Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador sul-africano. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador sul-africano. Mostrar todas as postagens

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Fóssil - Folha de S.Paulo

O presidente Lula executou suas acrobacias habituais destinadas a legitimar as tiranias

"A esquerda brasileira permaneceu estagnada no tempo, ficou presa a um mundo que mudou", diagnosticou o ex-presidente uruguaio "Pepe" Mujica, antigo líder Tupamaro e ícone da esquerda latino-americana. A cúpula da Celac deu-lhe razão. Nela, um Lula fossilizado celebrou a democracia com uma face enquanto celebrava seus ditadores de estimação com a outra.

A palavra democracia pairou sobre o encontro. Os líderes repudiaram o ensaio golpista do 8 de janeiro em Brasília e a declaração final destacou o dever "para com a democracia e os direitos humanos". 
Mas um Lula sempre igual a ele mesmo desperdiçou a oportunidade de levantar a voz por eleições livres na Venezuela, uma abertura política em Cuba e o fim da selvagem repressão do regime de Ortega na Nicarágua.

Pior: o presidente executou suas acrobacias habituais destinadas a legitimar as tiranias. "Os cubanos não querem copiar o modelo do Brasil, eles querem fazer o modelo deles". Emilio Médici utilizou frases similares para atribuir à vontade [e necessidade]  dos brasileiros o "modelo" da ditadura militar. Que tal declarar que "os sauditas querem fazer o modelo deles"? Ou "os iranianos"?

Lula empregou as senhas rituais cunhadas por Díaz-Canel e Maduro. Falou em "bloqueio" a Cuba no lugar de "sanções", macaqueando o manjado álibi castrista. Falou numa inexistente "ameaça de ocupação" da Venezuela, imitando os discursos do falido regime chavista. Finalmente, quando produziu a frase que devia terminar com "democracia", perpetrou o truque preferido pelas ditaduras, invocando a "soberania".

Foi assim: "o que eu quero para o Brasil, quero para a Venezuela: respeito à minha soberania". No passado, soberania foi atributo dos monarcas; hoje, é atributo das nações. Inexiste verdadeira soberania nacional num país onde surrupiam do povo o direito de escolher seus governantes.

Durante seus mandatos anteriores, Lula contribuiu para a preservação das ditaduras de esquerda na América Latina, operando como escudo diplomático dos regimes de força. Criticar ditaduras que ofendem os direitos humanos não é "ingerência", mas dever —como, aliás, está escrito na Constituição brasileira.

O apartheid sul-africano começou a morrer quando, tardiamente, os EUA e as democracias europeias isolaram o regime de minoria branca. Um dos fatores históricos que deflagrou a abertura no Brasil foi a mudança de rota determinada pelo americano Jimmy Carter, que se engajou na condenação dos abusos promovidos pelo regime militar. Há pouco, a palavra nítida do governo de Joe Biden ajudou a secar a agitação bolsonarista nos quartéis. Melífluo, Lula mencionou um indefinido "problema da Venezuela" e insistiu em "diálogo" —mas recusou-se a apontar sua finalidade.

O tempo passou na janela e só Carolina não viu. A declaração da Celac enfatizou o "respeito às instituições". No 9 de janeiro, repudiando os ataques golpistas, Jaques Wagner, líder do governo no Senado, explicou que o STF é o intérprete insubstituível da Constituição. Lula, porém, exime a si mesmo da exigência de respeitar as instituições, algo que parece valer apenas para os adversários: no site oficial do governo, o impeachment de 2016, um processo presidido pelo STF, foi classificado como "golpe de Estado".

A mesma qualificação surgiu, na voz do próprio Lula, em Buenos Aires e Montevidéu. "Vocês sabem que, depois de um momento auspicioso, houve um golpe de Estado que derrubou a companheira Dilma Rousseff", disse o presidente, ao lado do argentino Alberto Fernández. Simetria específica: Bolsonaro acusa o STF de patrocinar um golpe ao anular as condenações de Lula; Lula acusa o STF de patrocinar um golpe ao avalizar o impeachment. [em nossa opinião, um rápido exame e se constata que a razão assiste à Bolsonaro.]

