Dilma
parece não entender o mundo à sua volta: a Parceria Transpacífico afeta o interesse nacional
brasileiro, e pode ter efeitos devastadores para o país
“É
‘mulheres’ primeiro”, corrigiu, em tom irritadiço. “Eles insistem em escrever errado, mas o
ministério é das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos.” Dilma Rousseff, ontem à tarde, mostrava-se muito preocupada
com a imagem do novo ministério. Era sua grande novidade, com 31
integrantes.
Na essência,
nada mudou. Antes, se resolvesse reunir e ouvir cada um
dos 39 ministros por cinco minutos, a presidente passaria três horas e 15
minutos sentada, apenas escutando. Agora, com 31 ministros, ficaria duas horas e 35
minutos ouvindo. Sem intervalo. No palácio, ninguém demonstrava uma
réstia de preocupação com o mundo à volta: a 7,6 mil
quilômetros do Planalto, governos dos Estados Unidos, Japão, México,
Canadá, Austrália, Chile, Peru, Malásia, Cingapura, Vietnã e Brunei, anunciavam o maior acordo de comércio regional da história,
que vai mudar as bases de produção e do trabalho em 40% da economia mundial.
A Parceria Transpacífico afeta
direta e profundamente o interesse nacional brasileiro. Impõe novas facilidades de
acesso a mercados de bens, serviços e investimentos, menores tarifas
comerciais, unificação de regras para a propriedade intelectual das grandes
corporações e limites à exclusividade de patentes, para impulsionar a inovação
e produtividade — da fabricação de
carros aos remédios.
Seus efeitos podem vir a ser
devastadores para o Brasil, cuja participação no comércio mundial se mantém estagnada há mais de
uma década, com tendência ao declínio. Ficou em xeque a
tática brasileira do último quarto de século de avançar dentro de um sistema
multilateral de negócios, com algum poder decisório — a “centralidade”, no jargão da diplomacia
— na Organização Mundial de Comércio. A
OMC agora está sob evidente risco de esvaziamento.
Perdeu-se na poeira do tempo a
última iniciativa brasileira para se ajustar ao mundo contemporâneo. Foi há 24 anos, em 1991, quando
construiu o Mercosul, obra de engenharia política relevante para aquele
período. Desde a virada do milênio o
país se contentou em desenhar o futuro com base em apenas três acordos
comerciais nem um pouco significativos — com Israel,
Palestina e Egito.
Entrou no
século XXI sem sequer sinalizar entendimento sobre as mudanças nas cadeias globais
de produção, a força da inovação e o novo papel do Estado na economia. O impasse de década e
meia nas negociações comerciais com a União Europeia é exemplar, porque
deixa transparecer a perda de referências governamentais sobre os reais
interesses nacionais neste início de século.
Preocupada com reverências ao
PMDB e os erros de protocolo (“Hoje, o
pessoal aqui está meio esquecido” — queixou-se
sobre a ausência de alguns nomes na papeleta que lhe entregaram antes do
discurso), Dilma ontem demonstrava estar alheia à natureza da mutação do
mundo à sua volta. Os riscos para o Brasil são evidentes, e
altos. E não há alternativa nesse novo mundo. Como dizia o ex-presidente
italiano Giorgio Napolitano, que no
pós-comunismo se reinventou na social-democracia, “quem não se internacionaliza, será internacionalizado”.
Fonte: José Casado, jornalista – O Globo
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