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segunda-feira, 25 de maio de 2015

A gente se sente como quem partiu ou morreu



Formamos cada vez mais bandidos e menos cidadãos. O crime da Lagoa é um alerta a um Estado omisso e incompetente
Tem dias que a gente se sente/Como quem partiu ou morreu/A gente estancou de repente/Ou foi o mundo então que cresceu/A gente quer ter voz ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda-viva/E carrega o destino pra lá.

Tem semanas que a gente precisa apelar para a poesia de Chico Buarque. Essa foi uma semana assim, marcada por um assassinato a sangue-frio, com requintes de crueldade, cometido com uma faca numa das áreas urbanas mais belas do Brasil: a Lagoa Rodrigo de Freitas. A Lagoa sediará algumas provas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro e atrai atletas e famílias nos fins de semana.

Um médico cardiologista do Hospital Universitário do Fundão, da UFRJ, desarmado, pai divorciado que morava com os filhos, foi esfaqueado enquanto pedalava sua bicicleta. Cioso das regras dos ciclistas, usava capacete. Foi atacado por trás e, mesmo caído no chão, levou um corte no abdome, de baixo para cima, que atingiu quatro órgãos e frustrou qualquer chance de sobrevivência após oito horas de cirurgia. O principal suspeito é um jovem de 16 anos, franzino, com corte de cabelo parecido com o de jogadores de futebol e 15 passagens pela polícia, filho de uma catadora de lixo da favela de Manguinhos, abandonada pelo marido com três filhos.

Foi um choque. Não é caso isolado. Assaltos com facas – armas brancas cujo porte é permitido por lei – viraram moda no Rio. No transporte público, também os pobres, especialmente mulheres, têm sido ameaçados com faca por gangues de jovens. Atrás de celulares, carteiras, vale-refeição. Minha empregada, que acorda às 4h30 da manhã para vir trabalhar, conta que a garotada passa rasgando com faca as bolsas das passageiras nos pontos de ônibus.

Diante da tragédia que vitimou o médico Jaime Gold, as reações foram também extremas e desencontradas. A imprensa foi acusada de dar mais destaque a esse crime do que aos de um rapaz de 24 anos e um adolescente de 13 anos, mortos covardemente a tiros por um policial civil no Morro do Dendê, na Ilha do Governador. No mundo inteiro é assim. Em periferias ou áreas conflagradas, em guerra, as mortes recebem menos atenção do que os crimes em área turística, de lazer, buscada por nativos e estrangeiros.

Por envolver menores de idade, esse crime obriga políticos e sociedade a examinar com lupa sua imagem no espelho. Está claro que a culpa é de todos – além do assassino. Há muitos “monstros” por aí. Não nasceram assim. Mas nem por isso devem continuar impunes e soltos. Falta policiamento ostensivo. O Rio está coalhado de viaturas paradas, com policiais conversando, e áreas estratégicas abandonadas. Mas não basta e nem há policiais suficientes para colocar um PM em cada esquina. Falta preparo. Fardados não podem matar, achacar e montar versões. Não basta ser expulso da corporação. Precisa ser isolado da sociedade.

Falta iluminação pública. Falta saneamento para não conviver com ratos. Falta a presença do Estado nas favelas. Não adianta ter UPP sem o Estado.
Falta investigação: até agora não entendi como esse menino, considerado foragido, tinha tantas bicicletas caras roubadas no barraco após 15 passagens pela polícia. Impressionou a rapidez com que os policiais o encontraram. Falta rigor da Justiça: adultos ou adolescentes, não importa a idade, ficam detidos pouco tempo para os crimes que cometem; e isso vale para os corruptos, os estupradores e os assassinos do trânsito.

Falta reduzir a maioridade penal em crimes hediondos. Se um crime bárbaro desses rendesse prisão perpétua ou 30 anos, não importa a idade do assassino, mesmo os pobres e carentes só roubariam da vítima, e não tirariam vidas. Falta descriminalizar as drogas, começando pela maconha, para dar um tiro no pé e no nariz do crime organizado. Falta melhorar o sistema penitenciário. Tanto as instituições de menores quanto nossas cadeias comuns são escolas de crimes, indignas. A maioria absoluta de crianças pobres quer estudar e trabalhar. Para os que  desafiam os pais, fogem de casa e preferem ser delinquentes, que tal criar presídios-escolas?

