João
Dória foi a Miami e voltou com a rapidez de um Zorro, o cavaleiro
mascarado. Esses heróis de cara tapada são muito velozes. A reversão do
Plano Miami só não foi mais rápida que a coletiva do Butantã para
anunciar que não haveria coletiva.
[em
que pese algumas alterações, a matéria permanece atualizada em sua
essência. A vacina CoronaVac continua enrolada, agora é com a falta do
IFA - tudo indica que mesmo o presidente Bolsonaro tendo entrado com
atraso na corrida da vacina, a 'dele' - Astra Zeneca - vai passar na
frente da do Doria, com maior número de imunizados, salvando vidas, o
que é ótimo.]
Os dados da vacina
chinesa previamente anunciados não existiam. Nesses casos é melhor
mesmo cancelar a divulgação. Que fique claro: não ter o que divulgar não
é problema nenhum para a equipe científica do Plano São Paulo. Todos
são muito bem treinados no teatro amador e capazes de improvisar horas a
fio sobre o nada. Mas nesse caso era melhor uma aparição curta,
cirúrgica, apenas para recauchutar as expectativas e prometer que a
novidade seria quente. Como se faz nas novelas – o próximo capítulo
sempre será o melhor. Mesmo assim, a autoridade do Instituto aproveitou
os holofotes para dizer que a sua vacina é a melhor de todas.
Em se tratando de ciência, desinibição é tudo.
Foi
assim que o Plano São Paulo avançou para a fase Miami – e recuou em
menos de 24 horas. Essa é a beleza da ciência: o monitoramento rigoroso
da fenomenologia faz com que tudo possa mudar em questão de segundos. No
caso, foi de um sofisticado equipamento chamado desconfiômetro que veio
o alarme para a correção de rumo. Dória não tem desconfiômetro –
ninguém é perfeito – mas como as reações ao Plano Miami bateram no teto
da Escala Richter, os androides que assessoram o governador importaram
às pressas um desconfiômetro de Pequim e constataram o problema.
Quando
João Dória aborta uma missão porque está pegando mal é sinal de que o
problema é grande. Como todo mundo sabe, o governador de São Paulo é
imune ao constrangimento.
Nenhum imunizante na história da medicina
conseguiu tanta eficácia quanto esse bloqueador de vergonha.
E não vá
achando que Dória perdeu essa imunidade. Ela continua 100% eficaz – ou
seja, o paciente permanece sem qualquer vestígio de culpa, remorso ou
embaraço no sangue. Mas se os sensores do desconfiômetro chinês
indicaram que estava pegando muito mal, era melhor seguir a ciência e
mudar a maquiagem.
O
erro básico detectado estaria no fato de que o avanço do Plano São
Paulo para a fase Miami não estava sendo bem compreendido. A população
do estado brasileiro trancado pelo seu governador não entendeu por que
ele se mandaria para um estado americano sem lockdown. O povo nunca
entende nada.
Mas a explicação é simples: Dória sabia que passar o Natal
em liberdade era uma experiência arriscada, e se ofereceu sozinho como
voluntário para a perigosa missão sob as palmeiras de Miami. É nessas
horas que se reconhece um estadista. Na praia e sem máscara se reconhece
qualquer um.
Dória se arriscou por seu povo. Agora
cabe ao seu povo se arriscar por ele, saindo do trancamento totalitário e
hipócrita. Como não haverá jatinho para todos, a fase Miami terá de ser
aplicada no Brasil mesmo. Praia, palmeira e coqueiro não vão faltar.
Mas sejam solidários e não se esqueçam de retribuir o confinamento ao
confinador.
Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES