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sábado, 18 de março de 2023

À espera de um novo triplex - J. R. Guzzo

 Revista Oeste

O Brasil, hoje, é um Estado no qual a corrupção é publicamente permitida e incentivada — e no qual os que se opõem ao crime são perseguidos oficialmente pela máquina da justiça

Luiz Inácio Lula da Silva cumprimenta o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao lado do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e parlamentares aliados | Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert
Luiz Inácio Lula da Silva cumprimenta o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ao lado do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e parlamentares aliados | Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert
 
Digamos que um ministro ou um outro marajá qualquer do governo Lula receba de presente de uma empreiteira de obras públicas, um dia desses, um apartamento triplex na praia das Astúrias, no centro do Guarujá. 
Ou, talvez, que uma outra empreiteira de obras pague as reformas de um sítio frequentado por outro ministro (ou pelo mesmo), com nota fiscal e tudo, incluindo adega e lago com pedalinho — na estância hidromineral de Atibaia, por exemplo. O que você acha, sinceramente, que iria acontecer? Pense dois minutos, ou até menos.  
O que o presidente da República iria dizer a respeito disso para o companheiro que ganhou os presentes?  
E o Supremo Tribunal Federal, ou alguma outra repartição da justiça, ou um juiz qualquer deste país fariam o quê? 
O ministro seria demitido do cargo pelo presidente, na hora, com um discurso emocionado em prol da honestidade? 
Seria processado no STF, condenado no caso de ficar provada a sua culpa e colocado na cadeia para cumprir a pena? 
 
Até uma criança com 10 anos de idade sabe que não aconteceria nem uma coisa e nem outra — mas não mesmo, de jeito nenhum, com a mesma certeza que se pode ter que o mês de março vem logo depois do mês de fevereiro. Lula seria obrigado a dizer: “Aconteceu igualzinho comigo. Tamo junto”. 
O que ele poderia falar que não fosse exatamente isso? 
O STF iria chegar à conclusão imediata de que o ministro não fez nada de mais, que a acusação não tem provas, mesmo que houvesse a confissão dos corruptores e evidência física da corrupção — e que, de qualquer jeito, o CEP do processo está errado. 
Se Lula fez as mesmas coisas, e foi descondenado pelo STF, por que estaria errado com o ministro em questão? 
Quanto aos juízes — bem, nenhum juiz do Brasil, à esta altura, é maluco o suficiente para processar ladrão do PT, ou da esquerda”, ou do campo “progressista”. Provavelmente, é ele que acabaria preso. Ninguém merece, não é mesmo?
 
O interessante, nessa história imaginária, é que ela não tem nada de imaginário — e nem um miligrama de exagero
Quem seria capaz de apostar R$ 5 na possibilidade de punirem o delinquente? Não vai acontecer, pura e simplesmente. 
Já aconteceu uma vez, embora não se tratasse de ministro, e sim de um ex-presidente da República. 
Não vão deixar que aconteça de novo, nunca mais na vida. 
Quando aconteceu, foi um caos. No curto período em que todos foram iguais perante a lei neste país, e em que cada um, fosse quem ele fosse, teve de responder por seus atos, um ex-presidente foi para a cadeia, e ficou lá 20 meses. 
Teve empresário-milionário preso. Teve político, diretor de estatal e alto funcionário preso. Teve delação premiada, e até de graça. Teve todo tipo de confissão voluntária de culpa. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi condenado a mais de 400 anos de prisão por ladroagem. 
 
