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sexta-feira, 24 de março de 2023

O narcoestado se empoderou no Brasil - Percival Puggina

         Na onda do “empoderamento”, que parece ser a verdadeira força motriz das reivindicações identitárias destes dias tumultuados, mas pedagógicos, ganha espaço o empoderamento do narcoestado. Um poder sem regras que o reprimam tende a crescer como inço em jardim desmazelado. Em pouco tempo, acaba com o jardim e vira mato.

Certa vez, revisitando Nova Petrópolis, na Serra Gaúcha, depois de muitos anos sem por lá andar, encontrei a cidade transformada num jardim. Uma senhora que me reconheceu abordou-me e, após algumas palavras, perguntei a razão daquela transformação que me dava a sensação de estar em bem cuidada cidade alemã da Bavária. Ela me esclareceu, com forte sotaque regional: “Quando a chente passa por uma cassa mal cuidada, tiz pra tona: ‘A senhora é pem relaxada mesmo, non?’.”

Assim, na lata. No Brasil, protetores da criminalidade zelam pelo inço social! São os inimigos da ação policial, sempre prontos a criticar a polícia. Quando policiais e criminosos se defrontam numa operação, parecem querer um equilíbrio de forças que só se satisfaz se houver “equidade” no número de óbitos. 
Pedem políticas de desencarceramento. 
Afirmam que temos presos demais, como se os cidadãos, caminhando nas ruas ou navegando na internet, não fossem peças numa vitrine de frango assado à escolha da bandidagem. 
Dizem – na caradura – que roubar é um direito. Querem a liberação das drogas, como se o narcoestado, com livre comércio e consumo, fosse se transformar em alguma ONG benemerente. 
Odeiam as armas dos cidadãos de bem e têm contra eles palavras de repreensão jamais empregadas aos criminosos que veem como vítimas da sociedade e aos quais devotam cínico senso de humanidade.
 
Tudo se agrava quando: a) o STF proíbe o acesso da polícia a certos locais dominados pelo crime; 
b) quando o presidente da República entra choroso nesse discurso e constrói a imagem falsa de um “menino” preso e maltratado por roubar um celular;  
c) quando o ministro da Justiça ingressa no recinto privado e controlado pelo crime da favela da Maré para se reunir com uma ONG, em evento no qual não tratou de recadastramento de armas nem de desarmamento, mas de mortos em ações policiais”, segundo informação de um parlamentar.

O controle de estabelecimentos penais ou de inteiras galerias pelas facções do sindicato do crime; centenas de violentos ataques a unidades policiais, veículos estabelecimentos públicos e privados no Rio Grande do Norte; a ação planejada contra autoridades da República, entre as quais o senador Sérgio Moro e sua família, etc., são simples consequências do empoderamento que não encontra contenção e se propõe eliminar qualquer resíduo de resistência.

Não por acaso, à nossa volta, o narcoestado é uma realidade ou está em acelerada formação no Peru, na Bolívia, no Colômbia, na Venezuela e se você prestar atenção vai reconhecer parte expressiva dos países do Foro de São Paulo, da Pátria Grande etcétera e tal.

Tudo tem sua compensação. Não há um minuto sequer de leniência, tolerância, comiseração nem perdão para quem rezou e cantou na frente de um quartel.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quinta-feira, 5 de julho de 2018

Globalização? É a Copa

Ângela Merkel foi obrigada a endurecer a política de imigração para salvar a coalizão que sustenta seu governo. A chanceler alemã está na centro-direita liberal, com o partido União Democrata-Cristã. Sua liderança foi essencial para desenvolver em toda a União Europeia um ambiente multilateral, democrático e livre, de fronteiras abertas. Não por acaso, a Alemanha é o país europeu mais recebe imigrantes. Recebia.

Merkel está perdendo espaço para o partido mais à direita de sua coalizão, a União Social Cristã, dominante na estratégica Bavária, que exige praticamente o fim da imigração e ameaça deixar o governo. Como isso levaria à sua derrocada, Merkel topou um acordo. Imigrantes que tentarem acessar a Alemanha, depois de terem entrada na Europa por outro país, serão detidos e deportados.  Isso se aplica sobretudo à fronteira com a Áustria, cujo governo é uma coalizão bem mais à direita. E que reagiu. Se a Alemanha mandar de volta os imigrantes que chegarem pela Áustria, o governo austríaco diz que fará exatamente o mesmo, ou seja, os mandará de volta para Itália e Eslovênia, de onde chega a maioria. E estabelecerá controles rígidos em todas as fronteiras, inclusive para os europeus.