Democracia? Instituições? Perdido nos labirintos do passado, o líder da esquerda brasileira não enxerga nessas palavras mais que artifícios retóricos oportunos.

Demétrio Magnoli - Folha de S.Paulo

 


quarta-feira, 15 de junho de 2022

Ativismo do STF representa risco preocupante - O Globo

Editorial

Afirmar que o governo Jair Bolsonaro representa riscos à democracia se tornou lugar-comum. A campanha contra as urnas eletrônicas [usadas no Brasil, em Bangladesh e no Butão.] e o Judiciário, a apologia da ditadura, os elogios a torturadores transformaram Bolsonaro na nêmesis de democratas mundo afora. 
Outro risco para nossa democracia, porém, tem passado despercebido. É mais insidioso e permanecerá entre nós mesmo que ele perca a eleição e transfira o poder ao sucessor. 
Trata-se da politização do Supremo Tribunal Federal (STF). 
A Corte, que deveria manter-se equidistante e alheia às paixões, parece a cada dia mais contaminada pelo noticiário, como se devesse prestar contas à opinião pública, não à lei ou à Constituição.

STF

O ministro Luís Roberto Barroso deu até prazo para o governo tomar providências nas buscas do indigenista e do jornalista desaparecidos na Amazônia, como se isso tivesse algum poder de acelerá-las — ou algum cabimento. 
O ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se esforça para desvencilhar-se da desavença insólita que ele próprio alimentou com os militares em torno das urnas eletrônicas. E o ministro Gilmar Mendes teve nesta semana de reafirmar o óbvio, dizendo que o Supremo não é “partido de oposição ao governo”. Não é mesmo, nem jamais deveria ser.
 
A impressão que tem transmitido, contudo, é a oposta. Não é de hoje que o STF invade competências de outros Poderes. “Tenho a impressão de que, qualitativamente, o STF brasileiro, ao lado dos tribunais constitucionais colombiano e sul-africano, está entre os mais ativistas do mundo”, diz o jurista Gustavo Binenbojm
Mesmo que, na maioria dos casos, o Supremo mantenha seu papel de tribunal constitucional e última instância do Judiciário, nos poucos em que se arroga missão que o extrapola, dá argumento aos bolsonaristas e aos que promovem campanhas infames e despiciendas contra a Corte.
Nas palavras de um constitucionalista: “Conflito entre Poderes sempre vai existir, mas é difícil achar racionalidade em certas decisões”. 
Para citar exemplos, nem é preciso recorrer a casos rumorosos, em que o tribunal assumiu papel nitidamente político, como os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, a prisão do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) ou os esforços por disciplinar as redes sociais. 
As decisões contaminadas pelo ativismo podem ser as mais corretas e proteger direitos essenciais, mas isso não impede que abram precedentes perigosos.

Quando o Supremo tornou a homofobia e a transfobia crimes, formulou, sem aval do Legislativo, um tipo penal por analogia — um absurdo, pois o Direito Penal é literal.  
Quando equiparou os crimes de racismo e injúria racial, alterou definições de leis aprovadas no Congresso
Quando determinou condições para operações policiais nas favelas cariocas, invadiu competência do Executivo fluminense e determinou uma política pública. Nada disso estava errado em si. Mas criou-se um caminho para arbítrios futuros.
 