Pior que tudo para eles, talvez, bilhões de reais em dinheiro roubado tiveram de ser devolvidos, às vezes direto da Suíça. 
A coisa ficou tão ruim que à certa altura o próprio Lula, em pessoa, viu que estava no centro de uma calamidade sem precedentes, e quis jogar a culpa nos outros, como faz todas as vezes em que é pego em flagrante delito: “Fui apunhalado pelas costas”, disse ele. Hoje, Lula, o PT, o STF, os advogados garantistas e o Brasil que assinou a “carta” em defesa da “democracia” juram que nunca ninguém roubou um tostão — mas na época Lula dizia o exato contrário.
salário de lula
Lula, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, antes de ser preso, 
em abril de 2018 | Foto: Amanda Perobeli/Estadão Conteúdo
De lá para cá mudou tudo — mudou não só a questão da corrupção, em si, mas mudou o Brasil como país, e essa mudança talvez seja a pior desgraça de todas as que estão acontecendo.  
Os que sempre mandaram em tudo por aqui, e que viram de repente o chicote trocar de mão, acharam tudo aquilo absolutamente insuportável — onde já se viu, perguntavam eles, ladrão rico ir para a cadeia? 
E devolver dinheiro roubado, então? Quem pode querer uma coisa dessas? Tinha de acabar, acabar logo e acabar para sempre. 
Passaram anos, todos eles — a classe política, o STF, a máquina judiciária em geral, os empresários-piratas, os advogados criminalistas milionários e todos os brasileiros tementes ao fascismo trabalhando 24 horas por dia para destruir a Operação Lava Jato e o combate sério à corrupção no Brasil. Foi um trabalho imenso. Ganharam — ganharam tanto que, hoje, perseguem ferozmente os juízes e promotores que botaram os ladrões no xadrez. 

Por que iriam, agora, voltar atrás, aceitar que se puna de novo a roubalheira — e ter de começar tudo de novo mais adiante? Não faz sentido. Ou seja: se houver um outro triplex do Guarujá, ou um outro sítio de Atibaia, não vai acontecer nada com os que estiverem metidos no negócio. Mais que tudo, como mencionado acima, o país saiu dessa guerra que exterminou a Lava Jato pior do que estava antes. O Brasil, hoje, é um Estado no qual a corrupção é publicamente permitida e incentivada, para todos os efeitos práticos — e no qual os que se opõem ao crime são perseguidos oficialmente pela máquina da justiça. 

Antes os corruptos nunca iam para a cadeia, ou quase nunca — mas tinham medo de ir. Agora, têm a certeza matemática de que não vai lhes acontecer nada. Qual a dúvida possível? 
O STF absolve, ou ignora, ou arquiva, 100% dos casos de corrupção que lhe chegam, e a maioria dos casos nem chega. Não são 90%, ou 99% — são 100%, direto. 
Se é assim, torna-se impossível, objetivamente, que haja qualquer dor de cabeça para quem rouba; daqui a pouco, ladrão do erário não vai nem precisar mais de advogado. 
Da mesma forma, 100% de todos os despachos da “suprema corte” com um mínimo de relevância são a favor do governo Lula, ou de seus agentes — não menos de 100%, nunca. Ter medo do quê, então? Liberou geral.
STF emendas de relator tributos
Sessão do STF | Foto: Carlos Moura/SCO/STF
Provavelmente não há nenhum outro país no mundo em que a corrupção seja entendida como uma prática regular ou necessária do Estado — e oficialmente aceita pelo mais alto tribunal de justiça da nação, decisão após decisão, sem falhar uma que seja. 
Você consegue citar algum lugar parecido? 
Não está dito que é assim, é claro — no papel, roubar dinheiro público continua sendo proibido. Mas na prática é permitido, sem problema nenhum, se o criminoso é de esquerda, ou coisa que o valha. 
A questão mais interessante que se levanta, à essa altura, é se algum país, entre os 200 que estão hoje na ONU, pode funcionar desse jeito na prática. O que será que acontece, no dia a dia? Dá para a economia funcionar assim? É claro que não vai haver crescimento algum, não num nível decente. É impossível criar riqueza, a não ser fortuna individual para quem rouba — e muito menos distribuição de renda. 
 
Que renda? Não haverá mais emprego de boa qualidade, nem mais oportunidades de subir na vida para os que têm pouco. Não vai haver nenhum progresso relevante nas três questões que mais oprimem a população brasileira hoje em dia: segurança pessoal, educação pública de qualidade pelo menos equivalente à educação particular e assistência médica razoável. Vão roubar a maior parte do dinheiro que deveria ir para isso — e para basicamente todas as necessidades urgentes do país. O Brasil vai continuar, em comparação com as economias bem-sucedidas, tendo uma infraestrutura miserável em suas estradas, ferrovias e portos, ou em seus serviços de água encanada e de esgoto
As obras públicas continuarão custando cinco ou dez vezes que o que custam num país desenvolvido. 
A possibilidade de reduzir impostos, o meio mais eficaz que se conhece para colocar dinheiro no bolso das pessoas, será um duplo zero. 
 
