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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Nem acordinho, nem acordão

Havia um equívoco de base: achar que juntando um país pobre, dois pobres, três pobres etc... daria um rico. Não funcionou


No começo do primeiro governo Lula, quando começavam a decolar os acordos de comércio entre grupos de países, negociados por fora da Organização Mundial de Comércio, o então chanceler brasileiro, Celso Amorim, saiu-se com esta: o Brasil não está interessado nesses acordinhos.

Na diplomacia lulista, só o acordão interessava — um tratado global negociado há décadas no âmbito da OMC. Por isso, aliás, havia paralelamente o empenho brasileiro em conseguir o posto de diretor-geral da organização, uma vitória alcançada em 2013, com o diplomata Roberto Azevedo. Mas o posto já não tinha importância. A maior parte dos países todos os mais importantes — havia simplesmente abandonado a OMC e concentrado todos os esforços nos tais acordinhos, que, bem vista a situação, davam não em um, mas em vários acordões.

Claro, ninguém diz que a OMC já era, nenhum governo retirou seu embaixador da sede da entidade em Genebra. Mas a organização não teve nada a ver com o Acordo de Parceria Transpacífica (TPP, em inglês), fechado nesta semana por 12 países que representam 40% do PIB mundial e movimentam quase US$ 10 trilhões/ano em exportações e importações.

Trata-se do maior e mais avançado acordo de liberalização comercial dos últimos 20 anos. EUA e Japão lideram, a América Latina entra com México, Peru e Chile. O Brasil tem negócios com todos eles, negócios que podem ser desviados entre os parceiros TPP. [o Sardenberg que nos perdoe, mas, ele esquece que o Brasil tem o Mercosul ao qual, recentemente, a Venezuela aderiu. Não precisamos do TPP - foi o que Dilma declarou depois de conversar com Lula.]
A OMC também não tem nada a ver com o outro baita acordinho em gestação, o Transatlântico, que reúne simplesmente os EUA e a União Europeia. Está meio atrasado, porque os EUA estavam mais concentrados no TPP — cuja realização, aliás, está levando pressa aos europeus. Temem perder espaço em dois dos quatro maiores mercados do mundo, Estados Unidos e Japão. [os outros dois maiores mercados do mundo são Bolívia e Venezuela, que estão fechados com o Brasil.]

União Europeia e China completam os quatro grandes. A UE tem vários acordos bilaterais, inclusive com países agora integrantes do TPP. A China, que vinha preferindo os voos solo, possíveis pelo seu tamanho, também está negociando um acordinho — com Japão e Coreia do Sul. Eis onde nos trouxe a diplomacia inaugurada por Lula: todos os nossos principais parceiros comerciais fecharam ou estão fechando acordos que mudam a cara e o conteúdo do comércio mundial, enquanto o Brasil declara colocar fé no acordão da OMC e no... Mercosul! É verdade que, de uns meses para cá, membros do governo Dilma voltaram a se ocupar de um acordinho que seria importante, o acerto Mercosul/União Europeia. Mas esta negociação já tem um recorde: é a mais antiga do mundo, a que tem mais anos de conversa sem nenhuma conclusão.

Em Brasília, costuma-se colocar a culpa do atraso eterno nos europeus, que não teriam a necessária flexibilização para uma abertura comercial. Bobagem, claro. Afinal, nesse tempo, a UE fechou diversos acordos, inclusive com latino-americanos.  A verdade é que o Mercosul fez a opção bolivariana, definida por Lula como a diplomacia Sul-Sul. Tratava-se de unir os países mais pobres contra os ricos do Norte, de modo que a Turma do Sul, fortalecida política e economicamente, pudesse encarar os de cima no mano a mano. Olhar na cara, como Lula gostava de dizer.

Do ponto de vista econômico, havia, digamos, um equívoco de base: achar que juntando um país pobre, dois pobres, três pobres etc... daria um rico. Não funcionou. Se funcionasse, teria dado apenas um pobre maior. Além disso, tirante os bolivarianos, os países em desenvolvimento estavam mais interessados em entrar no mercado dos ricos, os maiores consumidores mundiais.

Os governos petistas também acreditaram que o Brics era mais que uma sigla — ou seja, que Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul formariam um sólido e unido bloco no xadrez global. Até constituíram um banco de desenvolvimento, mas do qual os outros quatro esperam apenas obter acesso aos enormes fundos chineses. Mas a China já não é o maior parceiro comercial do Brasil? Ora, a China, com sua voracidade por comprar commodities e alimentos e vender industrializados, é a maior parceira de um monte de países.