O governo da Itália, um porto de acesso de pessoas que fogem especialmente da África, informou que não pode aceitar nem um imigrante a mais e que pretende, ao contrário, reduzir o número dos que já estão lá.  Essa atitude é uma onda que se espalha pela Europa, um avanço das direitas não liberais.  É um contraste total com o que se vê nos jogos da Copa do Mundo. A Copa é uma síntese da globalização em todos os sentidos e mais especialmente quando se trata da União Europeia. Os times em campo refletem o multilateralismo, da livre circulação de pessoas, jogadores no caso, ao livre mercado dos clubes (empresas) e, sobretudo, ao livre trânsito e à comunhão de ideias.  Todos os times da União Europeia incluem descendentes de africanos. Até a cada vez mais fascista Áustria (que não foi para a Copa) tem negro no seu time.

Isso resulta de uma política de imigração liberal. Há mais. Considerem um dos artilheiros, Romelu Lukaku. Seus pais são congoleses, ele nasceu em Antuérpia, joga, pois, pela seleção belga, mas exerce sua profissão na Inglaterra, titular do Manchester United.  Temos aí a imigração e a livre circulação de profissionais dentro da União Europeia. Os casos se repetem. Conhecem Samuel Umtiti? Nasceu em Camarões, foi para a França, lá ganhou a cidadania, joga pela seleção francesa e sua carteira de trabalho é assinada pelo Barcelona da Espanha.  Os clubes da União Europeia são a origem da maior parte dos jogadores da Copa. Só o campeonato inglês, a Premier League, ofereceu 107 jogadores para os times que estão na Rússia. o começo dessa globalização, havia resistência no mundo do futebol. Era um nacionalismo rasteiro como em outras áreas da sociedade. Dizia-se que os estrangeiros tomariam a vaga de jogadores locais, com isso prejudicando o desenvolvimento do futebol nacional. Mais ou menos como dizer que a indústria nacional só sobrevive se for protegida da competição externa.

É o contrário, como o provam as seleções dos países que mais abriram o seu futebol – como a Espanha. Os craques estrangeiros trazem qualidade e evolução aos locais. Assim como os técnicos, protagonistas da livre circulação de ideias – táticas de jogo, no caso, claro. Repararam como os times jogam muito parecido? O toque de bola, as defesas bem organizadas, o agrupamento dos jogadores, a marcação na frente – são ideias espalhadas pelos técnicos internacionais, mais ou menos como engenheiros e cientistas que espalham conhecimento pelo mundo.  E, finalmente, no capítulo do livre mercado, tem a circulação de capitais que financiam e fortalecem os clubes e os campeonatos. Mais dinheiro, mais craques, mais espetáculo, que rende mais dinheiro e assim vai. Capital e agregação de valor.

Não é por acaso que o mundo inteiro se rende ao “beautiful game”, como o futebol é conhecido globalmente. Ali se encontra o que há de melhor no mundo: integração, liberdade, portas abertas, arte e talento.  Toda vez que a pressionarem, Merkel deveria passar uns vídeos da sua seleção, com Boateng, Ozil, Khedira, Sané. Idem para os demais líderes europeus liberais.  Em tempo: Vladimir Putin reclamou uma vez do campeonato russo. “Parece uma liga africana”, disse. Exagero racista. Mesmo porque a presença de estrangeiros ainda não foi suficiente para formar lá um grande futebol, verdadeiramente europeu.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
 


 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Mein Kampf = A Minha Luta, por Adolf Hitler - mostrem que não existe censura, deixe que cada leitor decida, soberanaramente, o valor da obra

Mein Kampf: a liberdade de expressão e o paradoxo do direito autoral 

Em 1925, Adolf Hitler, aos 36, publicava o fatídico "Minha Luta", traduzido do alemão, Mein Kampf. Imbuído de doutrinas indiscutivelmente controversas e que serviram como fundamento para o que se tornou uma das ideologias políticas mais questionáveis de todos os tempos, o livro, em parte autobiográfico e, em parte eivado de afirmações antissemitas e de hierarquia de raças, alastrou-se como um fenômeno na Alemanha vulnerável da primeira metade do século passado, ao ponto de ser entregue como presente aos recém nascidos, aos casais recém formados e militares da época. Mas não foi só. 