A lista vai longe. Mas será só isso — atraso, subdesenvolvimento e um aumento espetacular da injustiça? 
Ou vai se chegar a um ponto em que começa a faltar luz elétrica, por exemplo, ou gás de cozinha, por que passaram a mão em tudo? 
Não se sabe, realmente; não dá para saber, quando se leva em conta que não existem precedentes de uma situação como a do Brasil de hoje, onde a corrupção é tratada pelo governo como virtude política, e aceita na vida real por todas as sentenças do sistema judiciário. É perfeitamente possível, em todo caso, que destruam muito do progresso que se conseguiu até hoje; nesse caso, o Brasil vai andar para trás.
 
Dois fatos acima de discussão mostram que o país está se enfiando em território até hoje não mapeado
O primeiro é a situação do novo juiz nomeado para cuidar da Lava Jato. Sua identificação no sistema eletrônico da justiça, o e-proc, era, até pouco tempo atrás, “LUL22”. 
O sistema do TSE registra uma doação que fez à campanha presidencial de Lula, dentro de um financiamento coletivo. 
Ele tem apoio público do grupo de advogados “Prerrogativas”, que milita em favor do presidente e de vários acusados de corrupção. 
É um crítico, também público, da Operação Lava Jato. Uma de suas últimas decisões foi autorizar Sérgio Cabral, atualmente em “prisão domiciliar” — apesar de condenado a 425 anos de cadeia e até hoje não absolvido de coisa nenhuma — a ausentar-se do Rio de Janeiro por até oito dias corridos, sem tornozeleira eletrônica ou qualquer outra restrição física. (Veja artigo de Augusto Nunes, nesta edição.) 
 
O juiz e hoje senador Sergio Moro, além do procurador e hoje deputado Deltan Dallagnol foram considerados “parciais” pelo STF em sua atuação na Lava Jato
E esse novo juiz — seria imparcial? 
Não faz nexo nenhum, a não ser como recado explícito ao público em geral. A Justiça brasileira acha, e faz questão de dizer para todo mundo, que juiz bom é quem apoia Lula, beneficia Sérgio Cabral e condena o trabalho contra a corrupção feito pela Lava Jato. Juiz ruim é o que incomoda o presidente e os acusados de corrupção.
Deputado Deltan Dallagnol e senador Sergio Moro - 
 Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil
O segundo fato é que o governo e o conjunto de forças que lhe dão apoio estão cada vez mais empenhados em criar, pela primeira vez na história, um sistema oficial de censura neste país, com o disfarce de agirem contra a divulgação de “fake news”. 
A verdade é que não há nenhuma intenção de evitar a publicação de qualquer notícia falsa, mas sim de proibir que se fale mal do governo nas redes sociais e na mídia. É fácil entender a coisa. 
O STF, através do seu braço eleitoral, proibiu que se dissesse durante a campanha que Lula era a favor da ditadura na Nicarágua, o que é a mais pura e óbvia verdade dos fatos. 
Por que o governo, quando tiver o seu poder de censura, iria permitir a circulação de notícias, comentários e opiniões sobre corrupção? 
 
Não vai permitir, é claro. Ou seja: não apenas acabaram com o combate à ladroagem, mas não querem que se fale mais no assunto. 
Vão roubar — e vai ser proibido dizer que estão roubando. Exagero? A censura sobre a Nicarágua, ao que tudo indica, é o piso, não o teto. O que o STF está dizendo é o seguinte: “É daqui para cima. Podem ir nessa”. O ministro da Justiça, a propósito, anuncia uma lei que, segundo ele, cria a censura moderada. Será um “mecanismo leve”, promete.
 
