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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Lula se debate - Merval Pereira

O Globo

Mandela era um preso político, enquanto Lula é um político preso,  condenado por corrupção

Dois movimentos quase simultâneos, que não se pode afirmar combinados, aceleraram a tentativa de definir no Supremo Tribunal Federal (STF) processos que, de maneira direta, influenciarão o destino penal do ex-presidente Lula.  O ministro Ricardo Lewandowski pediu à presidência do Supremo que apresse a inclusão na pauta da definição sobre a possibilidade de prisão em segunda instância. Ele mandou ao plenário nada menos que 80 habeas corpus que concedeu para que réus recorressem em liberdade, mesmo condenados em segunda instância.

Se a prisão em segunda instância for derrubada no julgamento definitivo de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), impactará muito mais o combate à corrupção do que diretamente a Lula, pois a decisão deve ser que a prisão poderá ser feita depois de julgado recurso no STJ, e Lula já está condenado nesta instância no caso do triplex do Guarujá.  Mas adiará a decisão sobre novas penas de prisão dos demais processos contra Lula que eventualmente vierem a condená-lo. Também a decisão do STF de determinar que os delatores têm que apresentar suas alegações finais antes dos demais réus, a ser finalizada hoje, não afeta a condenação no caso do triplex, mas pode retardar o processo sobre o sítio de Atibaia, que já está na fase de recurso no TRF-4, e pode regredir.

Também a defesa de Lula pediu que seja retomado o mais rápido possível o julgamento sobre a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, na tentativa de anular a condenação de Lula no caso do triplex, pelo qual foi condenado a 8 anos e 10 meses de cadeia em regime fechado.  É nesse processo que está a esperança do ex-presidente de ser libertado sem dever nada à Justiça, ao contrário, saindo com o atestado do STF de que foi perseguido e injustiçado. É por isso que ele está se recusando a aceitar a progressão da pena para o regime semiaberto.

Caso semelhante aconteceu em Portugal, onde o ex-primeiro-ministro José Sócrates se recusou a usar tornozeleira, e o juiz do caso decidiu mantê-lo no regime fechado. Em Portugal o condenado tem o direito de não aceitar condicionantes para a progressão de pena, o que no Brasil é controverso.  Há advogados que consideram que a transferência do regime fechado ao semiaberto deve ser feita sem a imposição de medidas condicionantes além das definidas na lei.

Mas, se devido à inexistência de estabelecimento adequado, colônia agrícola ou industrial, o que acontece com freqüência no Brasil, o juiz estabelecer condições que o apenado discorde, como monitoração eletrônica na prisão domiciliar, o condenado tem direito de recusar. Neste caso, o juiz pode impedir a progressão, mantendo-o em regime fechado. Foi o que aconteceu com Sócrates na ocasião. Os procuradores de Curitiba consideram que é um dever do estado não manter o preso para além da medida da lei.

Lula diz que só aceita sair se for inocentado ou se o julgamento for anulado e provarem que ele é inocente, exigências que não existem na lei. Algumas pessoas gostam de comparar Lula a Mandela, numa ação política risível, a começar pelo fato de que Mandela era um preso político, enquanto Lula é um político preso, condenado por corrupção.

No caso do sul-africano, a liberdade era uma concessão do governo racista da África do Sul a Mandela, e não baseada nas leis do país, e ele recusou. Lula conseguiu a progressão da pena porque cumpriu um sexto dela, e não por bondade dos órgãos de Justiça. Ele acredita que até o final do ano seu julgamento será anulado, pela suspeição do juiz Sergio Moro. Esse julgamento está suspenso na 2ª turma do STF, já com dois votos contra, dos ministros Edson Fachin e Carmem Lucia. [apesar das condições confortáveis em que cumpre pena, o presidiário Lula está perdendo a noção das coisas e quer algo impossível: ser inocentado.


Nem que o STF, além de ser o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - segundo Rui Barbosa, a Corte que tem o direito de errar por último -  fosse também nossa Corte Suprema integrada por onze supremos ministros, a imensidão de provas contra o condenado (cuja validade não foi  contestada em nenhuma instância) não poderia ser descartada, olvidada.]

O argumento do pedido de suspeição é frágil, o fato de Moro ter aceitado ser ministro do governo Bolsonaro. Mas os diálogos roubados por hackers entre procuradores e Moro, embora sejam inválidos como prova, estão na cabeça de todos os ministros, podem ser apagado dos autos, mas não deixarão de ter seus efeitos na decisão.

A defesa de Lula não juntou os diálogos ao processo, por sabê-los provas inválidas, e, teoricamente, o que não está nos autos não está no mundo, não existe para um juiz. Mas as revelações causaram prejuízos à imagem dos procuradores. Como é Moro que está em questão, é difícil aceitar um argumento tão frágil para assumir uma responsabilidade de anular julgamentos que já foram feitos em três instâncias, até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), todos com resultados contrários a Lula.