A filosofia impregnada nas páginas aparentemente inofensivas se exteriorizaram pelo continente europeu da maneira mais incisiva e desumana possível, a história é popular, conhecida de todos, dispensa um aclarar mais assoberbante sobre episódios inquietantes.
A discussão em torno do livro é reacendida nesse exato momento, de maneira tão recorrente quanto o foi logo finda a Segunda Guerra, justamente porque, ao que se depreende da atitude das autoridades responsáveis, se presume um grau de capacidade de subversão através das ideias potencialmente coercitivas da obra. Tal qual no Brasil, na Alemanha, o prazo para que o direito autoral sobre um livro expire é de 70 anos após a morte do autor. A partir desse prazo, a obra cai em domínio público e a reprodução indiscriminada do material pode se dar em uma escala e proporção que, nesse caso, preocupa autoridades não só alemãs, mas, de vários países. 

O que sucede é que os direitos de Mein Kampf expiraram recentemente, em 31 de dezembro de 2015. Desde a morte do ditador o estado da Bavária detinha os títulos de direito sobre o livro e, sob o pretexto de não propagar pensamentos nazistas, manteve o acesso do material longe do público ao não publicá-lo durante todos esses anos. No fundo, e a bem da verdade, soa um tanto quanto legítima a preocupação do governo bávaro em inviabilizar novas edições de Mein Kampf. Trata-se de uma medida ponderada e compreensível, todavia, nitidamente plasmada de uma implementação circunstancial que já se vê ruir pelo fator do tempo. 

Sendo fato que é inerente ao conceito de "domínio público" a percepção de que a reedição do material pode surgir permeada de impressões particulares e estritamente pessoais de quem o faz (eis aí um conflito entre a liberdade de expressão e a ideia de copyright), o temor encontra justificativa quando se sinaliza para o fato de que há uma ameaça possível no que as ideias de mais de setenta anos atrás podem evocar nos dias atuais. Há que se ter cuidado acerca dos conteúdos publicados atualmente, isso sem sombra de dúvidas, afinal, são estes, tempos de tensão e conflitos extremados e amplamente difundidos no cenário mundial. A intolerância e a hostilidade atingem um patamar muito peculiar, que provavelmente quase encontra similaridade com o vivenciado nos tempos idos, na era do Führer tão odiado, o maior vilão de todos os tempos. O receio sobre o fomento de ideias neonazistas a partir da publicação em massa do antigo livro é aceitável, entretanto, a solução para que se evite chegar em conjecturas antissemitas, não parece ser tão facilmente aceitável como a premissa que a inspira. 

Ora, raciocine-se: aquele que estiver decididamente inclinado a ser signatário da doutrina do antigo chanceler da mais nova nação do futebol o fará tendo acesso ao livro ou não. O máximo que se conseguiria seria retardar o acesso ao tal material, porque, por intermédio de meios escusos, assim como a maconha não é tolerada por alguns governos e é adquirida e consumida, assim como produtos ilegais transpõem as barreiras alfandegárias e, assim como uma infinidade de transações não lícitas são avençadas todos os dias no mercado negro, não seria empecilho para um amante radical do austríaco do bigode icônico adquirir o livro na Deep Web, por exemplo. O que deve ser evidenciado como real perigo, portanto, é este sacrifício idiossincrático ao qual a democracia parece estar sendo submetida de forma cada vez mais recorrente e trivial, desimpedida e indiscriminadamente. 

É verdade e não se discute que os pensamentos extremistas, discursos de ódio e o radicalismo de algumas correntes ideológicas e que até se respaldam religiosamente devem ser coibidas. Mas em detrimento da liberdade da maioria? 