Que diabo quer dizer isso — “mecanismo leve?” Existe censura leve? 
Qual seria, então, a diferença em relação à censura pesada? 
Numa escala de 0 a 10, por exemplo: a censura do ministro seria algo em torno do grau 5? Menos? Quanto? 
É tudo um perfeito disparate. O que se sabe, com certeza, é que é impossível sair qualquer coisa que preste disso tudo. 
O ministro da Justiça de Lula é comunista “graças a Deus”, segundo ele mesmo diz. 
Nunca houve, até hoje, um comunista que fosse a favor da liberdade, em qualquer época ou em qualquer lugar do mundo. 
Por que ele seria o primeiro?

Leia também “É permitido roubar”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Editorial do Estado de S. Paulo: O preço da paralisação

TCU estima que, dos mais de 38 mil contratos de obras públicas, cerca de 14 mil estão parados, um inaceitável desperdício de dinheiro

Na última terça-feira, dia 2, a Câmara dos Deputados instalou uma comissão para acompanhar a execução de obras inacabadas. O mais recente levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), assumidamente incompleto devido à carência de dados consolidados, revela um cenário exasperador. O Tribunal estima que, dos mais de 38 mil contratos de obras públicas, cerca de 14 mil (38%) estão paralisados.

Os valores destes contratos totalizam R$ 144 bilhões. De R$ 11 bilhões a R$ 12 bilhões já foram executados, de modo que seriam necessários R$ 132 bilhões para os concluir – sem contar gastos com danos resultantes do abandono. Além dos valores investidos, há prejuízos indiretos de difícil mensuração, como os entraves à movimentação da economia local e a privação de serviços à população, como atendimento hospitalar ou esgotamento sanitário. Um estudo citado pelo TCU constatou a paralisação de 3 mil obras de creches (75 mil vagas), resultando em um impacto na renda anual das famílias desamparadas da ordem de R$ 3 bilhões.

O problema de boa parte das obras começa antes mesmo de seu início, na deficiência dos projetos, devido a prazos curtos de elaboração e falta de estudos e amadurecimento, resultando em atrasos e majoração dos custos. Em parte, a razão é que as licitações costumam priorizar os preços mais baixos. Ao invés disso, o Tribunal recomenda a realização de concursos em que a qualificação técnica seja mais bem ponderada como critério de escolha.

Outra causa de paralisação é a incapacidade de Estados e municípios em honrar a sua parte no financiamento das obras pactuadas com a União. Uma das dificuldades é a regra que determina que a União não fará aportes adicionais, ficando todo o risco de acréscimos de valores, seja por ajustes no projeto, aditivos contratuais ou atualização monetária, por conta dos entes subnacionais. De resto, além da queda na arrecadação dos últimos anos, há uma insuficiência dos atuais instrumentos de orçamentação para planejar empreendimentos plurianuais. Tudo isso, somado ao baixo índice de responsabilização dos gestores, resulta na pouca confiabilidade das garantias e compromissos assumidos por Estados e municípios.

Ante essa ineficiência endêmica, ao invés de racionalizar os procedimentos com critérios mais rigorosos, o poder público, segundo o TCU, tende a iniciar um número excessivo de empreendimentos, na expectativa de que uma parcela seja realizada. O resultado é mais ineficiência, desperdício e sobrecarga administrativa.
Outro fator crítico é a disparidade entre os procedimentos exigidos pela União e a capacidade técnica dos entes subnacionais para executar o projeto. Uma das estratégias sugeridas para suprir esse déficit é promover parcerias com o setor privado. Também é necessário aprimorar os critérios de aferição da capacidade técnica dos tomadores de recursos. Além disso, o TCU recomenda o fomento de consórcios intermunicipais a fim de reduzir a desigualdade técnica entre os municípios menos favorecidos.
“Quando a Administração consegue ponderar adequadamente esses fatores – fiscalização alinhada com boa gestão; capacitação e aperfeiçoamento do quadro técnico; precaução em se fazer projetos mais precisos, coerentes com as expectativas da comunidade e sem grande lapso temporal entre projeto e obra; recursos assegurados em tempo regular –, o risco de se ter uma obra paralisada é mitigado.” 