Noutras situações, o STF soube agir com comedimento. Ficou anos sem tomar decisão sobre o Fundo Garantidor de Créditos para não invadir competência do Legislativo. No caso da reeleição para as presidências da Câmara e do Senado, apenas mandou cumprir o que estava na Constituição
Casos assim mostram que os ministros têm plena noção da atitude exigida de juízes que concentram tanto poder. Precisam ter a sabedoria de mantê-la. [Comentando: a matéria acima é transcrição literal do EDITORIAL do Jornal O GLOBO, que como é sabido é um dos líderes da mídia militante contra o Governo Bolsonaro.
Já que nessa matéria o Jornal decidiu agir como um órgão de imprensa deve agir - COM IMPARCIALIDADE E NEUTRALIDADE - ousamos apresentar nosso entendimento para justificar a não interferência suprema no FGC e na  reeleição para as presidências da Câmara e do Senado = o STF só excede, extrapola no seu ativismo,  quando a decisão resultante é contra o Governo BOLSONARO.]

Opinião - O Globo

 

sábado, 5 de outubro de 2019

Lula e PT articulam para que ex-presidente seja libertado definitivamente - #LulaPreso - IstoÉ

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Lula se debate - Merval Pereira

O Globo

Mandela era um preso político, enquanto Lula é um político preso,  condenado por corrupção

Dois movimentos quase simultâneos, que não se pode afirmar combinados, aceleraram a tentativa de definir no Supremo Tribunal Federal (STF) processos que, de maneira direta, influenciarão o destino penal do ex-presidente Lula.  O ministro Ricardo Lewandowski pediu à presidência do Supremo que apresse a inclusão na pauta da definição sobre a possibilidade de prisão em segunda instância. Ele mandou ao plenário nada menos que 80 habeas corpus que concedeu para que réus recorressem em liberdade, mesmo condenados em segunda instância.

Se a prisão em segunda instância for derrubada no julgamento definitivo de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), impactará muito mais o combate à corrupção do que diretamente a Lula, pois a decisão deve ser que a prisão poderá ser feita depois de julgado recurso no STJ, e Lula já está condenado nesta instância no caso do triplex do Guarujá.  Mas adiará a decisão sobre novas penas de prisão dos demais processos contra Lula que eventualmente vierem a condená-lo. Também a decisão do STF de determinar que os delatores têm que apresentar suas alegações finais antes dos demais réus, a ser finalizada hoje, não afeta a condenação no caso do triplex, mas pode retardar o processo sobre o sítio de Atibaia, que já está na fase de recurso no TRF-4, e pode regredir.

Também a defesa de Lula pediu que seja retomado o mais rápido possível o julgamento sobre a parcialidade do então juiz Sérgio Moro, na tentativa de anular a condenação de Lula no caso do triplex, pelo qual foi condenado a 8 anos e 10 meses de cadeia em regime fechado.  É nesse processo que está a esperança do ex-presidente de ser libertado sem dever nada à Justiça, ao contrário, saindo com o atestado do STF de que foi perseguido e injustiçado. É por isso que ele está se recusando a aceitar a progressão da pena para o regime semiaberto.

Caso semelhante aconteceu em Portugal, onde o ex-primeiro-ministro José Sócrates se recusou a usar tornozeleira, e o juiz do caso decidiu mantê-lo no regime fechado. Em Portugal o condenado tem o direito de não aceitar condicionantes para a progressão de pena, o que no Brasil é controverso.  Há advogados que consideram que a transferência do regime fechado ao semiaberto deve ser feita sem a imposição de medidas condicionantes além das definidas na lei.

Mas, se devido à inexistência de estabelecimento adequado, colônia agrícola ou industrial, o que acontece com freqüência no Brasil, o juiz estabelecer condições que o apenado discorde, como monitoração eletrônica na prisão domiciliar, o condenado tem direito de recusar. Neste caso, o juiz pode impedir a progressão, mantendo-o em regime fechado. Foi o que aconteceu com Sócrates na ocasião. Os procuradores de Curitiba consideram que é um dever do estado não manter o preso para além da medida da lei.

Lula diz que só aceita sair se for inocentado ou se o julgamento for anulado e provarem que ele é inocente, exigências que não existem na lei. Algumas pessoas gostam de comparar Lula a Mandela, numa ação política risível, a começar pelo fato de que Mandela era um preso político, enquanto Lula é um político preso, condenado por corrupção.