Falta sobretudo uma sociedade digna, que forme cidadãos e não bandidos. Falta planejamento familiar para evitar paternidade e maternidade aos 14 ou 16 anos. Faltam creches para bebês serem assistidos com carinho e as mães poderem trabalhar. Falta, na “pátria educadora”, Educação com maiúscula, para todos e de qualidade em tempo integral – não escolas sem merenda, sem banheiro e sem professores. Quando lembro os Cieps do Brizola e do Darcy Ribeiro, solução simples, barata e eficaz, por isso abandonada... quando lembro uma frase atribuída ao Brizola: “O PT é a UDN de macacão”... aí eu penso que tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.

Por: Ruth de Aquino – Revista Época

domingo, 8 de fevereiro de 2015

CINISMO E EMPULHAÇÃO

Nada acontece de repente. Tudo é processo. Por isto recordo um fato mal avaliado por analistas políticos e até mesmo desprezado e criticado: as manifestações ocorridas em junho de 2013 em todo Brasil. Foi algo impressionante e o estopim foi um movimento de poucos jovens inebriados por um esquerdismo mais folclórico do que fundamentado teoricamente. Eles pediam passe livre apesar de andarem de carro. O que daí decorreu nada teve a ver com ônibus de graça, não era liderado por partidos políticos e não possuía característica ideológica. As multidões foram às ruas para manifestar insatisfação com o governo em múltiplos aspectos.

 Em seguida, em meio às manifestações pacíficas apareceram os Black Block, horda composta por bandidos, arruaceiros e a garotada que destrói tudo em nome da esquerda, que ataca símbolos do capitalismo como agências de bancos. Aposto que a moçada, como o ditador da Coreia do Norte, adoram ir à Disneylândia ou fazer compras e estudar nos Estados Unidos. Em todo caso, diante da violência plantada estrategicamente as manifestações recuaram. Seria, porém, ingenuidade supor que a insatisfação popular diminuiu.
Outro fato significativo foi a estrondosa vaia e o xingamento que a presidente Rousseff recebeu na abertura da Copa. Um vexame pior do que a vaia sofrida por Lula nos jogos Pan-americanos. Esporadicamente ela continuou sendo vaiada em lugares aonde ia levar suas “bondades” de campanha. E veio a campanha. A situação econômica péssima com o Brasil quebrado pela senhora presidente, enquanto eclodia o escândalo da Petrobras, mãe de todos os escândalos já havidos no Brasil depois do mensalão. Mesmo assim, João Santana, o Goebells do PT, avisou que Rousseff ganharia de lavada no primeiro turno, pois os anões tenderiam ao canibalismo.
Tal não aconteceu e veio o segundo turno entre Dilma Rousseff e Aécio Neves, depois da destruição moral da candidata Marina Silva. Os canhões petistas, então, se voltaram contra Aécio e foi um festival de acusações, de infâmias, de mentiras. Segundo o PT, Aécio acabaria com a bolsa esmola, os direitos trabalhistas, poria no ministério da Fazenda um monstro chamado Armínio Fraga, jogaria o povo na miséria. Nunca antes nesse país houve uma campanha tão sórdida, tão suja, tão abjeta. Desesperado o PT fez o diabo para não perder o bonde do poder. Rousseff ganhou por pouco. Por pouco Aécio perdeu em Minas. Lula perdeu feio em São Paulo, seu berço político, assim com Rousseff em Porto Alegre e em Brasília. O PT diminui a bancada na Câmara, perdeu governos em Estados importantes.
Há, porém, um fato importante ainda não comentado. De modo inédito em campanhas as pessoas tomaram posição de forma clara e se instalou com firmeza o petismo e o antipetismo. Há uma probabilidade do sentimento antipetista se acentuar diante da inflação crescente, da queda da renda, do desemprego que começa a mostrar suas garras, das contradições do governo Rousseff que já cortou benefícios previdenciários e trabalhistas fazendo o que acusava levianamente seus adversários de fazer caso ganhassem.
Finalmente, depois de muitos adiamentos o ministério foi composto. Não passa de um balcão de negociação de votos no Congresso. Longe do mérito e da competência muitos dos nomeados têm folha corrida e não curriculum. O grosso dos agraciados ignora o que fazer no cargo e terá apenas por missão executar o que sua mestra mandar. No meio da chusma aliada uma exceção com base no mérito: Joaquim Levy, originário do governo Fernando Henrique Cardoso, que será o Armínio Fraga da Dilma. Levy tentará tirar a economia do buraco e, assim, preparar a volta de Lula em 2018 numa situação econômica menos caótica. Este, como sempre empoleirado no palanque já se compõe com uma “frente de esquerda” que lhe dará total apoio. No seu próximo governo, provavelmente, o baderneiro Guilherme Boulos, líder do MTST, será um ministro importante ou comandará os conselhos populares. E veio a posse. Havia militares e militantes. Estes buscados em vários Estados e trazidos em muitos ônibus. Um sanduíche, um refrigerante e as bandeiras vermelhas se agitaram à passagem da reeleita. O povo praticamente esteve ausente da patuscada.

