Entre os contratos em andamento, disponíveis no "Plano de Contratações Anual
– PCA 2022, do Tribunal Superior Eleitoral”, está um de prestação de
“serviços de copeiragem (copeira, garçom e encarregado de copeiragem)
como apoio essencial às Sessões Plenárias, reuniões, eventos
institucionais e outros correlatos às funções do Tribunal", no valor de
R$ 4.829.475,21. Já a compra de água, açúcar, café, detergente e refil
de purificadores para funcionamento das copas do TSE em 2022 custará R$
50 mil ao bolso do brasileiro. Além de todas as ajudas de custo e
benefícios, o Tribunal fornece almoço ou jantar “aos Senhores Ministros
nos dias em que ocorrem sessões plenárias e administrativas”, com
acompanhamento de bebida, o que custa R$ 43 mil no ano. [certamente servidores administrativos e de serviços auxiliares, que estarão presente, trabalhando, consumirão marmitas ou irão a uma pastelaria e farão refeição a base de pastel e caldo de cana.]
O TSE também contrata uma empresa que fornece 36 motoristas terceirizados (de acordo com uma lista de colaboradores disponível no site), trabalhando em escala, por R$ 3.141.377,80 ao ano, o que representa um custo médio de R$ 7,2 mil mensais por profissional. Para 2022, o Tribunal destinou quase R$ 804 mil para a aquisição de veículos blindados, com o objetivo de “oferecer o correto equipamento para atender a necessidade a proteção das autoridades, tornando-a mais adequada ao aumento do risco de ações agressivas”.
O serviço de limpeza e higienização dos automóveis oficiais custa perto de R$ 165 mil e as manutenções preventivas e corretivas em torno de R$ 194 mil. A justificativa do gasto é “manter o veículo oficial em perfeitas condições de funcionamento, considerando o serviço a ser executado pela equipe de Segurança Institucional junto aos Ministros do TSE, ou seja, segurança pessoal e acompanhamento dos Ministros”.
Esse tipo de despesa é impensável em alguns países da Europa, como na Suécia, onde se acredita que “luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético”. É o que pensa Göran Lambertz, que foi juiz da Suprema Corte sueca entre 2009 e 2017. Entrevistado pela jornalista brasileira Claudia Wallin, para o livro “Um País Sem Excelências e Mordomias” [Geração Editorial, 2014], ele conta que nenhum juiz por lá, o que inclui o presidente do Supremo, tem carro oficial com motorista.
Sem especificação do motivo dos benefícios, os gastos do TSE com pessoal ficam envoltos em mistério. “Essa questão dos benefícios é a parte mais difícil de fazer o acompanhamento. Há resoluções do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que determinam como as informações devem ser prestadas, são números. Somente por meio deles, não se consegue entender se o benefício foi apropriado ou não, apenas que houve um volume maior, mas não especificamente o que foi feito”, pondera Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil, organização sem fins lucrativos que atua há mais de duas décadas na luta por transparência, controle social e integridade do poder público.
Embora todo cidadão tenha direito de pedir o detalhamento dessas despesas via Lei de Acesso à Informação, a especialista defende que seria benéfico o Tribunal emitir relatórios acerca de gastos maiores, que chamam a atenção e preocupam o contribuinte. “Se o servidor recebe um montante para viagem ou o recálculo de algum benefício, é importante disponibilizar essas informações. Para fazer o pagamento, eles têm esse cálculo, seria só publicar um relatório mensal que explicasse cada um deles. Não estamos nem falando em irregularidades, mas em como o orçamento está sendo distribuído. Queremos que abram os dados de remuneração e benefícios para entender com o que o governo está gastando”, detalha.
Sakai destaca que o “Judiciário tem um histórico de criar uma série de benefícios para não bater o teto constitucional”. “Provavelmente, esses pagamentos estão dentro da lei. Mas é razoável a gente ter pago isso? Isso incide dentro do teto? Provavelmente, não. E se não, para que servia?”, questiona.
Contratos vão de limpeza a contribuições internacionaisSegundo as informações da transparência, a limpeza e conservação do TSE (entre pessoal e material de serviço) custa anualmente R$ 6.399.332,24. A mesma empresa que fornece essa mão de obra tem um contrato com o Tribunal para prestar apoio administrativo, cuja justificativa é manter “os serviços nas unidades orgânicas de forma a não interromper ou impactar as atividades em curso, deixando servidores e autoridades livres para praticar as atividades fim de cada unidade", no valor de R$ 6.536.024,08.
Aqui também o contraste com o exemplo sueco é grande. Sem secretárias ou assistentes particulares, os magistrados da Suécia contam com uma equipe pequena de assistentes, que trabalham em conjunto para todos eles. Segundo mostra o livro de Claudia Wallin, na Suprema Corte, por exemplo, os 16 magistrados contam com 30 profissionais da área do Direito para auxiliar em todos os casos e mais 15 assistentes administrativos, que se dividem para fazer o trabalho necessário.
Outro gasto incluso nas contratações anuais do TSE é uma “Contribuição Internacional (IDEA)”, no valor de R$ 764.563,00, cujo único detalhamento é: “Objeto constante da planilha de contratos (1694976)”. Uma matéria publicada no site do Tribunal em abril de 2016 e atualizada em agosto de 2022 (“TSE celebra adesão do Brasil ao Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral") explica o objetivo da parceria com o “IDEA”, sem citar questões financeiras: “a experiência brasileira em processos como do voto eletrônico tem grande valia para diversos países e ganhará ainda maior alcance por meio da associação que hoje se inicia. Ao mesmo tempo, o Brasil se beneficiará sobremaneira do diálogo e da cooperação com o Instituto”.