No caso do sul-africano, a liberdade era uma concessão do governo racista da África do Sul a Mandela, e não baseada nas leis do país, e ele recusou. Lula conseguiu a progressão da pena porque cumpriu um sexto dela, e não por bondade dos órgãos de Justiça. Ele acredita que até o final do ano seu julgamento será anulado, pela suspeição do juiz Sergio Moro. Esse julgamento está suspenso na 2ª turma do STF, já com dois votos contra, dos ministros Edson Fachin e Carmem Lucia. [apesar das condições confortáveis em que cumpre pena, o presidiário Lula está perdendo a noção das coisas e quer algo impossível: ser inocentado.


Nem que o STF, além de ser o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - segundo Rui Barbosa, a Corte que tem o direito de errar por último -  fosse também nossa Corte Suprema integrada por onze supremos ministros, a imensidão de provas contra o condenado (cuja validade não foi  contestada em nenhuma instância) não poderia ser descartada, olvidada.]

O argumento do pedido de suspeição é frágil, o fato de Moro ter aceitado ser ministro do governo Bolsonaro. Mas os diálogos roubados por hackers entre procuradores e Moro, embora sejam inválidos como prova, estão na cabeça de todos os ministros, podem ser apagado dos autos, mas não deixarão de ter seus efeitos na decisão.

A defesa de Lula não juntou os diálogos ao processo, por sabê-los provas inválidas, e, teoricamente, o que não está nos autos não está no mundo, não existe para um juiz. Mas as revelações causaram prejuízos à imagem dos procuradores. Como é Moro que está em questão, é difícil aceitar um argumento tão frágil para assumir uma responsabilidade de anular julgamentos que já foram feitos em três instâncias, até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), todos com resultados contrários a Lula.


Merval Pereira, jornalista - O Globo


 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Lula não é Mandela

O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta dirigida à direção do PT, questionou a legitimidade das eleições presidenciais de 2018. “Esta não foi uma eleição normal. O povo brasileiro foi proibido de votar em quem desejava, de acordo com todas as pesquisas. Fui condenado e preso, numa farsa judicial que escandalizou juristas do mundo inteiro, para me afastar do processo eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral rasgou a lei e desobedeceu a uma determinação da ONU, reconhecida soberanamente em tratado internacional, para impedir minha candidatura às vésperas da eleição.” Lula foi impedido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa porque está condenado pela Operação Lava-Jato em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por ocultação de patrimônio e recebimento de propina, mas não aceita o resultado das urnas.

Lula se recusa a qualquer autocrítica dos escândalos de corrupção envolvendo o PT e os erros políticos que cometeu. Também não abre mão de liderar o partido de dentro da prisão: “O PT nasceu na oposição, para defender a democracia e os direitos do povo, em tempos ainda mais difíceis que os de hoje. É isso que temos de voltar a fazer agora, com o respaldo dos nossos 47 milhões de votos, com a responsabilidade de sermos o maior partido político do país.” O ex-presidente atribui a vitória de Jair Bolsonaro esse resultado ao fato de não ter sido candidato e à “indústria de mentiras no submundo da internet, orientada por agentes dos Estados Unidos e financiada por um caixa dois de dimensões desconhecidas, mas certamente gigantescas”. Ou seja, tudo foi obra do imperialismo ianque.

Embora esteja preso por decisão em segunda instância, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, Lula ataca a Justiça Eleitoral e atribui sua condenação à perseguição política do ex-juiz federal Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância: “Se alguém tinha dúvidas sobre o engajamento político de Sergio Moro contra mim e contra nosso partido, ele as dissipou ao aceitar ser ministro da Justiça de um governo que ajudou a eleger com sua atuação parcial. Moro não se transformou no político que dizia não ser. Simplesmente saiu do armário em que escondia sua verdadeira natureza.”