Em vista disso, o TCU recomenda a catalogação das boas práticas, campanhas de conscientização e premiações às obras que se destacarem na superação dos parâmetros estabelecidos. Para que as autoridades possam se precaver contra paralisações e monitorar o desempenho das obras, o TCU considera fundamental que o Ministério da Economia desenvolva um banco de dados consolidado e também um fórum permanente envolvendo múltiplos atores. É inaceitável que bilhões do contribuinte sejam desperdiçados em esqueletos de concreto que só servem como monumentos à ineficiência e irresponsabilidade do poder público.


Editorial - O Estado de S. Paulo

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Mundo de treva

Uma das esperanças mais caras do mundo político em geral é que prevaleça, uma vez mais, o ponto de vista dominante na elite brasileira





Publicado na edição impressa de VEJA

O que você pode esperar de um país em que pelo menos um em cada três membros do Congresso Nacional (algumas contas, mais pessimistas, estimam que o total possa passar dos 40%) responde a algum tipo de processo criminal perante a Justiça — um caso sem similar no resto do planeta? Isso é só uma parte do problema. Roubava-se tanto na Odebrecht, nos governos dos ex-­presidentes Lula e Dilma Rous­seff, que a empresa achou necessário criar um departamento inteiro destinado unicamente a cuidar da corrupção de políticos e peixes graúdos da administração pública — com diretores, gerentes, secretárias, sistemas de TI e tudo o mais que se precisa para tocar um negócio de prioridade máxima. Não é apenas o Congresso. Há, nesse mundo de treva, o resto dos políticos — no nível federal, nos estados e municípios. Há também outras empreiteiras de obras, empresários escroques, bancos com problemas junto a delatores e mais um montão de gente. Só se pode esperar disso tudo, na verdade, uma coisa: os mais extraordinários esforços, por parte dos criminosos, para manter as coisas o mais próximo possível da situação em que sempre estiveram.

Até uma criança com 10 anos de idade percebe que ninguém, aí, quer ir para a cadeia. Todos, se pudessem, gostariam de voltar a roubar em paz. E sabem, é claro, que não vai ser fácil. Juridicamente não existe a menor possibilidade de “zerar tudo” — quer dizer, anular os processos por corrupção já decididos ou em andamento na Justiça, ou eliminar as provas materiais colhidas contra condenados, réus à espera de sentença e suspeitos de ações futuras. Que diabo se faz, por exemplo, com as confissões que foram colocadas no papel? E com as “delações premiadas” ora em andamento? Também não é possível, simplesmente, fazer com que se evaporem os resultados físicos dos procedimentos judiciais de combate à corrupção já executados até agora. Em números redondos, são cerca de 250 condenações, num total superior a 2 000 anos de prisão. Mais de 150 criminosos de primeira linha foram para a cadeia. Bilhões de reais foram devolvidos ao Tesouro Nacional. Para ficar no caso mais vistoso: o ex-presidente Lula, após apresentar mais de 100 recursos de todos os tipos, já está condenado em terceira instância julgado, até agora, por 21 juízes (possivelmente não exista na história do direito penal brasileiro outro caso em que o direito de defesa tenha sido tão utilizado por um réu).

É um problema e tanto. Na impossibilidade de sumir com o passado, o esforço, agora, é para armar um futuro menos complicado para todos. Uma das esperanças mais caras do mundo político em geral é que prevaleça, uma vez mais, o ponto de vista dominante na elite brasileira — que, como sabemos, tem um código moral perfeito, mas gosta muito mais do código que da moral. Essa elite, ou as classes que definem a virtude nacional, está tentando construir uma espécie de trégua — a trégua que for possível, baseada em decisões que de alguma forma possam ser vinculadas à interpretação das leis. Segundo os devotos do código, talvez seja uma pena para a visão comum que se tem da ideia de justiça — mas se a majestade da lei exigir que a moral vá para o diabo que a carregue, paciência. Como tem objeções à vacina, há gente que acaba, na prática, ficando a favor da bactéria.
 É positivo anotar, de qualquer forma, que o roubo do Erário, no Brasil de hoje, está mais difícil do que jamais foi ao longo de seus 500 anos de existência. Em consequência da ação da Justiça, jamais foi tão arriscado ser corrupto como no Brasil de hoje — e jamais os corruptos tiveram tanto medo de agir como têm agora.





terça-feira, 21 de maio de 2019

PIB deprimente

Renda estagnada do país suscita perplexidade e debate entre especialistas

A mediana das expectativas de analistas para a expansão do Produto Interno Brasileiro no ano caiu pela 12ª semana consecutiva, segundo divulgou o Banco Central nesta segunda (20). O processo de deterioração, infelizmente, não dá sinais de que esteja próximo do fim.

