Será que o ministro Paulo Guedes acredita mesmo que a economia brasileira está decolando ou apenas tenta criar uma narrativa otimista para esconder um enorme fracasso?
É intrigante: não há como responder.
Sim, porque a inflação, passando dos 10% ao ano, já comeu nada menos
que 11% da renda do trabalho, reduzindo drasticamente a capacidade de
consumo das famílias. Como o ministro Guedes poderia desconhecer estes fatos? E entretanto,
na última quinta, ao comentar os dados do PIB, disse que a B3 (a bolsa
brasileira) havia subido 3% em comemoração aos bons resultados da
economia real e do equilíbrio das contas públicas.
Com esse conjunto de indicadores, é preciso concluir que Guedes sabe, sim, que a economia vai devagar quase parando, mas inventa uma narrativa para agradar o chefe e sua turma. É verdade que esse pessoal é ignorante em economia (e em muitas outras coisas, inclusive saúde), mas a narrativa é tão descolada da realidade, tão absurda, que leva as pessoas de mínimo bom senso a perguntar: o ministro perdeu o juízo?
Ou, por outro lado: não é possível que Guedes, com seu conhecimento de economia e mercados, acredite que alguém (fora da turma de fanáticos) vai acreditar nessa incrível farsa.
Então, como ficamos?
Hipótese: a economia brasileira deteriorou-se muito rapidamente neste segundo semestre. No início do ano, esperava-se um PIB crescendo acima de 5% e mais 2,5% em 2022, com inflação controlada e juros reais baixos. Hoje, mudou tudo. A inflação segue em alta persistente e espalhada, os juros em rota de elevação, o risco Brasil também subindo e o real sendo a moeda mais desvalorizada entre os emergentes. Mesmo com o avanço da vacinação.
De onde vem essa deterioração? Há fatos: a crise hídrica, que fez
aumentar a tarifa de energia, e a alta do petróleo (e, pois, da
gasolina, do gás e do diesel). Mas o preço da energia em geral subiu no
mundo todo e muitos países relevantes, mesmo com inflação mais alta,
mantêm bom ritmo de crescimento. [a crise hídrica que, para tristeza de muitos, está cedendo graças as chuvas abundantes, não pode ser atribuída ao governo Bolsonaro. Outro absurdo é criticar o governo brasileiro - assaltado nos treze anos de governo petista, tenha uma economia que reaja a uma inflação mais alta com um bom ritmo de crescimento = só alcançado, como bem diz o articulista, nos países mais relevantes.]
Qual a diferença? O governo. A gestão Bolsonaro não é “apenas” politicamente equivocada. É de uma incompetência brutal. E destruidora. Acrescente a isso a entrega dos cofres públicos à turma do Centrão – e, pronto, está explicada a enorme falta de confiança que se observa no país. Isso deve ter virado no avesso a cabeça do ministro Guedes. Ou o que mais seria?
E por falar em cabeças viradas no avesso, Lula entrou no debate para
dizer que o Brasil estava num momento raro, histórico, de crescimento
zero. Deve estar fazendo contas de 2017 para cá, pois em 2015 e 16 o
país acumulou uma queda de quase 8% do PIB, consequência da gestão
devastadora de Dilma Roussef. [foi este o Brasil que Bolsonaro recebeu em 1º janeiro 2019 - Temer não teve tempo de governar. Além do mais, foi perseguido pelo 'enganot' e o STF, em decisão monocrática da ministra Carmem Lúcia, chegou a impedi-lo de nomear ministros para seu governo.]
É isso aí. Estamos entre birutas, esquecidos e/ou farsantes.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 4 de dezembro de 2021
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