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domingo, 12 de abril de 2020

Mandetta pegou o vírus do holofote - Elio Gaspari

Declaração de Mandetta sobre tráfico e milícia pode ser atribuída à síndrome do holofote

Numa guerra, o poder público pode precisar de entendimento com o crime organizado, mas não pode legitimá-lo     

Ministro perdeu uma oportunidade de ficar calado quando disse que “a saúde dialoga, sim, com o tráfico, com a milícia"

O ministro Luís Henrique Mandetta perdeu uma oportunidade de ficar calado quando disse que “a saúde dialoga, sim, com o tráfico, com a milícia, porque eles também são seres humanos e também precisam colaborar, ajudar, participar.”

Para um ministro da Saúde que construiu sua reputação falando no valor do conhecimento, só se pode atribuir essa declaração à síndrome do holofote. Dialogar com as milícias e com o tráfico é coisa que o poder público do Rio de Janeiro pratica há décadas. O próprio Mandetta já viu a promiscuidade suprapartidária que dialoga com a contravenção em Mato Grosso do Sul.

[Faltou ao ministro da Saúde o sentido de respeito pela instituição Presidência da República, o sentido de "liturgia do cargo" de Presidente da República, quando tratou o presidente da República por 'você' = ao dizer em conversa com o Chefe do Poder Executivo  'até você me demitir'.
O cargo de presidente da República exige que protocolos sejam seguidos.

Os que relutam em respeitar o presidente da República, tenham em conta que nos Estados Unidos da América,um modelo de democracia - o que deve incomodar em muito os inimigos do Trump - que lá existe a obrigação legal de sempre se dirigir ao presidente da República utilizando no mínimo, a tratamento "Senhor Presidente".] 


A essência da fala do ministro é um truísmo. Em diversas áreas o poder público precisa dialogar com a bandidagem para trabalhar em paz. O que ela não precisa é legitimá-lo, coisa que Mandetta fez. Essa legitimação não funciona apenas como um gesto simbólico. Ela ampara organizações criminosas. Além disso, tanto os traficantes como as milícias dividem-se em facções. Como se faria esse diálogo: numa assembleia?

O ministro da Saúde poderia se informar sobre as consequências de sua fala com o ministro da Justiça, mas faz tempo que o doutor Sergio Moro entrou numa quarentena. Além dele, poderia também recorrer ao acervo de conhecimentos da família Bolsonaro com milicianos. Ninguém deve se meter com decisões profissionais dos médicos, mas eles também não devem ir além delas, atropelando as leis.

Numa guerra, o poder público pode precisar de algum tipo de entendimento com o crime organizado, mas não pode legitimá-lo. Em 1941, o governo americano entendeu-se com a máfia do porto de Nova York para que ela não atrapalhasse seus embarques militares. Mais: em 1943, quando a tropa do general George Patton desembarcou na Sicília, cultivou a simpatia da máfia. O “capo” Don Calogero Vizzini tornou-se prefeito da cidade de Villalba e coronel honorário da exército americano. O preço desse diálogo seria um problema dos italianos.
O general Patton nunca assumiu publicamente a ajuda da Máfia.

O Itaú Unibanco dá o exemplo
O Itaú Unibanco anunciará amanhã uma doação de R$ 1 bilhão para o combate à Covid-19. O dinheiro irá para a fundação do banco e será administrado exclusivamente por um conselho de profissionais da saúde, onde estarão diretores de hospitais públicos e privados. Dinheiro na veia.

Essa será a maior iniciativa filantrópica já ocorrida no Brasil e sua lembrança ficará gravada na história da pandemia. Para se ter uma ideia do tamanho da doação, estima-se que em 2016 todas as iniciativas filantrópicas de corporações brasileiras somaram R$ 2,4 bilhões. (Nessa cifra entraram ações relacionadas com cultura, meio ambiente e educação, por exemplo.)
De onde eles estão, Olavo Setúbal (1923-2008) e Walther Moreira Salles (1902-2001), criadores dos dois bancos, terão um momento de orgulho.

Folha de S. Paulo e O Globo - MATÉRIA COMPLETA - Elio Gaspari, jornalista


quinta-feira, 26 de novembro de 2015

O banqueiro que virou um dos homens mais ricos do país


André Esteves: um banqueiro controvertido que virou um dos homens mais ricos do Brasil


A trajetória do financista no mercado é recheada de manobras suspeitas e tacadas agressivas 

 


O banqueiro André Esteves, preso pela Polícia Federal nesta quarta-feira (25), em São Paulo, sob a acusação de querer prejudicar as investigações da operação Lava Jato, é uma das figuras mais bem sucedidas da arena financeira do país nos anos 2000 e também uma das mais controversas.

Nascido e criado na Tijuca, bairro de classe média no Rio de Janeiro, Esteves, de 46 anos, ergueu um império com ramificações nos principais centros financeiros internacionais, como Nova York, Londres e Hong Kong. Num setor dominado por gigantes globais, ele fez do BTG Pactual o maior banco de investimento da América Latina e se tornou um dos homens mais ricos do Brasil, com uma fortuna estimada hoje em cerca de US$ 2 bilhões (R$ 7,6 bilhões). “Sou muito bom para ganhar dinheiro, mas não para gastar”, afirmou a ÉPOCA numa entrevista exclusiva realizada em 2012, logo depois de concluir uma bem sucedida operação de lançamento de ações do BTG na Bolsa de Valores de São Paulo.


