Rússia, China, Brasil e EUA assistem a processos de enfraquecimento da democracia ao longo do ano
A democracia sofreu golpes na Rússia, China e Estados Unidos na semana que passou, mas recebeu alentos na Europa e no Brasil. Um referendo aprovou mudanças constitucionais que permitem a Vladimir
Putin se eleger para mais dois mandatos de seis anos, a partir de 2024,
quando termina o atual. Muitos russos gostam de Putin, que identificam
com a estabilidade, depois das rupturas traumáticas dos anos 90.
[a democracia sempre nos pareceu um bom regime;
só que de uns tempos para cá, não só no Brasil, muitos dos 'donos do poder', a pretexto de manter as vantagens da democracia - no conceito que eles entendem ser o modelo ideal de poder, de democracia - violam os direitos dos que discordam do modelo que eles pretendem impor, mesmo que tais direitos estejam na democracia que eles dizem ter interesse em manter.]
[a democracia sempre nos pareceu um bom regime;
só que de uns tempos para cá, não só no Brasil, muitos dos 'donos do poder', a pretexto de manter as vantagens da democracia - no conceito que eles entendem ser o modelo ideal de poder, de democracia - violam os direitos dos que discordam do modelo que eles pretendem impor, mesmo que tais direitos estejam na democracia que eles dizem ter interesse em manter.]
Mas
muitos não votaram exatamente pela sua perpetuação no poder.
A consulta
era sobre um pacote de emendas, que atrela o salário mínimo a um cálculo
de renda mínima, corrige as aposentadorias pela inflação e declara
casamento união entre homem e mulher. As opções eram sim ou não para o
pacote todo. [convenhamos que as vantagens do pacote,compensam amplamente manter o seu autor até 2036.]
A propaganda em torno do referendo focou nos benefícios salariais e no
ataque ao casamento de homossexuais, numa Rússia que se tornou mais
conservadora nas últimas duas décadas sob Putin, aliado da Igreja
Ortodoxa. Ele governa a Rússia desde 1999. Em 2036, terá 83 anos.
O regime chinês emendou a Lei Básica de Hong Kong, introduzindo normas
de segurança que, essencialmente, criminalizam os protestos, com prisões
perpétuas por motivos vagos, como “subversão” ou “vinculação com
estrangeiros”. Centenas de pessoas já foram presas. Na prática, deixa de
existir o status de semiautonomia, e o modelo de “um país, dois
sistemas”, consagrado no acordo da devolução do território à China pelo
Reino Unido, que deveria durar 50 anos, até 2047.
O presidente Donald Trump deixou claro que investirá na divisão dos
americanos para tentar se reeleger em novembro. Em um tuíte, por
exemplo, ele disse que pode revogar uma lei que beneficia moradia de
negros nos subúrbios, porque ela “desvaloriza” o patrimônio de “grandes
americanos”. Noutro, afirmou que a frase “Vidas Negras Importam”,
pintada pela prefeitura de Nova York na 5.ª Avenida, onde ele tem
escritório, “denigre uma avenida luxuosa”.
Em contrapartida, a vitória dos Verdes nas eleições municipais
francesas, domingo passado, representa um alento para a democracia:
trata-se de uma corrente da esquerda europeia que se atualizou, entendeu
a importância do papel das empresas na preservação ambiental, e se
prontifica a fazer alianças com grupos conservadores. Essas alianças já
aconteceram em seis Estados alemães, no governo da Áustria e, há uma
semana, no da Irlanda. Os ambientalistas se tornam, assim, uma
alternativa à extrema direita e à esquerda estatizante, na formação dos
governos europeus.
A Alemanha assumiu a presidência de turno da União Europeia. No que
poderá ser a última grande missão da chanceler Angela Merkel antes de se
aposentar, a UE tem três desafios este semestre: levar adiante a
discussão sobre o aprofundamento de sua integração, cujas falhas ficaram
evidentes na gestão desigual e descoordenada da pandemia; repartir os
custos das políticas de mitigação frente à crise sanitária; e negociar
os termos finais da saída do Reino Unido, cujo prazo termina no fim do
ano.
O liberalismo, a expressão da democracia na economia, também ganhou um
ânimo, na reunião de cúpula do Mercosul. Brasil, Paraguai e Uruguai
mantiveram-se alinhados no projeto de reduzir as tarifas do bloco e
negociar acordos de livre-comércio com Canadá, Coreia do Sul, Cingapura,
Índia e Líbano. A voz dissonante foi a do presidente argentino, Alberto
Fernández.
A democracia brasileira demonstra vitalidade, com o Congresso e o
Supremo Tribunal Federal retomando a iniciativa, para colocar limites às
extrapolações de integrantes do governo federal. O cuidado maior com as
palavras no círculo do presidente Jair Bolsonaro e a demissão de
Abraham Weintraub do Ministério da Educação sugerem um reconhecimento da
força dos freios e contrapesos. Nada está jamais garantido para a democracia. Ela é uma construção cotidiana.
Lourival Sant'anna, jornalista - O Estado de S. Paulo