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domingo, 28 de julho de 2019

A questão do conteúdo dos grampos persiste - Elio Gaspari



O Globo - Folha de S. Paulo

A negligência com o conteúdo dos grampos 

A ideia de Moro de destruir as mensagens era primitiva e cheirou mal

Os procuradores blindaram-se na recusa a comentar o que apareceu. Muitos deles, como Sergio Moro, dizem que já apagaram os arquivos. Se o serviço da PF foi de primeira, essa blindagem é de quinta

A Polícia Federal fez um serviço de primeira localizando e prendendo a quadrilha que invadiu os celulares de centenas de autoridades, inclusive do presidente da República, do ministro Sergio Moro e de procuradores da Lava-Jato. Um deles tinha antecedentes criminais e confessou ter sido o remetente dos grampos para o site The Intercept Brasil. Como isso foi feito e se era gratuito, como ele diz, só a investigação poderá esclarecer. Resta saber se Glenn Greenwald e Manuela D’Ávila conheciam a extensão do crime de sua fonte. Essa é uma perna da questão. 
A outra perna está no conteúdo das mensagens já divulgadas e ela continua no mesmo lugar. Os procuradores blindaram-se na recusa a comentar o que apareceu nos grampos. Muitos deles, como Sergio Moro, dizem que já apagaram os arquivos. [saber mais.]Se o serviço da PF foi de primeira, essa blindagem é de quinta. A ideia de Moro de destruir as mensagens era primitiva e cheirou mal. Na forma, o crime cometido pelo invasores dos celulares foi peculiar.Eles atacaram dados de centenas de pessoas e seus antecedentes afastam a ideia de que houvesse interesse público na operação. A questão do conteúdo é outra.

Não passa pela cabeça de ninguém querer apagar da memória dos americanos as revelações contidas nos famosos “Papéis do Pentágono” que expuseram documentos relacionados com a Guerra do Vietnã. Eles foram furtados por um consultor do Departamento de Defesa. Indo-se mais longe, também, não passa pela cabeça dos americanos passar a esponja em cima dos documentos furtados por oito ativistas católicos que invadiram um escritório do FBI na Pensilvânia numa noite de março de 1971. Eles levaram perto de mil documentos. No meio estavam as provas de que o FBI espionava militantes pacifistas, artistas e negros, difamava pessoas e manipulava jornalistas.

Cópias de documentos foram mandados para o “New York Times”, o “Los Angeles Times” e o “Washington Post”. O governo tentou impedir a publicação e divulgou uma nota advertindo que eles comprometiam a segurança nacional. Ben Bradlee, o editor do “Washington Post”, e Katharine Graham, sua proprietária, decidiram publicar parte do material. Aberta a comporta, o conteúdo dos documentos mudou para melhor a história do FBI. O FBI pôs 200 agentes atrás dos ladrões e a investigação somou 33 mil páginas, para nada. O mistério só foi desvendado 40 anos depois, quando a repórter Betty Medsger, que recebeu a papelada em 1971, identificou e entrevistou sete dos oito invasores. Dois deles viviam longe da política e um tornara-se sincero admirador de Ronald Reagan.

Armstrong pisou na lua e errou de hospital
Neil Armstrong levou oito dias para ir à Lua e voltar. Anos depois, fez uma cirurgia do coração e 19 dias depois estava morto. No voo, deu tudo certo. No hospital, as coisas deram errado, mas a verdade ficou escondida por sete anos, até que o “New York Times” a revelou. O chanceler Ernesto Araújo acha que os diplomatas não devem ler esse jornal, mas para o bem de sua saúde seria bom que o fizesse.

Em 2012, aos 82 anos, Armstrong estava com um desconforto gástrico, foi ao hospital Merciful Faith, de sua cidade, e fez um teste de esforço. Mandaram-no para uma angiografia e acabou com quatro pontes no coração. Algo como cinco dias depois puseram-lhe um marca-passo temporário e, passadas algumas horas, uma enfermeira tirou-lhe os fios. Teve um sangramento e 27 minutos depois levaram-no para o centro de cateterismo. Melhorou, mas voltou a sangrar, com queda de pressão e falha dos rins. Em 20 minutos estava no centro cirúrgico. Daí em diante não se sabe o que aconteceu, mas ele ficou 97 minutos com perda de oxigênio no cérebro. Estava entubado há uns cinco dias quando retiraram o aparelho. Armstrong não conseguia respirar e voltaram a entubá-lo. Dez dias depois estava morto.


Desde 2014 o hospital sabia que médicos independentes haviam estudado o prontuário e observaram que ele poderia ser operado mais tarde, os fios do marca-passo não deveriam ter sido retirados por uma enfermeira sem supervisão e, acima de de tudo, deveria ter ido logo para o centro cirúrgico e não para o centro de cateterismo. Finalmente, não deveriam tê-lo extubado tão cedo. Existem testes rotineiros capazes de medir a resistência de um paciente à extubação. O homem que simbolizou o avanço da tecnologia, morreu por causa de barbeiragens. A pior, foi a sua ida para o centro de cateterismo.