Apesar do sucesso que alcançou, Esteves afirma que costuma levar uma vida reservada, mais voltada para o trabalho e para a família, com quem costuma passar suas (poucas) horas de folga. Ele diz trabalhar de dez a 12 horas por dia. Em geral, tira apenas duas semanas de férias por ano. Uma no Carnaval e outra no meio do ano. Seu jato particular, um Dassault Falcon 7X, avaliado em US$ 50 milhões, é uma ferramenta de trabalho, que Esteves usa para se deslocar com agilidade e privacidade pelo país e pelo exterior. Normalmente, faz apenas uma ou duas viagens com o jato por ano com a família.

Bem relacionado e influente, Esteves conversa com os principais empresários do país como se estivesse falando com a turma do colégio. Numa das entrevistas que concedeu a ÉPOCA, pediu licença para atender um telefonema do banqueiro Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, fundador do extinto banco Garantia, vendido ao Credit Suisse em 1998, e hoje principal acionista do grupo AB InBev, maior fabricante de cervejas do mundo, que controla a Ambev no país. Ao final de um almoço com a reportagem da revista, Esteves acelerou sua saída para atender pessoalmente o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabucco Cappi.


Por sua desenvoltura na mesa de operações, Esteves já foi chamado de “o George Soros brasileiro”, embora se considere mais um “homem de negócios” que um “financista”. Ao contrário dos banqueiros Amador Aguiar (1904-1991), fundador do Bradesco, Olavo Setubal (1923-2008), do Itaú, e Walther Moreira Salles (1912-2001), do Unibanco, Esteves não construiu seu banco com base em agências na rua, concentrado no crédito ou na prestação de serviços financeiros. Ele se inspirou em banqueiros como John Pierpont Morgan, fundador do J.P. Morgan, o banco que ajudou a financiar o crescimento americano nos séculos XIX e XX, e em Jorge Paulo Lemann. Ambos se dedicavam às operações de mercado de capitais, voltadas para as grandes e médias empresas que precisam de recursos para crescer. Ou para a gestão de recursos de clientes.

Ao longo de sua carreira meteórica no mundo das finanças, Esteves deixou claro que não costuma medir esforços para conseguir o que quer. Em 1999, quando comandava a área de renda fixa do antigo Pactual, que deu origem ao BTG Pactual, ele liderou um levante com mais três sócios para expelir da sociedade seu principal acionista, Luiz Cesar Fernandes, e se tornou o comandante do banco. “Sempre tive consciência de que ele venderia a mãe para ter o poder”, afirmou Fernandes a ÉPOCA certa vez. “O André é ambicioso e tem uma liderança muito forte.”

No auge da crise global, em 2008, quando Esteves trabalhava na base londrina do banco suíço UBS, para quem havia vendido o Pactual dois anos antes, ele não se fez de rogado. Aproveitando a fragilidade do UBS, uma das instituições mais atingidas pela hecatombe financeira global, chegou a fazer uma proposta para comprá-lo na bacia das almas.

Chegou a procurar Jorge Paulo Lemann para apoiá-lo na iniciativa, mas o comando do UBS não gostou de seus movimentos e ele acabou deixando o banco. Esteves voltou, então, ao Brasil e fundou o BTG, uma empresa de investimentos. Pouco tempo depois, recomprou com alguns sócios o velho Pactual do próprio UBS, que precisava fazer caixa, e  formou, então o BTG Pactual, unindo as duas operações.

Não é de hoje que seus negócios com o governo despertam a atenção. Em fevereiro, ÉPOCA publicou em primeira mão, com base na delação premiada do doleiro Alberto Youssef na Lava Jato, que Esteves usou de sua influência para que a BR Distribuidora, principal subsidiária da Petrobras, “embandeirasse” a rede de postos de combustíveis da DVBR, da qual o BTG é sócio, e realizasse os elevados investimentos necessários ao à empreitada.


A boa relação cultivada por Esteves com os ex-ministros da Fazenda, Guido Mantega, e Antonio Palocci, desde quando eles estavam no governo, também foi alvo de muito ti-ti-ti no mercado financeiro. Ele é acusado de ter recebido informações privilegiadas para usá-las em benefício próprio e do banco. No final dos anos 1990, quando era apenas um operador de mercado, Esteves já era acusado por seus adversários de ganhar milhões com o uso de informações privilegiadas relacionadas ao comportamento dos juros e às ações do Banco Central.

Em 2012, dias antes do lançamento de ações do BTG Pactual na Bolsa de Valores de São Paulo, a Consob, o xerife do mercado de ações italiano, multou o banco em 350 mil euros pelo uso de informação privilegiada em negócios com ações da Creminini, empresa que negociava uma parceria com o frigorífico JBS. O BTG foi suspenso por seis meses como administrador de empresas na Itália e ainda teve um valor equivalente ao lucro que teria sido obtido com a operação bloqueado pela Consob.

Em 2007, teve de fazer um acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no Brasil para encerrar um processo envolvendo irregularidades na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), hoje parte da BM&F Bovespa. Acusado de ter feito operações para transferir lucros do Pactual para uma empresa estrangeira chamada Romanche Investment Corporation, ele teve de se comprometer a pagar uma multa de R$ 8,1 milhões, com Aldo Santos Laureano Junior, também executivo do banco.

Agora, com o com sua prisão pela força-tarefa da Lava Jato, Esteves sofre seu maior revés, cuja extensão só poderá ser medida precisamente com o tempo. Desde já, o seu BTG Pactual acusou o golpe, com uma queda de 21% nas cotações dos papéis do banco na Bolsa de São Paulo nesta quarta-feira.

Fonte: Revista Época