"Ai, moça, em novembro ninguém
sabe. Talvez a gente nem esteja mais aqui", diz a recepcionista do
departamento de homologação do Sindicato da Construção Civil de São
Paulo (Sintracon-SP), quando questionada sobre sua expectativa em
relação à nova legislação trabalhista, que entra em vigor no fim deste
ano.
Departamento jurídico do Sintracon-SP. Com reforma trabalhista, homologação nos sindicatos deixa de ser obrigatória
Em dois meses, caso o texto aprovado em 11 de julho no
Senado não seja alterado por Medida Provisória, a contribuição sindical
obrigatória deixa de existir - e, com ela, a principal fonte de
financiamento para muitas das entidades que representam tanto empresas
quanto trabalhadores.
Essas organizações empregam atualmente
153,5 mil pessoas com carteira assinada no país, mostram os dados da
Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e do Cadastro Geral de
Empregados e Desempregados (Caged). Os sindicatos de trabalhadores,
destino dos R$ 2,6 bilhões arrecadados em 2016 com o desconto de um dia
de trabalho de todos os funcionários com carteira assinada do país,
respondem por 76,5% do total de vagas, 117,6 mil.
As entidades
patronais, que receberam R$ 1,3 bilhão da contribuição recolhida
diretamente das empresas, somam 35,9 mil funcionários. Passada a reforma, dizem especialistas em mercado de trabalho e
sindicalismo, o número de trabalhadores em sindicatos no Brasil tende a
encolher, de um lado, porque muitas entidades terão de se reestruturar
para sobreviver com um orçamento menor e, de outro, porque centenas de
sindicatos deixarão de existir.
A extinção do imposto terá maior
impacto sobre cerca de 7 mil dos quase 12 mil sindicatos de
trabalhadores do país, diz o consultor sindical João Guilherme Vargas
Netto, já que cerca de 5 mil entidades representam funcionários públicos
e da zona rural e têm grande parte das receitas garantidas por
mensalidade paga pelos afiliados. Daqueles 7 mil, ele afirma, 4
mil são sindicatos "de carimbo", que não negociam melhores salários ou
melhores condições de trabalho para suas bases e existem exclusivamente
por causa do imposto. "Esses tendem a desaparecer", ele diz.
Da
forma como foi instituído, em 1937, o imposto sindical tende a provocar a
dependência do sindicalismo em relação ao Estado e o distanciamento em
relação aos trabalhadores que representam, afirma Andréia Galvão,
professora do departamento de ciência política da Unicamp. Assim,
a mudança trazida pela reforma poderia estimular um sindicalismo mais
independente e mais representativo, ela diz. Sem a garantia de recursos
financeiros, os sindicatos precisariam se preocupar mais com o trabalho
de base, já que passariam a depender de suas próprias forças, isto é, de
seus filiados e suas contribuições voluntárias.
A reestruturação
do movimento sindical, acrescenta Vargas Netto, vai levar a um
reagrupamento das entidades, com demissões e corte de áreas que não
sejam fundamentais. "É claro que os sindicatos mais ativos, que têm uma tradição de
luta, não terão vida fácil", diz a cientista política. "O sindicalismo é
um movimento vital para organizar e representar os interesses dos
trabalhadores. O Brasil possui sindicatos importantes em categorias como
bancários, petroleiros, metalúrgicos, químicos, professores e diversas
carreiras na função pública."
Além da extinção do imposto, essas
entidades enfrentarão desafios colocados por outros artigos da reforma
que, afirma Galvão, enfraquecem o sindicalismo. Entre eles, estão a
possibilidade de negociação individual de aspectos importantes da
relação de trabalho sem assistência sindical, a representação dos
trabalhadores no local de trabalho independentemente dos sindicatos, com
a formação de comissões de empregados com atribuições que hoje são das
entidades - e que, em sua avaliação, podem sofrer interferência das
empresas -, e a não obrigatoriedade de que as rescisões contratuais
sejam homologadas nos sindicatos.
O fim da homologação
Os
departamentos de homologação serão afetados não apenas pelo fim da
contribuição sindical. O artigo 477 da nova lei acaba com a autenticação
hoje obrigatória nos sindicatos dos desligamentos de funcionários com
mais de um ano trabalho. No Sintracon-SP, essa área emprega dez pessoas:
duas recepcionistas - entre elas a que conversou com a reportagem -,
uma coordenadora e sete atendentes, que registram 3,5 mil documentos por
mês.
Uma delas é Mônica Vieira Dourado Lourenço, que, depois de
quase dois anos e meio na entidade, voltou a cadastrar o currículo em
sites de recrutamento. "A gente aproveita quando os funcionários de RH
das empresas vêm fazer homologação para perguntar se lá tem vaga, mas a
construção também está passando por um momento ruim", acrescenta.
Ela
decidiu procurar outro emprego ainda antes da iminência da aprovação da
reforma trabalhista, porque deseja trabalhar com algo mais próximo de
sua área de formação, em recursos humanos. Mas admite que é crescente o
número de colegas que, com medo de perder o emprego no fim deste ano,
também buscam recolocação. "No mínimo o número de funcionários
vai cair", diz a coordenadora do departamento, a advogada Natália
Cardoso de Oliveira Santos. O sindicato foi seu primeiro emprego, que
assumiu em 2013, logo após ser aprovada no exame da ordem. A reunião com
a direção de entidade sobre o que deve acontecer após novembro ainda
não aconteceu. No pior cenário, a área deixaria de existir.