Havia mais: durante dois anos o hospital se fez de bobo, até que a mulher de um dos filhos de Armstrong, advogada, foi-lhe na jugular. Ou pagavam sete milhões de dólares ou seriam denunciados. Pagaram seis milhões, com uma cláusula de segredo que durou cinco anos.

Nisso tudo, houve um cavalheiro, o professor James Hansen, autor da biografia autorizada de Armstrong (“O Primeiro Homem”), publicada nos Estados Unidos em 2005. Nesse tipo de livro o autor aceita omitir fatos a pedido do biografado ou de sua família. Ele sabia de tudo, mas limitou-se a escrever uma frase críptica: “Fora do pequeno círculo de sua família, dos amigos e da equipe médica que cuidou dele, talvez nunca se venha a saber exatamente o que aconteceu com Neil no hospital ao longo das duas semanas que culminaram com sua morte.”
Na semana passada Hansen saudou a revelação do “Times”, para que o que aconteceu a Armstrong não volte a acontecer.

(...)

Conselho precioso
Quando estava aberta a janela para repatriação de depósitos que estavam no exterior, um magano procurou um advogado para se aconselhar.
— Quanto o senhor tem no Brasil?
— Dez milhões de reais, disse o magano.
— E na Suíça?
— Cem milhões de dólares.
Então embarque para a Suíça e fique por lá.
Ele embarcou. Foi o conselho mais curto e valioso saído de uma banca de advocacia.



Elio Gaspari, jornalista - Folha de S. Paulo - O Globo



quinta-feira, 16 de maio de 2019

Bolsonaro corre o risco de virar um pária


São cansativas as comparações entre Jair Bolsonaro e Donald Trump, como se o brasileiro fosse uma versão tropical do americano. Os dois não apenas têm personalidades e históricos de vida distintos como também governam em contextos extremamente diferentes.

Jair Bolsonaro nunca terá um partido poderoso como o Republicano, conforme lembra o brasilianista Brian Winter, do Council of the Americas. Tampouco terá uma economia com o vigor da americana. Ao tentar agir como seu ídolo de Washington, corre o risco de ser tratado como pária global, como observamos na sua desastrada excursão pelos EUA mesmo após a mudança de destino de Nova York para Dallas.

Sempre que sofre críticas ou se envolve em escândalos, Trump pode desviar o assunto e citar os espetaculares números da economia americana. Se criticarem a renegociação do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta), o presidente pode responder que a taxa de desemprego atingiu seu patamar mais baixo desde que Neil Armstrong pisou na lua em 1969, e que a inflação segue controlada abaixo de 2%. Caso condenem a guerra comercial contra a China, o atual ocupante da Casa Branca pode argumentar que o PIB cresceu a uma taxa anualizada de 3,6% no primeiro trimestre deste ano. Em momentos de polêmica, que dados positivos Bolsonaro tem para citar da medíocre performance da economia brasileira, ainda que não seja o responsável?

E, além da economia, Trump tem o amparo do Partido Republicano. Caso sofra acusações e ataques dos democratas na Câmara, Trump sabe que poderá contar com a proteção dos republicanos no Senado, onde eles têm maioria. As eleições ainda estão distantes e, certamente, os EUA estarão divididos como em 2016. Mas cerca da metade do país apoiará Trump porque o presidente disputará a reeleição como candidato do Partido Republicano. Sabem que, se vencer, nomeará mais juízes conservadores para a Suprema Corte da forma como fez duas vezes neste primeiro mandato. Bolsonaro não tem nem uma fração desta força no Congresso brasileiro, e Sérgio Moro poderia ser nomeado para o Supremo mesmo se Bolsonaro ainda fosse um deputado do baixo clero.

As posições de Trump sobre o meio ambiente, incluindo a decisão de se retirar do Acordo de Paris, são condenadas internacionalmente e podem ter efeitos gravíssimos para o futuro da Humanidade. Mas quase nenhum país pode se dar ao luxo de esnobar o presidente dos EUA por esta medida. Já Bolsonaro será repudiado por suas políticas ambientais, conforme observamos na decisão do Museu de História Natural de Nova York de cancelar um evento no qual o brasileiro seria homenageado.

Para completar, Trump não depende do brasileiro. Bolsonaro é quase irrelevante para o presidente americano. Mesmo na Venezuela, a estratégia contra a ditadura de Maduro não seria muito diferente se o Brasil fosse governado pelo general Mourão. Chama a atenção também que Trump não saiu em defesa de Bolsonaro na briga do presidente brasileiro com Bill de Blasio, prefeito de Nova York. Afinal, seria uma ótima oportunidade para o presidente dos EUA alfinetar seu inimigo que governa a sua cidade natal. Pode ter sido por achar irrelevante ou por não querer se associar a Bolsonaro. Tampouco o líder americano celebrou nas redes sociais a visita do brasileiro a Washington neste ano. Muito estranho.

 Guga Chacra - O Globo