Na verdade, assim como ficou ao largo dos grandes movimentos comerciais, o Brasil também se isolou politicamente. Até na América do Sul perdeu influência. Fala-se pouco disso por aqui, mas a diplomacia Sul-Sul foi um dos maiores desastres da era Lula-PT.

Um sintoma é o estado lastimável em que se encontra o Itamaraty, formado por quadros tão competentes como Roberto Azevedo, e que estão por aí quase sem serviço e, de uns tempos para cá, até sem dinheiro para pagar as contas das embaixadas.  Aliás, uma marca da estratégia Sul-Sul foi abrir embaixadas pelos países da África, especialmente, e da Ásia mais pobre. Embaixadas que, do ponto vista nacional, não servem para nada. Mas podem servir para ajudar algum lobby a favor de uma ou outra empreiteira. E assim se cai de novo na corrupção, a outra marca.

Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo

terça-feira, 6 de outubro de 2015

À margem do novo mundo


Dilma parece não entender o mundo à sua volta: a Parceria Transpacífico afeta o interesse nacional brasileiro, e pode ter efeitos devastadores para o país
“É ‘mulheres’ primeiro”, corrigiu, em tom irritadiço. “Eles insistem em escrever errado, mas o ministério é das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.” Dilma Rousseff, ontem à tarde, mostrava-se muito preocupada com a imagem do novo ministério. Era sua grande novidade, com 31 integrantes.

Na essência, nada mudou. Antes, se resolvesse reunir e ouvir cada um dos 39 ministros por cinco minutos, a presidente passaria três horas e 15 minutos sentada, apenas escutando. Agora, com 31 ministros, ficaria duas horas e 35 minutos ouvindo. Sem intervalo. No palácio, ninguém demonstrava uma réstia de preocupação com o mundo à volta: a 7,6 mil quilômetros do Planalto, governos dos Estados Unidos, Japão, México, Canadá, Austrália, Chile, Peru, Malásia, Cingapura, Vietnã e Brunei, anunciavam o maior acordo de comércio regional da história, que vai mudar as bases de produção e do trabalho em 40% da economia mundial.

A Parceria Transpacífico afeta direta e profundamente o interesse nacional brasileiro. Impõe novas facilidades de acesso a mercados de bens, serviços e investimentos, menores tarifas comerciais, unificação de regras para a propriedade intelectual das grandes corporações e limites à exclusividade de patentes, para impulsionar a inovação e produtividade — da fabricação de carros aos remédios.

Seus efeitos podem vir a ser devastadores para o Brasil, cuja participação no comércio mundial se mantém estagnada há mais de uma década, com tendência ao declínio. Ficou em xeque a tática brasileira do último quarto de século de avançar dentro de um sistema multilateral de negócios, com algum poder decisório — a “centralidade”, no jargão da diplomacia — na Organização Mundial de Comércio. A OMC agora está sob evidente risco de esvaziamento.

Perdeu-se na poeira do tempo a última iniciativa brasileira para se ajustar ao mundo contemporâneo. Foi há 24 anos, em 1991, quando construiu o Mercosul, obra de engenharia política relevante para aquele período.  Desde a virada do milênio o país se contentou em desenhar o futuro com base em apenas três acordos comerciais nem um pouco significativos — com Israel, Palestina e Egito.

Entrou no século XXI sem sequer sinalizar entendimento sobre as mudanças nas cadeias globais de produção, a força da inovação e o novo papel do Estado na economia.  O impasse de década e meia nas negociações comerciais com a União Europeia é exemplar, porque deixa transparecer a perda de referências governamentais sobre os reais interesses nacionais neste início de século.

Preocupada com reverências ao PMDB e os erros de protocolo (“Hoje, o pessoal aqui está meio esquecido”queixou-se sobre a ausência de alguns nomes na papeleta que lhe entregaram antes do discurso), Dilma ontem demonstrava estar alheia à natureza da mutação do mundo à sua volta.  Os riscos para o Brasil são evidentes, e altos. E não há alternativa nesse novo mundo. Como dizia o ex-presidente italiano Giorgio Napolitano, que no pós-comunismo se reinventou na social-democracia, “quem não se internacionaliza, será internacionalizado”.

Fonte: José Casado, jornalista – O Globo