Merval Pereira, jornalista - O Globo


 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Lula, Dilma e o petrolão

Todas as evidências vinculam o maior esquema de corrupção da história ao PT, inclusive à campanha de 2010

Não há na história da República brasileira um escândalo da magnitude do petrolão. Mais ainda: não há na história mundial nenhuma empresa pública que tenha sofrido uma sangria de tal ordem. Ficamos cada dia mais estarrecidos com a amplitude do projeto criminoso de poder que controla o país desde 2003. Bilhões de reais foram desviados da Petrobras. Agora as investigações devem também alcançar o setor elétrico, as obras do PACo e aquelas vinculadas à Copa do Mundo. Ou seja, se já estamos enojados — aproveitando a expressão utilizada por Paulo Roberto Costa na acareação na CPMI da Petrobras, na semana passada — com o que foi revelado, o que nos aguarda? E quando soubermos da lista de parlamentares e ministros envolvidos?

O país está como aquele indivíduo em Pompeia, no ano 79 d.C., que caminhava tranquilamente nem imaginando que o Vesúvio entraria em erupção. O Congresso mantém sua rotina trocando votos por dinheiro, o que já não causa nenhuma estranheza. O governo não conseguiu nomear seu Ministério e o país está sem orçamento aprovado para 2015. E o Judiciário mantém o ramerrão de sempre: muito formalismo e pouca justiça. 

A boa nova é que sociedade civil está se mobilizando. Diferentemente de 2006 e 2010, desta vez o espírito cívico se manteve. Manifestações nas ruas, reuniões, debates nas redes sociais têm marcado a conjuntura pós-eleitoral. É uma demonstração de interesse pelos destinos do país e que desagrada e não poderia ser o contrário — aos marginais do poder. Mas o que chama a atenção é o silêncio de entidades que, em certa época, estiveram à frente na defesa do Estado Democrático de Direito. Uma delas é a Ordem dos Advogados do Brasil. Qual a razão da omissão? E os artistas? O silêncio tem alguma relação com os generosos patrocínios da Petrobras? 

O petrolão atingiu em cheio o governo Dilma. Pesquisa Datafolha divulgada no último domingo mostra que 68% dos entrevistados consideram que a presidente tem responsabilidade no caso. Todas as evidências apresentadas até agora vinculam o maior esquema de corrupção da história ao PT, inclusive à campanha presidencial de 2010. Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, executivo da empreiteira Toyo Setal, afirmou que pagou propina em dinheiro vivo, em remessas a contas no exterior e em doações oficiais ao PT, tudo, segundo ele, combinado com João Vaccari, tesoureiro do partido. Portanto, foram cometidos vários crimes eleitorais. Por que a Justiça Eleitoral está silenciosa? Mendonça Neto disse também que entregava dinheiro vivo a três emissários do PT que se apresentavam com alcunhas típicas de traficantes do Complexo do Alemão: Tigrão, Melancia e Eucalipto. 

Alberto Youssef foi claro quando disse: “Não sou o mentor nem o chefe desse esquema. Sou apenas uma engrenagem desse assunto que ocorria na Petrobras. Tinha gente muito mais elevada acima disso, inclusive acima de Paulo Roberto Costa.” A afirmação permite, no mínimo, três perguntas:
1 - Como é possível um esquema dessas proporções sem que autoridades superiores tenham conhecimento ou até comandem essas operações?;
2 - Por que foi organizado este esquema e com quais objetivos?
3 - Como foi possível movimentar fortunas sem que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tomasse conhecimento? 

Neste processo, duas pessoas têm enorme responsabilidade como representantes do Estado brasileiro. O primeiro é o ministro Teori Zavascki. Caberá a ele a responsabilidade de, inicialmente, ser no STF o responsável pelo processo. Na Ação Penal 470, infelizmente, o ministro acabou acatando a tese de um novo julgamento que levou à derrubada da condenação por formação de quadrilha da liderança petista. E, como ficou patente, o julgamento acabou desmoralizado e objeto de chacota. Já no caso do petrolão, é incompreensível a libertação de Renato Duque. O outro é o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Quando assumiu a PGR e participou da segunda parte do julgamento do mensalão deixou nos brasileiros uma enorme saudade do seu antecessor, Roberto Gurgel. Teve uma atuação, no mínimo, pífia. Agora, segundo noticiado, teria se encontrado sigilosamente com representantes das empreiteiras envolvidas no escândalo para, sempre de acordo com a imprensa, evitar que o processo chegue aonde deve chegar, ao Palácio do Planalto. 

É impossível acompanhar o escândalo sem questionar o papel de Luiz Inácio Lula da Silva. Afinal, a organização e a prática do esquema de corrupção tiveram inicio durante o seu longo período presidencial. Porém, até hoje, apesar da gravidade dos fatos, Lula se mantém em silêncio. Tudo indica que aguarda a revelação das provas em poder da Justiça para só daí — a contragosto — emitir uma opinião. Lula é um safo, como vimos durante o processo do mensalão. Tinha pleno conhecimento do petrolão — e disso não há qualquer dúvida. Nomeou a diretoria da Petrobras com o intuito inequívoco de organizar o maior caixa 2 da história republicana. 

Se no mensalão ele se salvou, desta vez vai ser muito difícil. Pela primeira vez neste país poderemos ter um ex-presidente não só indiciado, mas condenado pela Suprema Corte. Resta saber se o STF vai agir dentro da lei ou permanecerá um mero puxadinho do Palácio do Planalto, como em outras oportunidades. Do outro lado do Atlântico, em Portugal, o ex-premiê José Sócrates continua detido suspeito de fraude fiscal e corrupção. Um dia Chico Buarque cantou — ironicamente — que o Brasil iria virar um imenso Portugal. Espero que ele tenha razão.

Por: Marco Antonio Villa é historiador - O Globo