Bernardo Russo tem histórico acadêmico exemplar;
faturamento mensal foi estimado por policiais em R$ 900 mil
Nos anos
1990, um rapaz de classe média alta, filho de um alto executivo do Banco
Nacional, com todas as chances na vida, foi parar na prisão acusado de tráfico
internacional de drogas. De principal fornecedor de cocaína das altas-rodas da
sociedade carioca, João Guilherme Estrella passou a operador de uma rede de
“mulas” para envio de droga para a Europa. Até ser descoberto pela polícia. Uma
história revelada pelo jornalista Guilherme Fiuza no livro “Meu nome não é
Johnny”, que virou sucesso no cinema.
RI
14/12/2017 - Rio de Janeiro/RJ - Advogado Bernardo Russo. Foto: reprodução - reprodução
/ Agência O Globo
Uma
década antes, outro abastado morador da Zona Sul ficara famoso ao ser acusado,
em 1984, de levar cocaína para a Europa dentro de latas de sardinhas. Seu nome
era Lívio Bruni Júnior, filho de um homem que fez fortuna controlando uma rede
com mais de 200 salas de cinema no país. Livinho, como era conhecido, cresceu
com tudo de bom e de melhor que o dinheiro do pai podia lhe oferecer. Com a
prisão decretada, fugiu para o exterior. Em novembro de 1996, foi preso na
Espanha em flagrante de estelionato e deportado para o Brasil. Em 1997, foi
condenado a 25 anos de prisão.
Uma
história semelhante está sendo investigada no Rio e quase passou despercebida
em meio às operações policiais de combate ao crime organizado no estado. Como
as de Johnny e Lívio Bruni, poderia ganhar roteiro de cinema ou ser contada em
livro. No dia 30, Bernardo Russo Menezes Martins Correa foi preso na Zona Sul,
acusado de pertencer à quadrilha de tráfico da Rocinha. Ele estaria envolvido,
segundo a polícia, com a “maior quadrilha de traficantes que atuava na Zona
Sul, na Barra da Tijuca e no Recreio dos Bandeirantes”. A definição foi dada
pelos delegados Felipe Curi e Gustavo Castro, da Delegacia de Combate às Drogas
(Dcod) da Polícia Civil, que comandaram as investigações.
Grampos
telefônicos, de acordo com a polícia, revelaram que Bernardo negociava drogas
com traficantes da maior favela do Rio e as repassava a consumidores de classe
média alta no asfalto. O “delivery” era responsável, de acordo com a
investigação, por mais de 800 entregas por semana. O faturamento mensal foi
estimado pelos policiais em R$ 900 mil.
A
suspeita de que Bernardo Russo era um traficante, ligado à facção da Rocinha,
caiu como uma bomba e chocou parentes e amigos. Mais: passou a ser assunto de
prestigiadas rodas jurídicas da cidade. Não por acaso. O acusado é um advogado
de 39 anos que cresceu no Leblon. Em cinco anos, ele teve ascensão meteórica
nos corredores da Justiça, passando de simples estagiário a advogado de um dos
maiores escritórios de advocacia do país. Com histórico acadêmico exemplar,
sempre teve boas notas e destaque nas salas de aulas. Um perfil esperado para
quem, afinal, havia frequentado as melhores escolas do Rio. Passou pelo Colégio
Santo Inácio no ensino médio, formou-se em Direito na PUC e fez especialização
em Direito de Estado na Fundação Getulio Vargas (FGV).
INQUÉRITO
EM SIGILO
Preso,
acabou na Cadeia Pública José Frederico Marques, ao lado de boa parte dos
políticos que dominaram o cenário do poder nas duas últimas décadas, mas foram
parar em Benfica por corrupção. Bernardo Russo foi levado para lá no dia 1º de
dezembro. Dois dias depois, no dia 3, comemorou o aniversário na prisão. Na
última quarta-feira, a juíza Ana Luiza Coimbra Nogueira, da 21ª Vara Criminal,
a mesma que autorizou os policiais a grampearem o advogado e decretou sua
prisão, mandou soltá-lo. Procurada pelo GLOBO, a magistrada informou que não
poderia comentar o caso porque o inquérito estava sob sigilo.