Menção especial deve ser feita ao discurso de posse que impressionou pelo cinismo e pela empulhação. Uma ficção de mau gosto sobre o paraíso Brasil, obra do PT onde a pobreza acabou e o pleno emprego deixa a todos imersos em felicidade. Uma dádiva que devemos agradecer de joelhos ao criador e a criatura. Falou-se em misteriosos inimigos externos, em combate à corrupção, etc., até que o delírio oratório culminou no slogan: “Brasil, pátria educadora”. Educadora com Cid Gomes?  Parece piada de salão, como diria o mensaleiro Delúbio Soares. Infelizmente, nunca fomos tão parecidos a uma republiqueta das bananas.

Por: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
              www.maluvibar.blogspot.com.br


sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O janeiro negro do Planalto



Se alguém planejasse, não armaria tantas trapalhadas para que tantas coisas dessem errado em tão pouco tempo
A eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara foi apenas um detalhe na trajetória de um governo que parece ter feito uma opção preferencial pela trapalhada. Vale a pena atrasar o relógio.

A doutora Dilma ainda estava de férias e, em seu nome, saiu do Planalto a bala perdida que acertou a testa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Levou-o a um recuo público desnecessário, apenas humilhante, por causa de um comentário genérico sobre o salário-mínimo. Pouco depois, veio outra bala perdida, desta vez na direção do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por ter dito que os critérios do seguro-desemprego estavam ultrapassados, coisa já anunciada pelo seu antecessor. Isso num governo que pretende carregar a bandeira de uma “pátria educadora", e cortou verbas do Ministério da Educação. Deu-se um apagão no sistema elétrico e o ministro de Minas e Energia prontamente informou que foi um acidente. A área técnica do governo desmentiu-o no ato.

Nenhuma dessas coisas precisava ter acontecido. Pátria educadora" é conversa fiada. O Planalto não precisa atirar nos seus próprios ministros. O doutor das Minas e Energia não precisava dizer o que disse. Finalmente, se Eduardo Cunha tinha uma “ascendência irreversível" na Casa, a doutora deveria ter percebido que iria para frigideira com o petista Arlindo Chinaglia. 

Quem seria preferível para presidir a Casa: um petista, ou qualquer um? Conseguiu-se o milagre de dar conteúdo oposicionista ao doutor Cunha. Se a desarticulação política do Planalto e do PT tornavam a derrota inevitável, o ronco de poder emitido pelo comissariado nas últimas semanas foi apenas uma opção preferencial pela trapalhada. Um miado de leão, rugido de gato.

Essas foram iniciativas equivalentes à do sujeito que resolve atravessar a rua para escorregar na casca de banana da outra calçada. Verdadeira mágica, porque do outro lado da rua havia só a banana de Cunha. Na calçada em que anda o Planalto há cachos. O ano de 2014 fechou com o maior déficit das últimas décadas, desmentindo 12 meses de sucessivas lorotas. A Petrobras teve seu crédito rebaixado e suas ações valem menos que dois cocos em Ipanema. Isso e mais a certeza de que a Operação Lava-Jato vai desentranhar as contas do PT. (A regulamentação da Lei Anticorrupção está engavetada há um ano.)

O governo resolveu inflar seus desastres porque, na batalha da comunicação, egocentrismo e megalomania abafam a rotina. Mesmo assim, nem tudo são espinhos. Esse mesmo governo mandou passear o lobby das concessionárias de energia que pretendia espetar na Viúva uma conta de R$ 2,5 bilhões. Mandou passear também os clubes de futebol com suas dívidas de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Muito justamente reduziu o crédito estudantil para jovens com desempenho pouco acima do medíocre no Enem. Contrariou os barões das escolas privadas, mas conteve a privatização de seus recursos. Essa batalha ainda não terminou, como ainda não entrou em cena a das operadoras de saúde, começada nos dias das festas de fim de ano.

Resta à doutora Dilma um consolo. Na oposição, a única novidade é que Aécio Neves deixou a barba crescer.

Por: Elio Gaspari, jornalista