O Estado de S.Paulo
O governo está em dificuldades para tocar um projeto político central
A ação do governo em torno de um grande eixo estratégico – reduzir o
balofo Estado brasileiro – tem sido em parte uma lição de oportunidades
perdidas. Vendo o Estado brasileiro como principal entrave ao
crescimento, a equipe de Paulo Guedes colocou a reforma administrativa
no centro do foco. Tratar do funcionalismo público seria a maneira
direta de lidar com contas públicas, eficiência e gestão.
Conforme já assinalado aqui, está na elite do funcionalismo público
brasileiro (especialmente federal), por sua capacidade de organização e
influência, o grande adversário da proposta de Paulo Guedes de uma ampla
reforma do Estado, começando pela administrativa. Nesse sentido, do
ponto de vista político, a operação toda começou mal.
Em parte pelo próprio ministro, que parece subestimar como se propagam
na esfera legislativa e político-partidária (fortemente influenciada
pelo funcionalismo em Brasília) palavras que ele profere em público sem
calcular consequências. Ao adversário neste momento ele entregou a
bandeira de “vítima”, que é nas narrativas políticas sempre uma posição
confortável.
No fundo está, porém, uma outra questão política mais abrangente e
profunda. É o tamanho do empenho do Executivo em levar adiante de forma
coordenada e organizada no Legislativo uma operação para alterar
substancialmente o serviço público, que justamente ali tem um de seus
mais importantes pilares de sustentação. É difícil fugir à constatação
de que o problema central é a dificuldade do próprio presidente em ditar
a agenda política (aliás, seu grande e pouco usado instrumento de
poder).
Por detrás da “fumaça” sobre o campo de batalha da reforma
administrativa, está uma realidade crítica. Que deveria robustecer o
governo com argumentos imbatíveis. De fato, existe no Brasil um “prêmio
salarial” pago pelo contribuinte ao servidor público, prêmio que não
encontra comparação nas principais economias. Os números são de diversas instituições, como Banco Mundial, FGV ou
Ipea, que compararam remunerações nos setores público e privado levando
em consideração a semelhança entre funções. No Brasil, esse prêmio chega
a 96%, enquanto a média mundial (setor público melhor remunerado que o
privado) é de 21%. Nos Estados esse “prêmio” é menor e, nos municípios,
praticamente se equivalem as remunerações.
O problema, assinalam esses estudos, não está no atendente do posto de
saúde ou no agente penitenciário, mas, sim, na elite do funcionalismo. [elite essa que, em praticaemnte sua totalidade, não integra o FUNCIONALISMO - essa elite é formada por MEMBROS do Poder Judiciário, do Poder Legislativo e do Ministério Público, que não estão sujeitos as regras restritivas que alcançam o servidor público.
A classificação MEMBROS favorece em muito os nela incluídos, por ser recorrente que qualquer medida limitadora de alguma vantagem para o servidor público = funcionalismo = por óbvio, só atinge o servidor público, deixando fora os MEMBROS e são estes os detentores de poder, influência e prestígio.membros.]
E
vem de longe, não pode ser atribuído a um só governo. Servidores
públicos no topo conseguiram até melhorar seu rendimento em período de
grave crise econômica: durante a recente recessão, a diferença a favor
dessa categoria frente ao setor privado aumentou (segundo o Ipea). É o
resultado evidente alcançado pela sua capacidade de articulação
política.
Em estudos do Banco Mundial, a equipe de Guedes foi buscar recomendações
que parecem sensatas: as mais de 300 carreiras do funcionalismo público
brasileiro necessitam ser sistematizadas e reorganizadas; o tempo médio
para que um funcionário chegue ao topo da carreira precisaria ser
esticado; a taxa de reposição deles precisaria ser reduzida. A situação
só se agravou nos últimos tempos. A pressão desse setor sobre as contas
públicas se juntou ao precário estado delas: 12 dos Estados brasileiros
não vão conseguir respeitar um dos dispositivos essenciais da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que proíbe gastos acima de 60% com folha de
pessoal.
Com o que chegamos à famosa bomba fiscal – no fundo, o fator central
condicionando os acontecimentos. Não é apenas uma questão técnica. É
política no seu significado mais amplo, como ficou mais uma vez
demonstrado para Guedes e Bolsonaro.
William Waack, jornalista - Coluna em O Estado de S. Paulo