A defesa
do advogado alega que ele é inocente. O advogado Marcelo Camara Py de Mello e
Silva, que representa Bernardo, informou ao GLOBO que ele apresentará à Justiça
“todos os elementos de convicção a demonstrar sua inocência, uma vez que o
inquérito em andamento é protegido por segredo de Justiça”. Também sustentou
que “Bernardo nunca traficou drogas, muito menos fez parte de qualquer
associação criminosa destinada a traficância de drogas”. No inquérito entregue
à 21ª Vara Criminal, Mello e Silva anexou um histórico do que seria o passado
ilibado do advogado, filho de um tradicional médico do Leblon.
— Foi um
choque para todo mundo que conviveu com ele. Ninguém até agora conseguiu
entender — disse um conhecido da família, pedindo para não ser identificado.
Advogados
que atuaram com Bernardo dizem que ele sempre foi uma pessoa agradável.
— Parece
estar sempre feliz. É brincalhão e gosta de contar piadas — contou um deles.
O
envolvimento com uma quadrilha de tráfico de drogas não condiz com a vida de
Bernardo Russo. O advogado tem dois filhos. — No
trabalho, nas festas de fim de ano ou mesmo nas horas de lazer, nunca soubemos
que ele estivesse ligado a tráfico. Sequer que ele fosse usuário de drogas —
afirmou outro advogado, um dos que ficaram surpresos ao saber das denúncias.
A única
coisa estranha no comportamento do advogado que alguém arrisca apontar é uma
espécie de fobia de elevador.
— Ele não
gosta, sobe quantos andares forem necessários de escada. Acho que tem medo —
contou um ex-colega de escritório, que fica no sétimo andar de um prédio no
Centro.
As razões
que levam jovens bem-sucedidos a se envolver com o crime organizado intrigam
especialistas. Falando em tese, já que não conhece o caso, o psiquiatra Fábio
Barbirato, membro da Academia de Psiquiatria Infantil dos EUA e chefe da
Psiquiatria Infantil da Santa Casa de Misericórdia, explica que é preciso
investigar a personalidade para entender melhor o fenômeno:
— Pode
ser uma questão de estrutura familiar, uma oscilação financeira ou mesmo um
transtorno psiquiátrico.
O
principal alvo da operação da Dcod era Jorge Alves de Souza, conhecido como
Goi, que já vinha tendo seus passos monitorados na Rocinha. Ao todo, os
policiais foram às ruas no dia 30 para cumprir 14 mandados, dez de prisão e
quatro de busca e apreensão. Bernardo atuaria junto a Goi, também preso, que
era seu fornecedor de droga. As investigações mostram contatos por telefone e
aplicativos de mensagem. O
“delivery” mantido pelos acusados fazia chegar aos clientes, em casa ou em
qualquer outro lugar, drogas como Skank, maconha e cocaína. O serviço tinha
grande procura entre usuários de alto poder aquisitivo não só pela comodidade,
mas também pelo fato de os entorpecentes serem de qualidade.
DE
USUÁRIO A ´ESTICA’
O
promotor Alexandre Murilo Graça, da 1ª Central de Inquéritos do Ministério
Público estadual, que atua no caso, disse que a quadrilha era monitorada desde
o início do ano e que ficou constatada a prática reiterada de crime. Segundo
ele, ao todo, dez pessoas foram identificadas. O promotor afirmou ainda que a
denúncia está pronta desde novembro deste ano e será enviada à Justiça em
breve.
— Não só
pelas investigações, mas também pelo que o delegado me relatou no inquérito, o
negócio do advogado era dinheiro. O acusado buscou este caminho, embora tenha
tido todas as oportunidades na vida — observou.
Alexandre
Murilo Graça lembrou que Bernardo Russo é suspeito de negociar drogas
diretamente com os traficantes da Rocinha. — O que
ele fazia? Ele era o “estica”, conhecia o traficante. E deve ter começado como
todo mundo: comprando droga para dividir com os amigos. Depois, percebeu que
podia ganhar dinheiro e, conforme os policiais descobriram, buscou um patamar
maior, um nível acima, tornando-se o “estica” da boca de fumo. A movimentação
de dinheiro, segundo o delegado, era grande. Nos autos, parece estar
evidenciado que ele fez disso sua profissão — disse o promotor.
O
delegado Gustavo Castro, da Dcod, confirmou que o alvo principal era o
traficante Goi e que o advogado, embora não fosse a prioridade, foi flagrado
comprando e repassando drogas: — Ele
comprava e fazia vendas. Nos áudios, aparece fazendo revenda e calculando
quanto iria ganhar. Não era nosso alvo principal, mas comprou e repassou. E
tinha lucro.
O Globo