Já a garantia de que decisões, despachos, relatórios, textos do site e outros documentos estejam sempre escritos em português impecável custa R$ 5.366.910,00 por ano aos brasileiros, por meio de um contrato de revisão de textos, que aloca 38 profissionais no TSE (segundo a lista de colaboradores do órgão disponível na transparência).
TSE custa mais de R$ 2 bi no anoSomente em 2022, o TSE deve custar R$ 2,45 bilhões ao bolso dos cidadãos brasileiros. Apenas para a gestão do pleito eleitoral deste ano foi previsto o montante de R$ 1,33 bilhão. Os dados são da Lei Orçamentária Anual (LOA). Para o ano passado, em que não houve eleições, o orçamento destinado ao Tribunal pela LOA se manteve na mesma média, com um total de R$ 2,1 bilhões.
De acordo com o Relatório de Gestão 2020 do TSE, naquele ano eleitoral 54% dos recursos do Tribunal foram destinados aos gastos com as eleições municipais, 27% ao custeio de despesas com pessoal e benefícios e 15,5% ao custeio de projetos e atividades do órgão. Os valores informados no documento, no entanto, divergem dos que aparecem na LOA.
“Coube ao TSE o montante autorizado de R$1,4 bilhão, equivalente a 14,4% dos R$9,4 bilhões da JE [Justiça Eleitoral], no exercício de 2020. Desse total, R$379,8 milhões correspondem à dotação para custeio de despesas com pessoal e benefícios, R$756,3 milhões, aos gastos com as eleições municipais e R$215,9 milhões, ao custeio de projetos e atividades do órgão”, afirma o relatório. A Lei Orçamentária de 2020 aponta uma previsão de R$ 2,12 bilhões para o TSE, sendo R$ 1,28 bilhão destinado aos pleitos eleitorais [municipais = eleições que poderiam ocorrer junto com as gerais.] daquele ano.
“Essa disparidade de dados chama a atenção, porque, se estamos olhando os gastos para tentar entender o que o governo está fazendo, e não conseguimos, já existe um problema de comunicação. Se nem a gente [pesquisadores da área e jornalistas] consegue, isso mostra uma deficiência na transparência, na comunicação, porque os dados não batem. Assim, não temos como fazer um controle social efetivo e entender como os recursos estão andando”, analisa Juliana Sakai. Ela recorda que a própria estrutura diferente do TSE, cujos juízes são cedidos de outros tribunais, já torna mais difícil entender os gastos. [para nós leigos, porém cidadãos e contribuintes, quanto mais se pesquisa, mais se fortalece a ideia: "se Justiça Eleitoral e urnas eletrônicas fossem essenciais para a democracia, não seriam dispensadas nas grandes democracias e nos países desenvolvidos." ]
Penduricalhos para burlar o tetoEm setembro do ano passado, a Transparência Brasil publicou um estudo intitulado “Teto decorativo”, mostrando como “graças a benefícios e penduricalhos, remunerações de promotores e juízes da Paraíba superam o teto constitucional”. O documento explica que "os benefícios e os penduricalhos, e não os salários, levam ao descumprimento do limite remuneratório e à oneração da folha de pessoal do sistema de Justiça. Resultam, inclusive, em pagamentos retroativos de até seis dígitos que eventualmente aparecem nas folhas e repercutem negativamente na imprensa”.
No serviço público, os vencimentos costumam ser compostos por uma espécie de salário-base mensal mais benefícios (gratificações permanentes por tempo de serviço, por exercício de cargos de confiança; acréscimos como bônus de Natal; e direitos trabalhistas como férias e décimo terceiro).
“O teto constitucional vale para a soma desses elementos: caso ela seja maior que os atuais R$ 39,2 mil, aplica-se um abatimento (desconto) para que o funcionário público receba dentro do limite estabelecido constitucionalmente. Não são afetados pelo corte direitos trabalhistas, verbas por exercício de magistério e abono de permanência em serviço. Além do salário e dos benefícios, há ainda outra categoria de recebimentos que se convencionou chamar de 'indenizações'. Pela acepção da palavra, são reembolsos por gastos realizados pelos membros e servidores no exercício da função, como diárias para participar de eventos externos. Esses recebimentos não são submetidos ao teto remuneratório, o que faria sentido caso de fato se limitassem a ressarcir despesas relacionadas ao serviço", detalha o estudo.
A falta de transparência sobre diárias pagas a membros e servidores dificulta estabelecer um panorama de seu impacto nas remunerações e na violação do teto constitucional. “A título de comparação, os gastos com remunerações de quatro órgãos do sistema de Justiça na Paraíba equivalem a 2% do PIB estadual. Ou seja, a cada R$ 100 reais produzidos em todo o estado, R$ 2 são usados no pagamento de salários, da longa lista de benefícios e de penduricalhos a membros e servidores do MP-PB, do TJ-PB, do TRT-13 e do TRE-PB", exemplifica a Transparência Brasil.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria de imprensa do TSE, para comentar o assunto, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.
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