Relembre-se tal episódio: Em 7 de janeiro de 2015 o periódico francês Charlie Hebdo foi atacado por um grupo do segmento radical, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante, os irmãos Said e Chérif Kouachi fizeram 12 vítimas fatais. O incidente reverberou na mídia e suscitou um rebuliço estridente instantaneamente, todavia, um elemento crucial, simples, foi banalizado, como sempre, pela mídia de larga escala. O fator causa-efeito, tivera sido calcado aos pés por praticamente todos os comentaristas densamente gabaritados que eram convidados nas CNNs e BBCs da vida para expor uma explicação inteligível sobre o acontecido.

O periódico satírico só foi atingido porque, necessariamente, insistiu em denigrir a imagem do profeta mais emblemático que há. E, não que devesse ter sido diferente, mas todos comentavam que a liberdade de expressão devia ser preservada e que o ocorrido se configurava um tremendo absurdo quando a liberdade de expressão é ameaçada e o Estado Democrático de Direito fica comprometido em sua estrutura basilar por causa dos princípios que são sua rocha de esquina, sua pedra angular arrebatadoramente venerável. 

Perfeito. Mais formidável impossível. Pois bem. Que se erga, então, com todas as suas forças, este mesmo discurso, de onde quer que possa vir e onde quer que esteja ele repousando para que sirva de base para justificar a autorização da publicação do livro em cadeia, não só nacional, mas, quiçá, global.

Se em pleno século 21, pessoas que se pretendem com uma carga de valores mais robustecida podem se valer do direito de expressão pra afrontar a cultura alheia e toda uma estrutura dogmática milenar sob o pretexto da "crítica jornalista e da provocação filosófica dos quadrinhos", bem, então, Mein Kampf deve ser editado, publicado e comercializado sem maiores receios, de imediato. Se Maomé pode ser trucidado por mentes contemporâneas, talvez se deva conhecer os mistérios obscuros de uma mente de outrora ter trucidado os judeus. 

Não obstante, a perspectiva paradoxal que visivelmente jaz sobre a noção de copyright é que a própria ideia de direitos autorais foi concebida com o intuito de facilitar o acesso do público ao conteúdo de um determinado autor, ou seja, a lei assume a função de ligar o autor com o leitor, proporcionando conhecimento e o desenvolvimento do pensamento crítico e autônomo. No entanto, essa mesma lei serve para manipular o acesso da sociedade ao que pode ou não ser lido, como um controle, exatamente uma censura. Aqueles que já se depararam com Orwell facilmente farão a ligação entre a situação atual com a questão levantada por ele em "1984". Ali, o autor apresenta um futuro aterrador de censura extrema, esboça um tipo de ditadura um tanto quanto até caricatural algo que, num primeiro momento, soa até surreal, mas que denota estar tomando forma. 

Em "1984", há o que se convencionou denominar de "Polícia do Pensamento" ou "Polícia da Mente", alguma coisa nesse sentido, não vem ao caso agora, o que importa é que a ideia por trás de tal tipo de monitoramento era de, justamente, controlar os pensamentos a ponto de que ninguém pensasse diferente do que fosse interessante para o idolatrado "Grande Irmão". [nos tempos atuais o maldito 'politicamente correto' e os imbecis que o seguem buscam implantar o 'grande irmão'.] Privar os indivíduos de ter acesso aos diferentes meios de informação e dos mais diversificados objetos de reflexão também configura uma espécie de policiamento do pensamento das massas, e, em um Estado de Direito, é abjetamente inadmissível. 

Vale reforçar, ainda, que em tempos idos, livros eram queimados em praça pública com o intuito de privar o povo do acesso ao conteúdo literário e potencialmente enriquecedor, porque é óbvio que despertam o senso crítico. O autor de Mein Kampf que o diga. No auge da Segunda Guerra isso já aconteceu e se tratou de uma experiência que provavelmente não se deseje reviver. Cumpre dizer, em todos os casos, que a leitura deve ser incentivada. 

