Rodrigo Constantino
Minha própria reação foi exacerbada: enxerguei fraqueza no tom excessivamente conciliatório, sugerido por Temer, e cheguei a constatar que era o fim na luta contra o arbítrio do sistema. Nos grupos de bastidores da direita, o sentimento era de frustração e revolta, além de certo desespero: "eles venceram". Mas nada como um dia após o outro...
Refletindo com mais calma sob vários ângulos, fica mais claro que jornalistas experientes como Augusto Nunes têm um ponto: Bolsonaro pode ter feito uma jogada inteligente. E cá entre nós: a esquerda já saiu da euforia acerca da "covardia" do presidente para a preocupação e até revolta com o "papelão" de Temer na possível pacificação da República. E quando a esquerda não gosta muito de algo, eu já passo a gostar mais!
Falam num acordo costurado por Temer, Ciro Nogueira e Artur Lira, que traga mais harmonia aos poderes. O inquérito ilegal das Fake News, por exemplo, seria transferido para a PGR, seu caminho legal. Entre outros pontos de recuos mútuos. Não vamos esquecer que o principal fator de revolta do lado patriótico é o ativismo de Moraes, que foi indicado ao STF pelo Temer.
Se fui precipitado e injusto em minha reação inicial - e torço muito por isso - volto atrás e assumo o erro sem problema. Nunca tive compromisso com erro. Sigo desconfiado de acordo com esse sistema, mas não sou revolucionário, e sim um liberal com viés conservador. Se houver recuo do lado de lá também, então o Brasil ganha. E meu compromisso é e sempre foi com o povo brasileiro.
A situação colocada pela greve dos caminhoneiros agravou bastante o quadro. Cheguei a criticar os métodos na véspera, alegando que poderia prejudicar o povo, os mais pobres. Tem uma turma do "vai ou racha", do "tudo ou nada", que quer ver o circo pegar fogo pois acha que o seu lado leva a melhor na guerra: esquerdistas que apostam na queda de Bolsonaro e bolsonaristas que apostam numa ruptura revolucionária de direita. Esse nunca foi meu perfil, e tentei em diversos momentos alertar para o perigo de levarem o país nessa direção. Ninguém quer uma convulsão social, uma guerra civil.
O que Bolsonaro fez foi acenar para a pacificação, e resta saber o custo dela. Paz na escravidão não serve, e se o arbítrio continuar, haverá caos certamente. Mas há uma possibilidade de mudança de postura. Afinal, Bolsonaro colocou a bola no campo do STF, demonstrou capacidade de ceder, rechaçando a narrativa midiática de que é um golpista. Ele nunca quis fechar o STF, e sim fazê-lo retornar ao seu campo, dentro das quatro linhas da Constituição.
Ninguém sabe ao certo se isso vai mesmo acontecer. Mas se os ministros mais ativistas insistirem em suas ações e falas, ficará mais escancarado ao mundo todo quem de fato acena para o golpismo. Espera-se que o tal acordo tenha sido feito de uma posição de força do presidente, com base na multidão que ele arrastou para as ruas no feriado da Independência. Os veículos de comunicação que agem como partido de oposição ficaram perdidos e sem discurso. Queriam o Bolsonaro "golpista", da ruptura.
Se houver um recuo de ambos os lados, o Brasil ganha. O sistema é forte demais, poderoso, ainda que podre. Antes da nota do presidente, gravei o podcast da Gazeta e comentei exatamente isso: ninguém pode menosprezar a resiliência dos "monstros do pântano", que estão aí desde sempre, passando por confisco do Collor, FHC, PT. São sobreviventes num ambiente hostil, controlam o jogo, são os tais donos do poder. Não se peita o sistema impunemente, e o Brasil não vai virar a Suíça num mandato de direita.
Eis a dúvida. Mas quero crer na possibilidade de reformas graduais, sem mergulhar o país numa guerra civil. Se há ainda essa chance, então Bolsonaro pode ter acertado. Cabe agora ao STF devolver a bola com suavidade, ciente do risco de dar uma bicuda nela.
Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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