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domingo, 21 de agosto de 2022

O destino macabro dos cadáveres com batimentos cardíacos

'Cadáveres' com batimentos cardíacos são corpos que tiveram morte cerebral, mas que têm pulso e órgãos que funcionam

Seus corações ainda estão batendo. Eles urinam. Seus corpos não se decompõem e eles estão quentes ao toque. Seus estômagos fazem barulho, suas feridas curam e seus intestinos conseguem digerir alimentos. Eles podem sofrer ataques cardíacos, pegar febre e sofrer escaras. Eles podem corar e suar - e até ter filhos!

E, ainda assim, segundo a maior parte das definições legais e a ampla maioria dos médicos, esses pacientes estão completa e inquestionavelmente mortos. São os cadáveres com batimentos cardíacos - corpos que tiveram morte cerebral, mas que têm pulso e órgãos que funcionam.

Seus custos médicos são astronômicos (até US$ 217.784, ou cerca de R$ 1,12 milhão, por apenas algumas semanas). Mas, com um pouco de sorte e muita ajuda, hoje é possível que o corpo sobreviva por meses - em casos raros, até décadas - mesmo estando tecnicamente morto.

Como isso é possível? Por que isso acontece? E como os médicos sabem que eles estão realmente mortos?

Enterros prematuros
Identificar os mortos nunca foi uma tarefa fácil.

Na França do século 19, havia 30 teorias sobre como dizer se alguém morreu. Elas incluíam desde fixar pinças aos mamilos da pessoa até colocar sanguessugas no orifício anal.

Em outros lugares, os métodos mais confiáveis incluíam gritar o nome do paciente - se ele ignorasse o chamado por três vezes, é porque estava morto - ou pressionar um espelho sob o nariz da pessoa para ver se embaçava.

médico analisando paciente
Getty Images
As primeiras tentativas de verificar sinais de vida incluíram fixar pinças aos mamilos das pessoas

É desnecessário afirmar que nenhum desses métodos convenceu a Medicina.

Até que, em 1846, a Academia de Ciências de Paris, na França, lançou uma competição para encontrar "o melhor trabalho sobre os sinais da morte e os meios de evitar enterros prematuros". Foi quando um jovem médico francês tentou a sorte.

Eugène Bouchut idealizou que, se o coração de uma pessoa houvesse parado de bater, com certeza ela estava morta. Por isso, ele sugeriu usar o recém-inventado estetoscópio para ouvir as batidas do coração. Se o médico não ouvisse nada por dois minutos, o paciente poderia ser enterrado com segurança.

Bouchut ganhou a competição e sua definição de "morte clínica" ficou estabelecida, chegando a ser imortalizada em livros, filmes e na sabedoria popular.

(...)

O desfibrilador foi o primeiro de uma enxurrada de novas e revolucionárias técnicas, que incluíram ventiladores mecânicos e sondas de alimentação, cateteres e máquinas de diálise. Pela primeira vez, você podia perder certas funções do corpo e continuar vivo.

Nosso entendimento da morte estava se modificando, até que a invenção do eletroencefalograma, que pode ser usado para identificar a atividade cerebral, foi o golpe final. A partir dos anos 1950, médicos em todo o mundo começaram a descobrir que alguns dos seus pacientes, que antes haviam sido considerados em estado de coma, na verdade não tinham atividade cerebral.

Na França, o misterioso fenômeno era chamado de coma dépasse (literalmente, "estado além do coma", em francês). Eles haviam descoberto os "cadáveres com batimentos cardíacos" - pessoas cujos corpos estavam vivos, mas seus cérebros estavam mortos.


cérebro
Getty Images
O cérebro usa até 25% do oxigênio do nosso corpo. Por isso, ele é o primeiro órgão a morrer quando paramos de respirar.

(...)

O que nos traz de volta àquela eterna questão médica: se o seu coração ainda está batendo, como os médicos podem afirmar que você está morto?

Inicialmente, os médicos identificavam vítimas de coma dépasse verificando a ausência de atividade cerebral em um eletroencefalograma. Mas havia um problema.

O álcool, a anestesia, algumas doenças (como a hipotermia) e muitos remédios (incluindo o ansiolítico diazepam, ou Valium) podem "desligar" a atividade cerebral, ludibriando assustadoramente os médicos, que podem pensar que o paciente está morto.

(...)

"outras questões."

E tudo pode ficar muito mais complicado em breve. Atualmente, os médicos estão sujeitos à "regra do doador morto", que determina que nenhum órgão pode ser removido antes da morte da pessoa - o que significa total morte cerebral ou coração que já parou de bater. Mas algumas pessoas, incluindo Veatch, acham que isso precisa mudar.

Eles propuseram a definição de "cérebro superior", que significa que uma pessoa não está morta quando seu coração para de bater, nem mesmo quando ela para de respirar. Uma pessoa está morta quando perde sua "personalidade".

As pessoas com partes fundamentais do cérebro intactas e a capacidade de respirar independentemente estariam mortas, desde que não pudessem mais ter pensamentos conscientes.

Com essa definição ampliada, os médicos de transplantes teriam acesso a um conjunto muito maior de potenciais doadores que os disponíveis atualmente e poderiam salvar um número incontável de vidas.

A morte não é um evento, é um processo. Mas, mesmo depois de milhares de anos de tentativas, ainda estamos buscando algo mais definitivo. Não parece que este processo vá acabar em breve.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Esta tradução foi publicada originalmente aqui: https://www.bbc.com/portuguese/revista-62571699

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