MATÉRIA COMPLETA, clique aqui

sábado, 9 de julho de 2016

Mau conselheiro



Medo altera de tal modo a percepção da realidade, os sentimentos e o raciocínio que pode levar ao desastre

Um dos mistérios da arte está na capacidade que artistas têm para captar o que ainda vai acontecer, como se fossem antenas a que os sinais chegam muito antes. Um exemplo sempre citado está na obra de Franz Kafka, que parecia antever os horrores do nazismo e do Holocausto, nos enredos em que seus personagens vivem o pesadelo de serem acusados e perseguidos por autoridades inacessíveis, vistos como culpados sem que se saiba por que, reduzidos ao papel de vítimas indefesas que podem ser esmagadas a qualquer momento, como insetos.

O clima atual que a Europa vive, com pavor de ser invadida por estrangeiros, migrantes e refugiados, faz lembrar outras obras-primas da literatura do século XX. Uma delas, “O deserto dos tártaros”, de Dino Buzzati (transformada em filme com um fantástico elenco que incluía Vittorio Gassman e Max von Sydow), captou a atmosfera europeia de final da década de 30, em uma parábola sobre soldados de uma guarnição que deixam de viver sua vida plena para passar os dias em alerta contra eventual invasão de hordas inimigas. 

Outro romance sobre o mesmo tema, transformado em ópera por Philip Glass, é do sul-africano J. M. Coetzee, Nobel de literatura de 2003. Trata-se de “À espera dos bárbaros”, livro em que o medo dos outros é tão intenso que vai além da simples cautela frente à imaginada possibilidade de invasão, e sinistramente mergulha na selvageria humana diante de quem é diferente, convertido então em ameaça. Um alerta sobre essa extrema-direita que cresce em países como França, Áustria, Holanda, apostando na desagregação.

O medo é mau conselheiro. Embora seja fundamental para a autopreservação, altera de tal modo a percepção da realidade, os sentimentos e o raciocínio que pode levar ao desastre, na medida em que, progressivamente, a sensação de insegurança vira angústia, se faz acompanhar da impressão de impotência, e pode evoluir para o pânico ou o terror. Rompe com qualquer racionalidade, transformando-se no que Guimarães Rosa descreveu tão bem, ao dizer que medo é uma espécie de pressa que chega ao mesmo tempo de tudo quanto é lado.

O crescimento da xenofobia e dos ultranacionalismos na Europa se insere nesse quadro. Acossadas de forma muito concreta pelo terrorismo (e o terror é a forma mais poderosa do medo), as pessoas confundem tudo. Enxergam ameaças por toda parte, principalmente de quem vem de fora, seja com medo de perder o emprego ou de que traiçoeiros atentados tragam a morte para dentro de casa.

Esse ambiente de insegurança e corrosão da solidariedade é ideal para a instauração da mentira. Líderes populistas sabem acentuar percepções equivocadas para se aproveitar dele, cevando ressentimentos, demonizando os outros ou se apresentando como defensores únicos da tranquilidade e do bem-estar. É conhecido o recurso de ditadores para unir a população em seu apoio: acenar com um inimigo externo ou ameaça de invasão estrangeira. Vimos isso aqui ao lado na Guerra das Malvinas. E a História da Europa no século XX está cheia de exemplos desse tipo, reforçando diferentes totalitarismos, de Hitler e Mussolini a Salazar e Franco.

Entre nós, há também os medrosos hesitantes, em cima do muro, sabendo o que é certo, mas temerosos do patrulhamento na própria trincheira. Arriscam-se a deixar de seguir a consciência para sair bem na foto. E há os desesperados com a Lava-Jato, a tramar um pacote legislativo que cerceie a ação da Justiça e a enquadre como abuso de autoridade, tentando salvar a própria pele.