Para ela, o fim da homologação obrigatória deve causar prejuízo
também aos trabalhadores. Entre os funcionários da construção civil,
ressalta, que em geral têm menos anos de estudo, é comum o
desconhecimento sobre os direitos que o empregado tem quando é desligado
da empresa. "Nós esbarramos com irregularidades todos os dias".
Não
raro, conta Mônica, que trabalha diretamente com as homologações, são
descontados como falta os dias que os funcionários permanecem em casa a
pedido da própria empresa, nos intervalos entre uma obra e outra. Também
há casos em que a companhia, sob a alegação de que fará o pagamento em
dinheiro da rescisão, faz depósito bancário de um envelope vazio na
conta do empregado. "Tem gente que não sabe que tem direito a férias,
aos 40% de multa sobre o saldo do FGTS, e só descobre quando chega
aqui."
Quando a nova legislação trabalhista entrar em vigor, em
novembro, a homologação passará a ser feita diretamente pelos
empregadores. "Não há previsão quanto à necessidade de presença de um
advogado para dar assistência ao empregado", afirma Carlos Eduardo
Vianna Cardoso, sócio do setor trabalhista do Siqueira Castro Advogados.
Como o documento servirá como um comprovante de quitação pelos
valores nele indicados, o especialista recomenda que, caso o empregado
entenda que há algo errado, não assine e procure um advogado para
eventualmente cobrar a diferença.
Crise
Há mais de dois anos, as entidades sindicais enfrentam restrições
orçamentárias. Com a queda no número de trabalhadores formais por causa
da recessão - são 3 milhões de vagas com carteira assinada a menos só no
biênio 2015-2016 -, os recursos vindos da contribuição despencaram para
uma série de entidades. No Sintracon-SP, a receita total recuou
de R$ 60 milhões em 2014 para R$ 40 milhões neste ano, conta o
presidente da entidade, Antônio de Sousa Ramalho, deputado estadual pelo
PSDB. Cerca de 10% do orçamento vem do imposto sindical. O restante, da
mensalidade paga pelos associados, de R$ 35. "A construção perdeu quase
um milhão de empregos durante a crise", ele afirma.
Para se
adaptar à nova realidade financeira, o sindicato cortou um terço dos
funcionários, de pouco mais de 300 em 2014 para 200. Entre os demitidos
estavam os 20 médicos e 12 dentistas do centro de saúde, que ocupa parte
dos quatro andares do prédio e está sendo completamente desativado
neste mês. Os filiados ao sindicato passarão a ser atendidos pela rede
da Secretaria Social da Construção (Seconci). Para Ramalho, que
está à frente da entidade desde 1999, há 18 anos, "o imposto sindical
morreu e tinha que morrer mesmo". Ele acredita que os sindicatos
deveriam ser mantidos por uma contribuição discutida em assembleia com
os trabalhadores, que julgariam o resultado da campanha salarial e, a
partir daí, definiriam o percentual a ser descontado dos salários.
Reação dos sindicatos
Essa
é uma das modificações que as centrais sindicais têm tentado negociar
com o governo, diz o diretor técnico do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, e
que poderiam ser implementadas através de Medida Provisória. "É preciso
garantir um financiamento associado ao bem público que o sindicato
cria", ressalta, referindo-se aos ganhos resultantes das campanhas
salariais, que atingem todos os trabalhadores de cada categoria - mesmo
aqueles que, depois da lei, decidirem não contribuir.
Além disso,
as entidades consideram fundamental que se retire o poder de negociação
que foi concedido às comissões de funcionários que passarão a ser
eleitas dentro das empresas. A avaliação é que uma série de atribuições
que hoje são prerrogativa dos sindicatos passam a ser desempenhadas por
trabalhadores que, muitas vezes, estão suscetíveis a pressão dos
empregadores. "Isso quando falamos apenas dos sindicatos, mas há outros
pontos que precisam de limite imediato, como o trabalho intermitente",
acrescenta Ganz Lúcio.
Entidades patronais
As
entidades patronais também serão afetadas pelo fim do imposto sindical.
Na Confederação Nacional do Comércio (CNC), a contribuição representa
12% da receita, que deve chegar a R$ 450 milhões neste ano, conforme a
proposta orçamentária divulgada no fim do ano passado. Através de sua
assessoria de imprensa, a entidade afirma que o recurso "é importante
para o fortalecimento da atuação efetiva das entidades sindicais na
representação das categorias econômicas a elas filiadas", mas destaca
que tem trabalhado em busca da "autossustentabilidade, ampliando a
arrecadação com a oferta de produtos e serviços aos empresários e a
administração eficiente dos recursos".
A Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro (Firjan) também buscará aumentar a fatia das receitas
com serviços. Atualmente, a contribuição responde por 16% do orçamento. A
entidade, que defende o fim da obrigatoriedade do imposto sindical,
afirma que "a modernização da legislação trabalhista passa também pelas
entidades sindicais, tanto as de trabalhadores quanto as patronais".
Fonte: BBC Brasil