Relatório do Banco Mundial mostra que a extrema pobreza no país, em 2020, caiu ao nível mais baixo desde 1980. Cadê os 33 milhões de famintos?
Foto: Shutterstock
Como a chamada grande mídia vive (pelo menos até agora) de comemorar notícia ruim e escantear as boas-novas, o número passou a ser repetido à exaustão, como verdade absoluta. Na campanha do PT à presidência, a pesquisa foi usada como arma político-eleitoral. Ganhou ares de um atestado incontestável de que praticamente um sexto da população brasileira passa fome em 2022.
Lula confessa a mentira
Espalhar notícias falsas sobre o Brasil no exterior, inventar dados e tratá-los como verdadeiros não é uma novidade para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele próprio admitiu que inventava números sobre miséria e caos para impressionar plateias estrangeiras.“Eu cansei de viajar o mundo falando mal do Brasil, gente. A gente ia citando números. Se o cara perguntasse a fonte, a gente não tinha”, gabou-se Lula, numa entrevista coletiva de 2014. Ele contou que um de seus companheiros de viagem, o já falecido Jaime Lerner, arquiteto e ex-governador do Paraná, percebeu o exagero do número inventado de crianças de rua no Brasil.“Eu era aplaudido calorosamente pelos franceses. Quando eu terminei de falar, o Jaime Lerner disse assim para mim: ‘Ô, Lula, não pode ter 25 milhões de crianças de rua, porque senão a gente não conseguiria andar da rua. É muita criança!’”
O exagero denunciado por Lerner naquela mentira de Lula também se observa agora na pesquisa divulgada pela Penssan. É como pensa o economista e professor Igor Lucena sobre os supostos 33 milhões de famintos. “É, no mínimo, um exagero”, disse Lucena. Ele lembrou que o auxílio emergencial continuou em 2021. Ainda, em 2022, a taxa de desemprego está em 8,9%. É um índice muito menor, por exemplo, do que em 2015, quando a taxa de desemprego era de 14% e a taxa de pobreza extrema estava em 3,9%, segundo o Banco Mundial. “É incongruente que com o desemprego no patamar de 8,9% agora em 2022 haja um sexto da população passando fome”, considerou Lucena. “Não parece nada crível que em pouco mais de um ano o país tenha saído de 4 milhões de pessoas em pobreza extrema e passado a 33 milhões de pessoas com fome.”
O economista Alan Ghani também concorda que se trata de uma pesquisa que não condiz com a realidade, considerando, além da taxa de desemprego, o crescimento da economia em 2021. “Não faz sentido, porque, em 2021, o país cresceu e os auxílios continuaram a ser pagos”, afirmou Ghani. “O número é muito discrepante.” Em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 4,6%.
Além disso, o próprio número da Penssan relativo a 2020, o chamado 1º Inquérito de Insegurança Alimentar, destoa — e muito — desse divulgado agora pelo Banco Mundial. Naquele ano, segundo a ONG, a insegurança alimentar grave era de 9% (19 milhões), contra 1,9% (4 milhões) de pessoas vivendo na extrema pobreza. Ou seja, o número da ONG é quase cinco vezes maior do que o do Banco Mundial.
O que é fome?Lucena lembra, contudo, que são metodologias diferentes e, por isso, comprometem comparações. “Os dados das ONGs foram obtidos por meio de critérios subjetivos, e o dado do Banco Mundial é um relatório com base na renda”, afirmou. “Não dá para comparar o Banco Mundial, que faz uma série de relatórios muito bem-feitos e tem credibilidade reconhecida, inclusive em estudos acadêmicos, com a pesquisa dessas ONGs”, declarou Ghani.
Reportagem publicada por Oeste revelou algumas controvérsias em torno da pesquisa da Rede Penssan. Por exemplo: na falta de clareza do conceito de fome. Os 33 milhões se referem ao que está definido no termo técnico “insegurança alimentar grave”, na Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, usada desde 2004 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e aplicada ao estudo. No entanto, ao contrário da conotação usada pela Penssan, não é comum o IBGE usar a classificação de “insegurança alimentar grave” como sinônimo de fome.
O antropólogo Flávio Gordon, colunista da Revista Oeste, afirma que o documento tem viés político. “O relatório, ‘coautorado’ por ONGs nitidamente de esquerda, como Oxfam Brasil e Actionaid, tenta culpar o atual governo pela fome, mas, curiosamente, não faz menção alguma às políticas restritivas durante a pandemia”, observou Gordon.
Só daqui um ano
No Brasil, a queda significativa na taxa em 2020 se deu em razão do auxílio emergencial. Com a pandemia, o fechamento de postos de trabalho e principalmente dos trabalhos informais, o governo destinou cerca de R$ 290 bilhões em benefícios para cerca de 68 milhões de pessoas. Foram cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300, e o valor era em dobro para mães solteiras.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, havia desmentido a informação de que havia 33 milhões de brasileiros passando fome, citando um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “O Ipea fez um trabalho mostrando que o teto disso [da extrema pobreza] seria de 7 milhões”, afirmou o ministro ao programa Pânico, da Jovem Pan, em 28 de setembro. “No mundo em que a guerra empobreceu os mais frágeis, o Brasil está reduzindo a pobreza. Ou é narrativa política ou é um trabalho malfeito. Se tivéssemos 33 milhões de brasileiros passando fome [seria quando] nós estávamos na pandemia. O dado de 33 milhões passando fome é um número completamente despropositado”, completou Guedes.
O economista Igor Lucena acredita que, de fato, como mostra o Ipea, houve aumento da extrema pobreza em 2021 e 2022, justamente porque não há mais o auxílio emergencial, apenas o Auxílio Brasil. Embora em valor maior, ele já era pago anteriormente na forma do Bolsa Família. “Esse índice de 1,9% de 2020 deve crescer em 2021, porque houve corte do auxílio emergencial, mas não será nesse patamar (da Penssan/Vox Populi)”, comentou. “O número exato somente vamos saber quando o Banco Mundial divulgar o relatório, daqui a um ano”, afirmou.
Leia também “É proibido ser de direita nas universidades”
Loriane Comeli, colunista - Revista Oeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário