País fora de órbita
PT e Lula fracassam ao tentar se
afastar de Dilma, ampliam a crise e colocam em risco o ajuste fiscal,
que só foi aprovado graças ao apoio da oposição
Desde 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos
Trabalhadores chegaram juntos ao poder, o governo e a legenda da estrela
rubra nunca estiveram tão em conflito como agora. O embate, em muitos
aspectos, não passa de esperta conveniência. Nesse momento, interessa
tanto ao PT como ao governo Dilma Rousseff parecerem longe um do
outro. Num jogo de sombras, o PT tenta se dissociar das medidas
econômicas de arrocho adotadas por Dilma, que estão na contramão das
bandeiras históricas da esquerda. Já ao governo, abalado pela
deterioração da popularidade da presidente, é vantajoso se desvincular
dos escândalos de corrupção protagonizados por dirigentes petistas. Na
verdade, porém, embora queiram só o bônus da relação, PT e governo são
sócios da crise instalada no País. Na semana passada, ela se
intensificou com o acirramento dos ânimos no Congresso e colocou em
risco o ajuste fiscal tão necessário para o reequilíbrio das contas
públicas do País. Na quinta-feira 7, o pacote só foi aprovado – e por
uma diferença de apenas 25 votos – graças ao apoio de setores da
oposição. O estopim da mais nova crise foi justamente a ação que o PT
empreendeu para tentar se desvincular das trapalhadas de Dilma, como se
isso fosse possível.
O ESTOPIM
Em programa do PT, Lula criticou medidas aprovadas pelo Congresso e
desencadeou reações na sociedade, no Planalto e entre
os partidos da base aliada de Dilma
Em programa do partido, exibido na noite de
terça-feira 5, que não contou com a participação de Dilma, o PT se
colocou frontalmente contra a terceirização dos empregos e o ajuste
fiscal patrocinado pelo Planalto. Coube ao ex-presidente Lula o papel de
mensageiro do PT. A estratégia, no entanto, revelou-se um fracasso.
Porque enquanto Lula, em nome do PT, aparecia na TV para atacar a Câmara
e os deputados aliados por causa do projeto de terceirização aprovado
em abril, em Brasília, a presidente Dilma e o ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, suplicavam para que os parlamentares aprovassem o pacote
do ajuste fiscal. Os mesmos deputados aos quais Dilma implorava por
apoio seriam, segundo Lula, responsáveis por fazer “o Brasil retornar ao
que era no começo do século passado”, quando “o trabalhador era um
cidadão de terceira classe, sem direitos, sem garantias, sem dignidade”.
“Nós não vamos permitir esse retrocesso”, afirmou. Claro que o gesto do
ex-presidente não ficaria impune em meio a um ambiente político
inflamável. As declarações de Lula tiveram efeitos colaterais pesadíssimos.
Enquanto deputados contrários ao ajuste fiscal batiam panelas, sindicalistas
jogavam notas de dólar com as caras de Dilma, Lula e João Vaccari
Para constranger os petistas a votar com o governo, a Força Sindical
liderada pelo deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, lotou as
galerias do plenário arremessando notas falsas de dólares estampadas com
os rostos de Lula, Dilma e do ex-tesoureiro da sigla João Vaccari Neto,
preso sob a acuação de participar do esquema de corrupção investigado
pela Operação Lava Jato. O deputado Vicentinho (PT-SP) foi o mais
alvejado com cartazes e palavras de ordem que atribuíam a ele o título
de traidor, realçando seu passado de militante sindical em defesa da
luta dos trabalhadores. Próximo ao término da sessão, o líder do governo
na Câmara, José Guimarães (PT-CE) reconheceu a ajuda da oposição na
votação da primeira MP do pacote do ajuste fiscal. “Quero agradecer toda
a nossa base e aqueles da oposição que votaram conosco em função dos
compromissos com o País.”
A VACA TOSSIU
Durante a votação do ajuste fiscal, parlamentares que se opunham ao
projeto empunharam cartazes que faziam troça com expressão
usada por Dilma na campanha
Apesar da ação desastrada que, ao fim, trouxe mais ônus do que bônus ao
partido e ao próprio Planalto, tentar descolar-se de Dilma, quando é
conveniente, foi a maneira encontrada pelo PT para sobreviver até as
eleições de 2018. Por enquanto, essa estratégia não colou perante os
eleitores e provocou uma crise com o Congresso e com a própria
presidente num momento crucial para o governo. É impossível prever se
dará certo mais adiante. “As declarações de Lula mostram que ele vai se
apresentar como uma candidatura alternativa à Dilma e não como sucessor
dela. O afastamento é uma sobrevivência para o PT. A junção entre o
partido e o Planalto não foi ruim para o PT enquanto o governo ia bem.
Mas se o governo de Dilma degringolar, o PT vai junto”, afirma o
cientista político Artigas Godoy, professor da Universidade Federal da
Paraíba.
Seguindo essa lógica, a CUT convocou uma paralisação nacional
para o próximo dia 29. Segundo a Central, os protestos serão contra o
projeto de terceirização e as mudanças no seguro-desemprego e na
aposentadoria propostas pelo governo federal. A postura de confronto não
ocorre por acaso. Em conversas internas, líderes sindicais se revelam
preocupados com o crescente desgaste do governo. Para não perder o apoio
de suas bases, a alternativa é tentar retomar bandeiras históricas.
“Não há uma briga de fundo. A questão é tática. Está todo mundo no mesmo
barco e para o PT e sindicatos a melhor estratégia é reafirmar sua
identidade”, analisa Godoy.
Na noite de terça-feira 5, as declarações de Lula exibidas no programa do PT
foram recebidas com panelaços nas principais capitais do País
Embora o PT, na pessoa de Lula, e governo se esforcem para demonstrar
distanciamento quando lhes é oportuno, as investigações da Lava Jato
tratam de lembrá-los que eles são como irmãos siameses. Em depoimento à
Justiça Federal realizado na terça-feira 5, o ex-diretor da área
Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, afirmou que foi convidado
para o cargo pelo então presidente Lula e a então ministra de Minas e
Energia, Dilma Rousseff. Ele negou qualquer indicação política do PMDB e
se disse mais próximo ao PT. Em outro depoimento, desta vez à CPI da
Petrobras na Câmara, o ex-diretor de Abastecimento da estatal, Paulo
Roberto Costa, responsabilizou a presidente pelas perdas na refinaria de
Pasadena, no Texas, e reafirmou que houve um repasse da cota que era do
PP para a campanha da presidente Dilma em 2010. “Houve pedido de R$ 2
milhões para a campanha da presidente Dilma, sim”, disse.
Por: Sérgio Pardellas e Josie Jeronimo