Desde fevereiro, a projeção caiu pela metade —de 2,5%, já modestos, para 1,24%. Não são poucos os que já preveem índices mais baixos, que mal compensariam a taxa de crescimento da população do país, hoje em torno de 0,8% ao ano. Dito de outra maneira, a renda per capita ficará estagnada ou pouco além disso, numa repetição do ocorrido no biênio anterior. Trata-se de uma prostração quase inexplicável após a queda brutal de 8,6% na recessão de 2014-16.


Renda per capita não recupera patamar de 2010
32,7
2018
10
20
30
33,5
2010
34,5
2011
34,9
2012
35,6
2013
35,5
2014
34
2015
32,6
2016
32,6
2017
32,7
2018

Nota-se uma boa dose de perplexidade entre os economistas debruçados sobre o tema —e a perspectiva não mais remota de um novo mergulho recessivo com a queda do PIB no primeiro trimestre. Conforme noticiou esta Folha, a consultoria do ex-presidente do BC Afonso Celso Pastore qualificou de depressão o cenário nacional em caso de confirmação dos prognósticos para o ano. Por esse ponto de vista, o termo se justificaria em razão da perda aguda e prolongada dos rendimentos.

Nem todos concordarão com tal nomenclatura, decerto, dado que inexistem parâmetros objetivos e universalmente aceitos para definir recessão e depressão. Uma velha piada postula que a primeira está em curso quando seu vizinho perde o emprego, e a segunda, quando é você o demitido. De todo modo, não se pode escapar de um debate complexo em torno das causas da estagnação e das políticas para enfrentá-la.  As opções ao alcance imediato do governo Jair Bolsonaro (PSL) se mostram escassas. O enorme déficit orçamentário dificulta sobremaneira estímulos por meio de obras públicas ou desonerações; já a recente escalada do dólar impõe cuidados do BC com a inflação.

Nesse contexto, é fundamental apressar o programa de concessões à iniciativa privada de atividades em infraestrutura, de maneira a viabilizar investimentos em rodovias, portos, aeroportos e outros.  Entretanto a tarefa mais urgente a cargo do governo consiste em acertar suas relações com os partidos representados no Congresso —para encaminhar as reformas, sim, mas também para proporcionar um panorama político menos conturbado a todo o país.


 Editorial - Folha de S. Paulo

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Cada vez mais urgente

A falta de uma linha de crédito especial para pagamento de precatórios agrava a crise financeira dos Estados

O esgotamento do prazo para a criação, pela União, de uma linha de crédito especial para governos estaduais pagarem precatórios, sem que nenhuma medida tenha sido tomada pelas autoridades federais, torna ainda mais evidente a gravidade da crise financeira dos Estados e a urgência com que a questão precisa ser resolvida. As atuais administrações estaduais foram beneficiadas com o alongamento da dívida com a União, tiveram autorização para contratação de empréstimos com o aval do governo federal, ganharam mais prazo para pagar os precatórios judiciais, mas, em sua grande maioria, continuam em busca de socorro financeiro e não têm capacidade para cumprir o teto de gastos que acertaram quando tiveram seus compromissos financeiros renegociados. A falta de regulamentação de uma linha de crédito estimada em R$ 100 bilhões e que deveria ter sido criada pela União até o dia 30 de junho passado é um problema adicional às dificuldades que os Estados já enfrentam. 

