Gradualmente, a bruma se dissipa. A gente pisca os olhos como para
limpar a visão e começa a ver um pouco além da grande confusão dos
últimos meses. Já não se trata mais de buscar as razões do que
aconteceu, porque elas nunca foram razões da razão; o que se percebe,
com realismo, são os motivos e os objetivos.
O impeachment de Dilma e a
presidência de Michel Temer foram dois pontos fora da curva e a eleição
de Bolsonaro marcou o terceiro surfando nas redes sociais apesar da
imprensa tradicional e do “Ele não!”.
Acabei de mencionar os motivos; os
objetivos, obviamente, foram dois: derrotar Bolsonaro e, com Lula,
trazer a esquerda de volta ao poder.
O fato mais
expressivo da campanha eleitoral de 2022 foi a nítida sensação de que a
reeleição do presidente era inaceitável para quem se habituou a
comandar o jogo.
Episódio eloquente ocorreu no dia 12 de dezembro do ano
passado, na cerimônia de diplomação da chapa eleita: o auditório do
TSE, repleto de autoridades e petistas engravatados, saudou a chegada do
ministro Alexandre de Moraes à mesa dos trabalhos com estrondosa e
prolongada salva de palmas.
Uma alegria incontida que só não entendeu
quem não quis.
Os cotovelos de Lula devem ter ficado magoados porque sua
recepção foi muito menos calorosa.
Revela-se nesses detalhes o ânimo
legionário que permite a locução de praxe: missão dada, missão cumprida.
Para usar uma expressão do futebol, a história levou um drible “de caneta”. Como no poema de Drummond: “E agora, José?”.
Durante
décadas, eventuais conclusões sobre o futuro do Brasil nas mãos da
esquerda eram rotuladas como teoria da conspiração.
Agora, não dá mais,
porque tudo que se dizia sobre as consequências de uma futura vitória de
Lula, está em pleno curso, aberto, declarado, estampado.
Parece que o
presidente saído das urnas não se preocupou, nem mesmo, em cuidar da
imagem de seus benfeitores.
Quer
desestatizar, impedir privatizações, ampliar a máquina e o gasto
público, distribuir empregos para seus militantes revogando a Lei das
Estatais, aumentar impostos, reestatizar o Banco Central, desarmar a
população, apoiar as ações do MST, desqualificar quem se dedica ao
agronegócio, descartar a cláusula democrática para retomar o projeto da
UNASUL, apoiar ditaduras de esquerda na América Latina, ampliar sua
influência sobre o topo do Poder Judiciário e formalizar a censura das
opiniões nas redes sociais, através do PL 2630.
De novo, mesmo, apenas a
ideia de financiar a Argentina através do Banco do BRICS, incluir
Venezuela como membro daquela organização e criar moedas únicas com quem
quer que o convide a dizer algo sobre economia.
Hoje,
examinei as imagens da reunião dos presidentes dos países da América do
Sul. Vi Lula em reuniões reservadas e renegociando dívidas com Nicolas
Maduro. O ditador venezuelano, aqui recebido com pompa e circunstância, é
um narco-terrorista que se chegar num país que pretenda proteger seus
cidadãos, vai preso.
Nisso tudo,
o que mais me espanta é conhecer tanta gente que simplesmente não se
importa em perder sua liberdade (e, com ela, sua dignidade) e ferrar seu
país.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de
dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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