"(...) vivem em
constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as
armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes,
guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos e
constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que
constitui uma atitude de guerra." A célebre sentença de Hobbes refere-se
aos Estados, mas serviria para definir os chefes políticos tucanos. O
PSDB renunciou à condição de partido, reduzindo-se a um teatro de guerra
permanente entre três caras que só pensam naquilo. Na inauguração do
governo Temer, o impasse tucano já não deve ser visto como um problema
intestino, mas como aspecto crucial da crise nacional.
A guerra,
fria ou declarada, entre Aécio, Serra e Alckmin atravessou a era do
lulopetismo, corroendo o tecido do principal partido de oposição. Hoje,
quando o reinado lulo-dilmista chega ao fim em meio a incêndios
econômicos, políticos e éticos, o conflito trava o PSDB, sabotando uma
decisão nítida sobre o engajamento no governo transitório. Sem os
tucanos a bordo, a nau de Temer se inclinaria na direção do PMDB de
Jucá, Renan, Cunha et caterva, associado a um "centrão" composto por
partidos ultrafisiológicos. No lugar de um governo de "união nacional",
surgiria um gabinete de salvação das máfias políticas que saltaram de um
comboio descarrilhado.
Aécio devastou o capital político
acumulado na campanha eleitoral cortejando uma bancada parlamentar
irresponsável, que chegou a votar contra o fator previdenciário e
estabeleceu um desmoralizante pacto tático com Cunha. Há pouco,
declarou-se "desconfortável" com a participação orgânica do PSDB no novo
governo. Serra, o incorrigível, preferiu negociar pessoalmente um lugar
destacado na Esplanada dos Ministérios. Sonhando delinear um caminho
próprio até o Planalto, se preciso pelo atalho do PMDB, ameaça virar as
costas a seu partido, entregando-o à confusão. Alckmin, por sua vez,
acalenta um projeto presidencial improvável acercando-se do PSB e
tricotando com a camarilha político-sindical do Paulinho da Força. Nesse
passo, implodiu a campanha tucana à Prefeitura de São Paulo. Hoje, a
guerra particular que travam os três gladiadores tem o potencial para
complicar a já difícil transição rumo a 2018.
A sorte do governo
Temer será jogada no interregno entre a posse provisória e o julgamento
final do impeachment no Senado. Uma coleção de notícias econômicas
positivas, quase contratadas de antemão, não será suficiente para
consolidá-lo. A carência de legitimidade eleitoral precisa ser
compensada por iniciativas políticas coladas aos anseios da maioria que
repudiou o lulo-dilmismo.[o Governo Temer conta com a legitimidade constitucional e queiram ou não com a legitimidade eleitoral; Temer foi eleito vice-presidente e quem vota sabe que o vice-presidente pode assumir a presidência da República, pode se tornar presidente.]
Se fosse um partido, não uma arena de
gladiadores, o PSDB trocaria o engajamento integral no governo por um
ousado compromisso com a Lava Jato. Exigiria do novo presidente a
mobilização imediata da maioria parlamentar para cassar o mandato de
Cunha. Conclamaria o governo a encampar o projeto de lei das dez medidas
contra a corrupção formulado pelo Ministério Público. Em trilho
paralelo, forçaria uma minirreforma política destinada a fechar o
rentável negócio da criação de partidos de aluguel. Mas, imerso no seu
pântano interno, o PSDB ensaiou fazer o exato oposto disso. No auge de
seus exercícios ilusionistas, os tucanos prometeram a Temer um "profundo
e corajoso" apoio parlamentar em troca da adesão a uma flácida agenda
política. O intercâmbio equivaleria à cessão de um cheque em branco a um
governo no qual não se deposita confiança.
Dias atrás, Aécio
reuniu-se com Temer e sinalizou uma mudança de rota. "Tínhamos duas
opções: lavar as mãos ou ajudar o país a sair da crise", constatou,
antes de concluir com um enigmático "vamos dar nossa contribuição".
Será, enfim, um indício de que o PSDB avalia a hipótese de fingir que é
um partido?
Fonte: Folha de São Paulo - Demétrio Magnoli