A Emenda Constitucional n.º 99, aprovada no fim do ano passado, estendeu de 2020 para 2024 o prazo para os Estados e municípios pagarem os precatórios, que são suas dívidas com pessoas físicas e jurídicas reconhecidas por sentença definitiva da Justiça. Os precatórios se referem a salários, pensões, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez (são os chamados precatórios de natureza alimentar) ou decorrem de ações de outros tipos, como as dívidas referentes a desapropriações. Em muitos casos, por isso, são valores devidos a pessoas necessitadas ou que tiveram seus imóveis desapropriados para a execução de obras públicas. 

Para que os Estados e municípios pudessem cumprir os termos de pagamento por ela fixados, a Emenda Constitucional n.º 99 estabeleceu que, “no prazo de até seis meses contados da entrada em vigor do regime especial a que se refere este artigo, a União, diretamente, ou por intermédio das instituições financeiras oficiais sob seu controle, disponibilizará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como às respectivas autarquias, fundações e empresas estatais dependentes, linha de crédito especial para pagamento dos precatórios submetidos ao regime especial de pagamento” então criado. 

Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, como mostrou reportagem do Estado, considerou que a linha de crédito só poderia ser colocada à disposição dos Estados e municípios depois que estes tivessem esgotados os mecanismos previstos na legislação para o pagamento das dívidas reconhecidas pela Justiça. Entre esses mecanismos foram lembrados recursos orçamentários, saque de parcela de depósitos judiciais, compensação dos pagamentos com outros débitos inscritos em dívida ativa e negociação com os credores de descontos do valor a ser pago. 

Além disso, a Procuradoria-Geral da Fazenda entendeu que não é possível regulamentar a criação da linha de crédito, pois seu custo terá de ser subsidiado. Esse entendimento torna inviável a criação da linha de crédito. Em nota, a Procuradoria disse haver “dúvidas substanciais no âmbito jurídico, sem prejuízo de outras matérias de escopo constitucional que precisam ser avaliadas”. O problema real, no entanto, é fiscal. Há algum tempo, o ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Esteves Colnago, afirmou que o governo federal não tem recursos orçamentários para oferecer empréstimos subsidiados como os previstos na Emenda Constitucional n.º 99. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, de sua parte, já informou o presidente Michel Temer sobre as dificuldades legais para regulamentar a linha de crédito. 

Autoridades estaduais e municipais cobram uma solução, pois contavam com a linha de crédito para aliviar sua situação financeira. Avalista de outras negociações de dívidas estaduais, a União vem pagando o que alguns Estados não estão conseguindo pagar. Só em setembro, por exemplo, o Tesouro Nacional pagou R$ 449,1 milhões em dívidas atrasadas dos Estados. A maior parte desse valor foi destinada a pagamento de dívidas atrasadas do Rio de Janeiro.

 Editorial - O Estado de S. Paulo

 


quinta-feira, 7 de abril de 2016

Dinheiro de propina abasteceu a campanha de Dilma em 2014, diz Andrade Gutierrez

Segundo o jornal Folha de S.Paulo, acusação consta da delação premiada de Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da construtora
Dinheiro proveniente de propinas foi utilizado pela construtora Andrade Gutierrez para abastecer as campanhas de Dilma Rousseff (PT) e seus aliados em 2010 e 2014, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo publicada nesta quinta-feira (7).

A informação, de acordo com a publicação, consta da delação premiada de Otávio Marques de Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, e foi apresentada por ele à Procuradoria-Geral da República. Segundo a Folha, em 2014, a construtora doou R$ 20 milhões à campanha de Dilma. A delação, que também traz informações referentes às campanhas de 2010 e 2012, incluiria dados sobre uma doação de R$ 10 milhões vinculados à participação da Andrade Gutierrez em obras públicas da Petrobras e do sistema elétrico.

Todos os valores foram colocados em uma planilha por Azevedo e pelo ex-executivo da Andrade Gutierrez Flávio Barra. Eles teriam sido declarados, posteriormente, como doações legais às campanhas políticas do PT. As propinas teriam relação com execução de obras no Complexo Petroquímico do Rio, com a usina nuclear de Angra 3 com a hidrelétrica de Belo Monte. Segundo Azevedo, as doações incluíam a parte de "compromissos com o governo", como ele classificou a propina, e a "parte republicana" - as doações "normais" feitas pelas empresas aos partidos políticos.

Fonte: Redação IstoÉ