Observe-se, por exemplo, que A Bíblia, é o livro mais violento de todos os tempos, de tal forma que, uma vez prensada num rolo compressor qualquer, o que se extrairá será uma densa polpa de sangue fresco. Não é exagero. O próprio deus dos hebreus se declara guerreador e sanguinolento em alguns trechos do livro mais lido do mundo. E nem por isso as pessoas são menos ou mais amáveis, afinal, a capacidade de interpretação é uma prerrogativa subjetiva intrínseca ao leitor, simplesmente isso. 

Nesse contexto, o juiz Alberto Salomão Junior, da 33ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, em uma decisão aloprada e bitolada determinou a proibição da comercialização, exposição e divulgação da obra e, não fosse o bastante, mandados de busca e apreensão foram expedidos. E o promotor responsável por subscrever a ação justificou seu posicionamento fazendo uma saudação cega e parcial ao artigo 20 da Lei 7.716/89, que determina pena de reclusão de um a três anos para quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” e de dois a cinco anos se “cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza”. Por óbvio, o referido dispositivo sequer foi observado em consonância com os valores constitucionais, parece uma justificativa purista da ordem de um brocardo severo como Dura Lex Sede lex ou, de uma rigidez Hitleriana quando buscando a pureza de raças através de experimentos absurdos, até

E, a seu turno, disse o juiz: "Registre-se que a questão relevante a ser conhecida por este juízo é a proteção dos direitos humanos de pessoas que possam vir a ser vítimas do nazismo, bem como a memória daqueles que já foram vitimados. A obra em questão tem o condão de fomentar a lamentável prática que a história demonstrou ser responsável pela morte de milhões de pessoas inocentes, sobretudo, nos episódios ligados à Segunda Guerra Mundial e seus horrores oriundos do nazismo preconizado por Adolf Hitler”. 

Como já mencionado, a preocupação do magistrado é legítima, mas a forma como decidiu destinar a solução para seu incomodo é abusiva. É curioso que ele se preocupe com questões de racismo, de discriminação e de preconceito e não tenha mandado fulminar todas as Bíblias das estantes das mesmas livrarias Saraiva, Centauro e Argumento que comercializam o livro do ditador. Afinal, tanto Hitler quanto Deus pareceram demonstrar alguma relutância em aturar os "efeminados e homossexuais" e contra as pessoas com necessidades especiais também e contra os negros. O apóstolo Paulo, inclusive, pareceu ser permissivo com o escravagismo ao sugerir que os escravos sejam subservientes aos senhores e que as mulheres se submetam aos caprichos de seus companheiros. E então? Como fica toda a questão? Simples: quem quiser ter acesso ao livro vai ter acesso com ou sem determinação de algum juiz. Uma folha em branco e o" Minha Luta "do falecido Adolf tem o mesmo grau de periculosidade, a interpretação coerente ou agressiva está na visão consciente ou não do leitor. 

Em suma, a percepção sobre a liberdade de expressão talvez necessite ainda ser melhor compreendida pelo judiciário brasileiro. E a tratativa do paradoxo é bem mais evidente do que se possa imaginar: Hitler apregoava uma superioridade de raça e, no entanto, ele mesmo não era ariano; a lei de direitos autorias parece ser dúbia e, pode ser instrumentalizada de duas maneiras diferentes; o juiz Alberto Junior age numa conduta hitleriana cerceando a liberdade e defende os direitos humanos ao mesmo tempo; o povo em Paris quer paz e guerreiam contra os extremistas; e o deus dos hebreus é amor e também é sangue e violência ao mesmo tempo.

Qual destes, então, é o mais feliz em algum de seus argumentos? Cada um busca o próprio interesse? Há algum falso moralismo velado nas pretensões atuais? É um universo paradoxal este. Mas provavelmente o mais feliz fosse o primeiro de nós, aquele que, segundo o livro que juiz nenhum ainda teve peito para censurar, foi originado do pó.
" Feliz foi Adão que não tinha sogra nem caminhão ".

 Fonte: Saulo Silva  - Acadêmico de Direito

Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Estagiário da JFPR.

http://saulooliveirasilva.jusbrasil.com.br/artigos/304100020/mein-kampf-a-liberdade-de-expressao-e-o-paradoxo-do-direito-autoral?utm_campaign=newsletter-daily_20160210_2785&utm_medium=email&utm_source=newsletter