A combinação de toda essa gama que vai de um leve receio ao mais deslavado pavor pode ter consequências desastrosas — como o Brexit acaba de comprovar. Com medo da arrogância e poder dos britânicos, a União Europeia se recusou a fazer concessões.

Com medo de negociar em Bruxelas e não ser compreendido em casa, receando o fogo amigo de seu partido se fosse flexível, Cameron bateu pé, fez birra e convocou o referendo irresponsável e desnecessário. Com medo de ser tachado de conservador, o líder trabalhista Corbyn fez só uma campanha morna contra o Brexit. Com medo de mudanças em relação a memórias nostálgicas, os mais velhos decidiram complicar a vida das gerações futuras. Com medo de dar força a esses políticos que aí estão, muitos jovens não compareceram para votar. Com medo de perder benefícios, sindicatos escolheram jogar a culpa nos estrangeiros (sobretudo da Europa do leste e do Mediterrâneo) e votar pelo isolamento. Com medo da concorrência, empresas locais entraram na onda. E foram insufladas por uma campanha que não explicou nada direito — quando não mentiu descaradamente, prometendo o que não podia entregar e apavorando os eleitores.

Péssimo conselheiro, o medo. Não apenas acaba de isolar a Grã-Bretanha, mas dividiu uma nação que sempre soube manter seu espírito de pé, com um povo avesso a extremismos, fortemente unido nos momentos difíceis. Mais uma vez confirmando Guimarães Rosa: o medo é a extrema ignorância em momento muito agudo.

Por: Ana Maria Machado, escritora - O Globo

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

África do Sul - 'Assassino número um' do apartheid ganha liberdade condicional



O coronel Eugene de Kock reconheceu ter participação em mais de 100 assassinatos e em casos de tortura. Ele disse ser um 'assassino do Estado'
O ministro sul-africano da Justiça concedeu nesta sexta-feira liberdade condicional a Eugene de Kock, um coronel sul-africano da polícia do apartheid conhecido como o “assassino número um” do regime, responsável por sequestros, torturas e assassinatos de opositores – reporta a rede BBC. "No interesse da reconciliação nacional, decidi colocar De Kock em liberdade condicional", declarou o ministro Michael Masutha, acrescentando que as condições para sua libertação não serão divulgadas.
 Eugene de Kock, em imagem 1999, durante seu julgamento (AFP)

De Kock foi condenado em 1996 a duas penas de prisão perpétua e a 212 anos de prisão por seu trabalho no comando de uma unidade antiterrorista da polícia, que reprimia os ativistas contrários ao regime segregacionista da África do Sul. O ex-coronel reconheceu mais de 100 atos de assassinato, tortura e fraude diante da Comissão para a Verdade e a Reconciliação (TRC, na sigla em inglês), que se estabeleceu em 1995 para esclarecer e, em alguns casos, perdoar os que confessaram crimes durante o apartheid, um regime que durou entre 1948 e 1994.

A TRC concedeu a ele anistia por muitos de seus crimes, incluindo os atentados com bomba e doze assassinatos de militantes contrários à segregação, mas a negou pelo assassinato de cinco homens em 1992, ao considerar que as vítimas não tinham nenhuma relação com a guerrilha antiapartheid e que os atos não tinham, portanto, nenhuma justificativa política.

Assim, De Kock continuou na prisão. Durante seu julgamento, classificou a si mesmo como um "assassino de Estado" e forneceu muitos detalhes sobre muitas atrocidades cometidas por sua unidade secreta, justificando seus atos no fato de que cumpria ordens políticas.

O debate sobre os crimes do regime do apartheid se reavivou nos últimos dias na África do Sul, à espera da decisão do ministro da Justiça. Para muitos, os assassinatos, sequestros e torturas de De Kock eram crimes muito odiosos para ser perdoados. Outros opinavam, no entanto, que o ex-oficial da polícia era, além de um prisioneiro arrependido, um bode expiatório para os muitos criminosos do apartheid que nunca foram punidos.

Fonte: Agência  France-Presse