Há
oito meses a desconfiança predomina no Congresso. O juiz Zavascki deveria evitar
que a atual legislatura termine e outra comece com 594 parlamentares sob
suspeita
Dentro
de um mês, 513 deputados federais vão para casa. Em fevereiro 229
deles retornam, reeleitos, com experiência e votos suficientes (44,6% no plenário) para decidir já na primeira sessão da nova legislatura a
eleição do presidente da Câmara — segundo personagem na linha sucessória
da Presidência da República, logo após o vice-presidente. É ele quem assume,
prevê a Constituição, em impedimento ou na vacância de ambos os cargos.
Tudo
normal, não fossem as suspeitas de
corrupção que pairam sobre duas dúzias dos atuais deputados, cujo anonimato
está garantido por segredo de Justiça desde a prisão de figuras-chave nas
traficâncias empresariais e partidárias sobre o caixa da Petrobras. Há oito
meses a desconfiança contamina cada conversa, sessão ou votação no plenário da
Câmara. Clima idêntico reina no Senado, onde
cinco dos 81 senadores foram reeleitos. Em trágica ironia, a suspeição corrói o parlamento, onde se discutem os negócios
do Estado. Há mais de 35 semanas a Justiça coleciona confissões e documentos
de protagonistas dos crimes, como Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras,
e Alberto Youssef, distribuidor do dinheiro dos subornos empresariais. Existe
uma coletânea de gravações — incluindo-se as realizadas em sigilo durante o
repasse de propinas.
Teori
Zavascki, ministro do Supremo, destacou Marcio Fontes para acompanhar o
processo, conduzido pelo juiz Sérgio Moro, no Paraná. No final de setembro, Zavascki
homologou o acordo de delação premiada de Costa. Escreveu: “(...) É possível constatar que, efetivamente, há elementos
indicativos, a partir dos termos do depoimento, de possível envolvimento de
várias autoridades detentoras de prerrogativa de foro perante tribunais
superiores, inclusive de parlamentares federais".
Passaram-se 42 dias. Suspeitas,
desconfianças, conjecturas e todos os sinônimos adequados ao caso resplandeceram
no estuário da vida política, de alguma forma legitimadas pelo texto de
Zavascki, um juiz de 66 anos reconhecido pela aversão à “notória exacerbação" tanto no rito
processual quanto nas penalidades.
Elas
persistem. Porque os parlamentares
envolvidos continuam anônimos — como ensinou o poeta Carlos Drummond de
Andrade, o anonimato combina o prazer da vilania com a
virtude da discrição. Vinte e
cinco anos atrás, na terça-feira 18 de abril de 1989, a Câmara iniciou a
aprovação da lei sobre delação premiada, agora aplicada pelo Supremo. A decisão
de mudar a legislação foi adotada em uma semana, por iniciativa do deputado
Miro Teixeira, que argumentou: “Não se
pode conceber o hermético conceito de sigilo a proteger pessoas suspeitas da
prática de crimes (...) e não se pode conceber que o Estado deixe de estimular
o arrependimento capaz de produzir confissões que auxiliem a desmontar
organizações criminosas.”
Numa
alquimia da história, prevalece agora o hermético conceito de sigilo — o segredo de Justiça —, há meses garantindo o
anonimato de poucos em prejuízo do universo de legisladores federais. Por uma
questão de justiça, o juiz Zavascki, deveria desfazer o anonimato. Evitaria que a atual legislatura termine e outra comece com
594 sob suspeita na Câmara e no Senado.
Fonte:
O Globo - José Casado - jornalista