Coronel R1 Marcelo Oliveira Lopes Serrano
Quando me perfilo diante de meu coronel (e asseguro que o faço com vivo prazer), não é diante de um homem que bato os calcanhares. É diante de um princípio de autoridade que julgo útil e respeitável e sem o qual as sociedades humanas, nutrizes de sua liberdade, não teriam jamais existido¹.
Esse princípio transcendente, expressão do bem comum, do cumprimento da missão ou do respeito às disposições da lei, sobrepõe-se à mera vontade dos que detêm o poder de mando, pois esse não lhes foi conferido, pelas leis, pelo povo ou por Deus, de acordo com as crenças políticas, filosóficas ou religiosas de cada um, para lhes permitir a livre vazão de seus voluntarismos. Foi-lhes outorgado para que exerçam a sagrada autoridade sobre outras pessoas na busca de objetivos comuns e impessoais.
A obediência do soldado não é a obediência do servo
A obediência do soldado de carreira é um ato livre. Ele acredita no valor fundamental dela como cimento da ação militar eficaz, a única que permite estruturar os esforços de uma força armada no cumprimento de sua legítima e elevada destinação constitucional que jurou cumprir. Ele acredita nos princípios norteadores do comportamento e das atitudes do soldado e os acata livremente, por saber que sua obediência se conecta a outras em uma cadeia coerente e forte, e sabe também que ela serve a um fim coletivo que a todos excede, com o qual concorda de coração, se de fato for um verdadeiro soldado.
Certa feita, um velho general de nosso Exército² me fez saber que ouvira inúmeras vezes seu pai, também general, afirmar com convicção que "a carreira das armas é a mais livre das profissões, porque nela não se prestam honras e obediência ao homem, mas aos galões que ele porta".
A superioridade expressa nos galões não
indica, de modo algum, valor superior da pessoa que os ostenta em
relação à outra, ambas totalmente iguais em dignidade, indica apenas o
princípio de autoridade do qual a primeira está investida e do qual a segunda, por sua vez, também se investe se possuir soldados sob suas ordens.
Se não há subserviência no obedecer, não pode haver soberba no comandar (Ides comandar, aprendei a obedecer)3.
A conquista dos objetivos e o cumprimento das missões resultam de
esforços coletivos. O mais brilhante dos chefes nada fará sem suas
tropas. Pode-se recorrer à imagem de uma viatura para exemplificar a
ação militar: o comandante assemelha-se ao motorista, que a conduz pelos
percalços do caminho; os oficiais, a seu motor, que a impulsiona; os
subtenentes e sargentos, à transmissão, que leva a força do motor às
rodas, que são os cabos e soldados.
Qual desses componentes é mais importante para que a viatura saia de um
ponto e chegue a outro? O efeito obtido é fruto de uma ação integral,
que só o conjunto deles possibilita, e na qual todos possuem igual
direito ao orgulho legítimo pelas ações empreendidas e por suas
realizações pessoais.
O
sentido da obediência possui duas expressões na alma do soldado,
inter-relacionadas, mas distintas. A disciplina, corolário da
obediência, transmuta-se em lealdade, dever legal de todos os soldados,
quando, acima de suas simples manifestações, referir-se à obrigação de
acatar os princípios superiores que regem a ação do soldado em seu nível
mais sublime.
A4 lealdade do militar, expressão subjetiva da disciplina,
não deve ser dirigida a pessoas, porque seu dever de obediência não se
vincula a elas, e sim ao princípio de autoridade que as reveste. A noção
costumeira de lealdade a pessoas nada acrescenta à expressão objetiva
da disciplina, relacionada a suas manifestações regulamentares: obediência
pronta às ordens, correção de atitudes, dedicação integral ao serviço e
colaboração espontânea para a disciplina coletiva e eficiência das
Forças Armadas.
A lealdade precisa, sim, ser direcionada aos princípios basilares e
transcendentes dos quais deriva a autoridade. Portanto, por convicção
íntima do dever mais puro, o soldado deve dispor-se a lutar por tais
princípios sempre que se fizer necessário, até mesmo arrostando chefes
que porventura os violarem.
Enfim, a obediência do soldado cumpre ordens e zela pelos princípios sobranceiros.
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[4] Ver “Lealdade e Disciplina”, Coleção Meira Mattos, 1º quadrimestre de 2010, disponível no site EB Revistas
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