No fim dos anos 80 do século passado, para difundir a ideia de que o produto não causava ressacas, a vodka Orloff criou o famoso bordão da marca com a frase proferida por um consumidor irradiando bem estar: “Eu sou você amanhã”.
Em junho de 1994 (lançamento do Plano Real), a inflação brasileira bateu 47% sobre o mês anterior e alcançou 4.900% sobre junho do ano anterior! Vivêramos anos terríveis. Recebidos os salários, corria-se aos supermercados para compor volumosos estoques mensais como forma de escapar à erosão do poder de compra ao longo do mês. Estabeleceu-se o hábito de procurar nas prateleiras produtos que tivessem escapado a atividade cotidiana do “rotulador maluco” – o funcionário que lhes sobrepunha novas etiquetas de preços. Estocava-se tudo que pudesse ser congelado.
Aplicadas regras do Plano Real, no mês seguinte, em julho de 1994, a inflação caiu para 6,8% e em seguida a moeda entrou num longo período de estabilidade. Em outubro, Fernando Henrique venceu a eleição contra Lula no primeiro turno. Quatro anos mais tarde, os dois voltaram a se defrontar após o horroroso episódio da compra de votos para aprovar a PEC que permitiu a reeleição. Lula fez campanha contra o Plano Real e, uma vez mais, perdeu no primeiro turno.
A Folha de São Paulo, em 2 de julho de 1998 reproduziu fala de Lula, em discurso, afirmando que “o povo tem que aprender que ninguém pode viver de fantasia o tempo inteiro" e que estava disposto a pregar contra o plano ainda que isso significasse o risco de perder votos. Na mesma ocasião, Lula listou banqueiros e especuladores entre os que teriam razão para festejar o aniversário do Plano Real. E acrescentou: "É essa a estabilidade monetária que causa instabilidade social".
Oi? Pois é, disse isso mesmo e não mudou de ideia sobre teto de gastos. O convite agora feito a dois dos criadores do Plano Real, ligados ao poleiro dos tucanos, para sua equipe de transição certamente não é ideia de Lula, mas de Alckmin e, na vida real, não significa coisa alguma. À absurda situação em que nos encontramos somam-se agora os riscos de que um desastre se abata sobre a área tão competentemente comandada por Paulo Guedes, sob fogo inimigo, inclusive de ministros do STF.
Não sei se acabou nosso efeito Orloff em relação à Argentina. Mas sei que o abraço, orelha com orelha, trocado entre dois notórios populistas como Lula e Alberto Fernandez se soma às minhas preocupações.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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