Será que o ministro Paulo Guedes acredita mesmo que a economia
brasileira está decolando ou apenas tenta criar uma narrativa otimista
para esconder um enorme fracasso?
É intrigante: não há como responder.
Por um lado, os números são avassaladores. Eliminados os indicadores
que parecem positivos por causa da comparação com uma base muito baixa, a
do ano passado, o resto aponta para uma paradeira inequívoca. Na verdade, a discussão relevante entre economistas do primeiro time –
e de visões variadas – trata do seguinte: o Brasil se encaminha para a
estagnação, a recessão ou estagflação?
Sim, porque a inflação, passando dos 10% ao ano, já comeu nada menos
que 11% da renda do trabalho, reduzindo drasticamente a capacidade de
consumo das famílias. Como o ministro Guedes poderia desconhecer estes fatos? E entretanto,
na última quinta, ao comentar os dados do PIB, disse que a B3 (a bolsa
brasileira) havia subido 3% em comemoração aos bons resultados da
economia real e do equilíbrio das contas públicas.
[economia é mais uma área alcançada pela nossa notória ignorância e completa ausência do saber, no caso, econômico.
O importante, o fato que não pode ser ignorado, é que a queda na economia em 2020 teve causa certa e indiscutível = a maldita pandemia;
só que em 2021 os números não apenas parecem, SÃO POSITIVOS, modestamente, mas melhores que se fossem negativos. Com a persistência da peste, seria de se esperar até mesmo queda igual ou maior que a de 2020.
O que acontece é a regra seguida pela MÍDIA MILITANTE e que consiste em qualquer notícia envolvendo o governo Bolsonaro tem que ser narrada de forma a MAXIMIZAR os aspectos negativos ou menos positivos menos positivo e MINIMIZAR os aspectos positivos. Tal conduta vale para qualquer notícia, seja de que área.
Exemplo: A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, evangélica de carteirinha, aplaudiu a aprovação de André Mendonça para o Supremo - normal, natural, além do indicado ter as condições (com sobras) para exercer o elevado cargo, "é irmão de fé" da primeira-dama.
Só que a mídia militante procura narrar dando destaque a um eventual um lado 'negativo'.
Motivo: PREVARICAÇÃO do presidente, já que indicou André Mendonça para satisfação pessoal da Michele.]
Quanto às contas públicas, ficou evidente que a PEC dos precatórios é
uma manobra para legalizar o estouro dos gastos e o rompimento do teto
orçamentário. [sem a PEC dos Precatórios mais de 17.000.000 de FAMÍLIAS FAMINTAS teriam sua fome aumentada. Ou a mídia militante apoia um HOLODOMOR alcançando quase cinco vezes o número de vítimas na Ucrânia? Quando a econometria ir devagar, quase parando, é melhor que parada ou mesmo em queda.]
Com esse conjunto de indicadores, é preciso concluir que Guedes sabe,
sim, que a economia vai devagar quase parando, mas inventa uma
narrativa para agradar o chefe e sua turma. É verdade que esse pessoal é
ignorante em economia (e em muitas outras coisas, inclusive saúde), mas
a narrativa é tão descolada da realidade, tão absurda, que leva as
pessoas de mínimo bom senso a perguntar: o ministro perdeu o juízo?
Ou, por outro lado: não é possível que Guedes, com seu conhecimento
de economia e mercados, acredite que alguém (fora da turma de fanáticos)
vai acreditar nessa incrível farsa.
Então, como ficamos?
Hipótese: a economia brasileira deteriorou-se muito rapidamente neste
segundo semestre. No início do ano, esperava-se um PIB crescendo acima
de 5% e mais 2,5% em 2022, com inflação controlada e juros reais baixos. Hoje, mudou tudo. A inflação segue em alta persistente e espalhada,
os juros em rota de elevação, o risco Brasil também subindo e o real
sendo a moeda mais desvalorizada entre os emergentes. Mesmo com o avanço
da vacinação.
De onde vem essa deterioração? Há fatos: a crise hídrica, que fez
aumentar a tarifa de energia, e a alta do petróleo (e, pois, da
gasolina, do gás e do diesel). Mas o preço da energia em geral subiu no
mundo todo e muitos países relevantes, mesmo com inflação mais alta,
mantêm bom ritmo de crescimento. [a crise hídrica que, para tristeza de muitos, está cedendo graças as chuvas abundantes, não pode ser atribuída ao governo Bolsonaro. Outro absurdo é criticar o governo brasileiro - assaltado nos treze anos de governo petista, tenha uma economia que reaja a uma inflação mais alta com um bom ritmo de crescimento = só alcançado, como bem diz o articulista, nos países mais relevantes.]
Qual a diferença? O governo. A gestão Bolsonaro não é “apenas” politicamente equivocada. É de uma
incompetência brutal. E destruidora. Acrescente a isso a entrega dos
cofres públicos à turma do Centrão – e, pronto, está explicada a enorme
falta de confiança que se observa no país. Isso deve ter virado no avesso a cabeça do ministro Guedes. Ou o que mais seria?
E por falar em cabeças viradas no avesso, Lula entrou no debate para
dizer que o Brasil estava num momento raro, histórico, de crescimento
zero. Deve estar fazendo contas de 2017 para cá, pois em 2015 e 16 o
país acumulou uma queda de quase 8% do PIB, consequência da gestão
devastadora de Dilma Roussef. [foi este o Brasil que Bolsonaro recebeu em 1º janeiro 2019 - Temer não teve tempo de governar. Além do mais, foi perseguido pelo 'enganot' e o STF, em decisão monocrática da ministra Carmem Lúcia, chegou a impedi-lo de nomear ministros para seu governo.]
Lula também não lembra da corrupção na Petrobras, assim como os Bolsonaros juram que não tem rachadinha. [até agora nada foi provado sobre a rachadinha atribuída aos Bolsonaros, e convenhamos se Lula foi descondenado por ter sentado na vara errada, nada mais justo que o principio de "inocente até que se prove o contrário" se aplique aos familiares do presidente Bolsonaro.
Falando em rachadinha... a do senador Alcolumbre vai ser esquecida? não será investigada? Alcolumbre não será julgado, condenado e preso? não perderá o mandato?]
É isso aí. Estamos entre birutas, esquecidos e/ou farsantes.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 4 de dezembro de 2021