de 2021
Quem correu mais riscos no réveillon? As pessoas que se aglomeraram
nas praias ou as que trabalharam em festas (clandestinas, claro)
promovidas em casas e mansões (cozinheiros, garçons, copeiros,
faxineiros, seguranças, motoristas, operadores de som e vídeo)?
Pelo que diz o CDC (Centro de Controle de Doenças, do governo americano,
cdc.gov) foram as pessoas que trabalharam e frequentaram as festas.
O CDC oficializou as evidências científicas sobre a transmissão do
coronavirus. Entre elas: o risco é muito baixo em atividades ao ar
livre; risco muito alto em festas. Mas considerando os quatro fatores básicos para calcular riscos, o pessoal da praia também se arriscou muito.
São eles, sempre colocando na frente os de maior risco:
1. Interior versus exterior
2. Espaços estreitos vs espaços amplos e ventilados
3. Alta densidade de pessoas vs baixa densidade
4. Exposição mais longa vs exposição mais breve
Há outros dados interessantes que ajudam a avaliar as situações. A carga necessária para a pessoa contrair o vírus é receber 1.000 partículas virais (vp). Na respiração, a pessoa exala mais ou menos 20 vp por minuto. Já na fala, são 200 vp/minuto. Mas se a pessoa contaminada espirra, ela espalha nada menos que 200 milhões de vp, um volume suficiente para permanecer no ar por horas se o ambiente for mal ventilado.
Tudo isso para demonstrar que há muito debate inútil por aí. A ciência
já conhece o vírus principal (está pesquisando as variações) e já
demonstrou como ele se transmite de pessoa para pessoa.
Está provado que quanto mais distanciamento social, quanto mais
lockdown, menos contaminações. Sim, há pessoas que precisam sair de casa
e tomar transporte público para trabalhar. Há meios de reduzir os
riscos: máscaras, lotação reduzida [ops... as sugestões, especialmente esta, são para implantação no Brasil? se sim, para quando?] ambiente ventilado – e é papel dos
governos oferecer isso e ordenar o distanciamento onde é possível – até
que pelo menos a metade da população esteja vacinada.
A vacinação é tarefa do setor público. Mas uma vez que programas públicos, federais, estaduais e municipais, estejam em andamento, não há razão nenhuma para impedir que hospitais e clínicas privadas vendam as vacinas. É assim que funciona na vacinação anual contra a gripe. A Agência Nacional de Saúde poderia estabelecer algumas regras para isso – se fosse um governo federal eficiente.
Como não é, podemos esperar muita confusão e judicialização tanto na vacinação pública – governos estaduais podem começar primeiro? – quanto na privada. Para sermos justos, é preciso notar que também nos países desenvolvidos há problemas e atrasos na vacinação. Por isso mesmo, diante do aumento do número de casos pós festas de fim de ano, governos da Inglaterra e da Alemanha – para citar apenas dois que têm fama de bons serviços públicos de saúde – estão endurecendo as medidas de lockdown e distanciamento. [Vale lembrar: as duas ações sublinhadas estão na esfera dos prefeitos e governadores.] Deveria ser feito por aqui também. Mas com esse presidente…
E para complicar ainda mais, temos aqui no Brasil um problema muito
especial: o fim do auxílio emergencial, sem que se tenha providenciado
algo para colocar no lugar. Artigo do economista Alexandre Schwartsman,
publicado no Infomoney, mostram estreita correlação entre o auxílio e
vendas no varejo (ou consumo das famílias) como fator importante da
recuperação desse setor.
E, por óbvio, a queda que deve ocorrer uma vez retirado o auxílio. Sim, o
programa é caro, mas poderia ser aplicado um menor, mais direto – mais
barato, portanto – e com dinheiro tirado dos privilégios do setor
público.
Poderia …. [depende de ser conveniente ao Congresso ... e a outros interesses que não dependem dos que necessitam do auxilio emergencial.]
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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